18º Confup: “Tecnologia pode ser disputada e equilibrada do ponto de vista dos trabalhadores”, diz economista

Imprensa do NF e do RS – O segundo painel de debates desta quinta-feira, 16, 15h, do Congresso Nacional da FUP tratou das transformações em curso no mundo do trabalho, que foram ainda mais aceleradas pela pandemia.

Através de uma live no youtube da FUP,  a socióloga do trabalho, Selma Venco, e a pesquisadora Marilane Teixeira, professora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Unicamp falaram sobre o impacto das novas tecnologias na vida do trabalhador e as mudanças nas relações trabalhistas.

Selma Venco fez uma breve recuperação histórica do mundo do trabalho citando dois momentos:  o Taylorismo e o Fordismo. “O Taylorismo se caracterizou pelo controle do tempo dos trabalhadores, os ganhos por produtividade que acabavam causando diferenças salariais e a chamada seleção científica” – explicou.

Em sua visão, o Fordismo pegou os princípios do Taylorismo e intensificou, com a máquina determinando a velocidade do trabalho. “ Nesse período as grandes concentrações de trabalhadores no mesmo ambiente facilitaram a organização da classe trabalhadora e a realização de greves por férias e melhoria das jornadas de trabalho. Um período de muito avanço para o movimento sindical, que não agradava aos capitalistas” – disse.

A globalização aparece depois com amplificando a lógica da competitividade, a flexibilização da forma da produzir e das relações de trabalho. Nesse contexto aparece a terceirização que se caracteriza pela forte dispersão dos trabalhadores e a perda de muitos direitos e dos vínculos com sua categoria original. Inicia aí um período de muito desemprego e de intensificação do trabalho, com um recuo nas organizações dos trabalhadores que passam a se afastar dos sindicatos por medo de perder seu emprego.

 

Uberização

“Quando a gente pensa que as relações já estão aprofundadas surgem inovações e inicia o fenômeno da uberização, que é baseado na economia compartilhada” – explica. “Surge como um modelo econômico baseado nas plataformas colaborativas, onde a pessoa “divulga” o seu trabalho”

Existem pontos na uberização que do ponto de vista socióloga já existiam em outros modelos como o trabalho desprotegido de direitos, as jornadas de trabalho estendidas, o cadastro de autônomo, a necessidade de estar disponível e de ser avaliado.

A novidade é que elas funcionam através de plataforma digitais e as pessoas “pagam” para trabalhar. No caso do Uber, 25% do serviço vai para a empresa e o trabalhador ainda tem que arcar com todos os custos desse trabalho.

Para a socióloga a lógica da uberização veio para ficar e vai se alastrar para muitas outras ocupações e profissões, como acontece em outros países.

Ela alerta que o serviço dos entregadores segue a mesma linha do uber. “Na lógica de trabalho dos entregadores, há obrigações de trabalho fixo, mas sem nenhum tipo de direito” – disse Selma Venco.

 

Capitalismo e organização do trabalho

Venco explicou que a relação entre a organização do trabalho e a organização dos trabalhadores caminharam ao longo da história de mãos dadas. “Já estava em curso uma forte dispersão dos trabalhadores pelo local de trabalho e isso ajudou no esfacelamento dos coletivos que é um dos grandes objetivos do capitalismo” – comentou.

A crença na resistência por parte da classe trabalhadora é muito forte para a socióloga exemplificando através de ações organizadas de trabalhadores do Uber e a greve dos entregadores no Brasil.

Ela alerta para o que está por vir na o pandemia, por isso a necessidade de atenção. “O capitalismo não entra no distanciamento social, ele não tira férias. A crueldade desse sistema vai se aproveitar da fragilidade da vida para usurpar ainda mais” – chamou atenção lembrando como será a situação em nosso país.

“O capitalismo no Brasil tenta impor perdas de direitos e medo. Com isso quem mais sairão perdendo são as mulheres, os negros e infelizmente, as mulheres negras serão as que mais sofrerão” – encerrou reforçando que “É importante saber que sempre vão tentar nos explorar, mas nós temos formas de resistir”.

 

O pós-pandemia

A economista e professora da Universidade de Campinas (Unicamp), Marilane Teixeira, apontou para a necessidade de enfrentamento de uma das maiores crises vivenciadas no país e com impactos gigantes nas relações trabalhistas, desemprego e flexibilização de direitos.

Em sua apresentação, a economista trabalhou com duas dimensões: o cenário da pós pandemia do mercado de trabalho e o avanço tecnológico pós crise.

“A pandemia evidência a realidade social e acelera o movimento já em curso na sociedade e no trabalho, estamos vindo de uma crise ligada as reformas, o trabalho informal e o aumento da pobreza e desigualdade social, representando um período de profundas incertezas. Não sabemos quando vamos retornar aos nossos trabalhos com segurança, quando as atividades econômicas serão normalizadas e os desempregados inseridos no mercado de trabalho. Atrelados a isso, no Brasil existe uma combinação de várias crises, a sanitária, a econômica, ambiental, social e política” – comentou.

 

Novas Tecnologias

Dentro deste contexto, Marilane falou que as revoluções históricas muitas vezes se deram a partir das crises e que não será preciso optar entre o avanço tecnológico e a exclusão da mão de obra: “As mudanças tecnológicas transformam a realidade, mas são determinadas fundamentalmente pela relação de poder. Apesar das novas tecnologias, o trabalho nunca teve tanta centralidade. Precisamos discutir o lugar do trabalho frente às novas tecnologias ou as novas tecnologias dentro do mundo do trabalho. Não existe uma substituição, esse fundamento de que está se perdendo a importância do trabalho não se confirma”.

Marilane finalizou sua apresentação comentando sobre uma possível antecipação de décadas com a crise pós pandemia e do processo de inserção de novas tecnologias – como é o caso do teletrabalho, experiência já vivenciada por alguns petroleiros. “Isso tudo é um processo de disputa política, a tecnologia pode ser disputada e equilibrada do ponto de vista do interesse do nosso trabalho. Vai depender da forma como a gente realiza essa disputa na sociedade”, concluiu.

O debate foi mediado pelo diretor da FUP, Alexandro Guilherme.