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e etroleiro Crônico




Passando o bastão





Vitor Menezes


Natércio é um petroleiro crônico. Um petroleiro acabou de sair do curso técnico.
crônico que está perto da aposentadoria. O assunto (“Se já viu na Netflix, está fazendo o que aqui na sala
é proibido na família e entre amigos, mas não sai de cinema tirando a minha atenção?”, pensou
da sua cabeça. Também é inevitável todo o Natércio, embora a resposta tenha sido outra, o que
papelório que precisa encaminhar nos serviços de não deixa de ser um sinal dos seus novos tempos
carimbamento dos setores de Recursos Humanos, da amenos)
Petros e do INSS. Uma saga que procura levar com — Sim, muito triste, mas também muito humano e
muita altivez e com algum bom humor . verdadeiro.
— Passos firmes rumo à decrepitude —, responde — E é assim mesmo? Depois de tantos anos de dedica-
ele, sempre quando alguém pergunta como vai. ção, tanta luta para produzir petróleo, é assim que a
Nestes tempos é inevitável um certo saudosismo. E gente acaba?
a crônica destes dias não é a do riso fácil dos — A gente não acaba. A gente continua em vocês. E eu
momentos hilários — algo que nunca combinou faria tudo outra vez.
mesmo com Natércio e que, ainda menos agora, Foi então que o borracha entendeu o sentido de ser
faria sentido. O momento é de felicidade serena. cronicamente petroleiro, e deixou a sala escura com
Dias de sorrisos íntimos entre lembranças doces. uma estatura maior do que àquela que entrou. Havia
Hora de balanço e recomeço. se tornado mais um gigante da saga do petróleo.
Deve ser por isso que Natércio anda menos
implicante com os moços, e estão longe as
datas em que achava que tudo estava perdido
“por causa dessa molecada”. As sucessivas
mesas de buraco com os borrachas devem ter
ajudado nisso, especialmente as que ganhou,
sempre atribuindo a vitória à sua própria
habilidade no carteado, nunca à do parceiro
mais jovem.
Foi então que numa noite na plataforma, na
sala de cinema, quando nosso petroleiro
crônico assistia “A vida secreta das palavras”
e resmungava internamente sobre a necessida-
de de que esse filme fosse proibido para
petroleiros, principalmente a bordo das unida-
des marítimas, Natércio percebeu a aproxima-
ção de um novato.
— Esse filme é triste, né? Já vi na Netflix —
disse o garoto, com aquela cara de quem


* Este é um texto de ficção. Qualquer semelhança com nomes ou fatos, é mera coincidência. Ou não.

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