Brasil de Fato – O governo interino deve radicalizar as mudanças já em curso na Petrobras, no sentido de abandonar a política de conteúdo nacional e reduzir seu peso nas operações, em um contexto de transferência de atividades ao capital externo e presença predominante de representantes do mercado financeiro no Conselho de Administração. A análise pessimista foi feita na manhã de hoje (16) pelo ex-presidente da companhia José Sérgio Gabrielli, durante debate promovido pela Fundação Perseu Abramo. “O que está sendo feito é a construção de um processo de redução do tamanho da Petrobras. Esse processo de destruição vai ser profundo. Vejo muito negativamente as perspectivas do setor para o país”, afirmou.
Ele observou que essas mudanças começaram a ocorrer ainda sob a gestão Dilma – “Contra a minha vontade e dos petroleiros” –, mas devem se aprofundar. “O projeto de Serra foi aprovado no Senado sob complacência do governo Dilma”, disse Gabrielli, referindo-se ao PLS 131/2015, do senador tucano e atual ministro José Serra, que revoga a participação obrigatória da empresa no pré-sal – pela lei atual, de 2010, a empresa deve atuar como operadora única, com participação de pelo menos 30%. Isso garantiu o protagonismo da Petrobras, segundo seu ex-presidente, para quem a empresa, agora, tem virado uma geradora de caixa, buscando resolver sua situação financeira no curto prazo, mas comprometendo no longo prazo.
“Criamos um mecanismo de captura de renda petroleira. Montamos uma política industrial, uma política setorial, uma política de captação de renda. Isso teve oposição dentro do governo, tanto que levou dois anos de disputa interna”, lembrou Gabrielli, citando notícia divulgada ontem (15) pela Petrobras sobre a maior coluna de óleo já descoberta no Consórcio de Libra, no pré-sal da Bacia de Santos. “Um extraordinário resultado”, comentou o ex-presidente. “O pré-sal é altamente viável, rentável.” No consórcio, a Petrobras, operadora, tem 40%. Participam ainda Shell (20%), Total (20%), CNPC (10%) e CNOOC (10%).
Empresa integrada
Do ponto de vista global, no chamado novo petróleo, o Brasil supera Arábia Saudita, Estados Unidos e Venezuela, apesar de todos esses países terem hoje mais reservas. Tem ainda capacidade de produção e mercado consumidor interno. “Isso dá ao complexo Petrobras uma vantagem extraordinária, principalmente se ela mantém sua visão de empresa integrada de energia.”
A aprovação do projeto, agora na Câmara dos Deputados, tirando a Petrobras da operação única, vai retirar da estatal a capacidade de absorção de novas tecnologias, disse Gabrielli, abrindo espaço principalmente para companhias norte-americanas. “As relações do Serra com a Chevron e os interesses do governo americano são publicamente reconhecidos.”
Além disso, há os efeitos da Operação Lava Jato na cadeia produtiva. “A engenharia brasileira está em completa destruição”, afirmou Gabrielli. “As grandes empresas de construção estão hoje estranguladas na sua capacidade operacional. Só a Odebrecht demitiu 50 mil. A destruição da cadeia produtiva e a retirada da Petrobras da operação única vão, necessariamente, inviabilizar a política de conteúdo nacional.”
Há uma disputa em jogo em todo o mundo, envolvendo o setor público e o privado, observou. “O petróleo era e será por muitas décadas uma fonte primária fundamental. Nessa disputa, a corrupção se espalha. A corrupção é também parte da indústria do petróleo, significativa em vários lugares. Essa corrupção é um pouco inerente, tem de ser punida, fiscalizada, reprimida.”
Ele fez referência aos ex-executivos da Petrobras Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró e Pedro Barusco. “Profissionais competentes em suas áreas. Eles foram corruptos, têm de ser punidos”, afirmou Gabrielli, para ressalvar que a corrupção na empresa atingiu “cinco, seis, dez (pessoas), no máximo, numa categoria que tem 80 mil”. “O ponto é que dado o volume de recursos que a Petrobras usa, qualquer 1% é muita coisa. Você não pode dizer que o comportamento de alguns corruptos seja característica do conjunto da Petrobras.”
O ex-presidente também comentou trecho da delação premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, para quem a Petrobras é “a madame mais honesta dos cabarés do Brasil” (os termos usados por Gabrielli foram diferentes). “A corrupção ocorre na relação com o fornecedor, com o fornecedor do fornecedor, com o doleiro, ou seja, fora dos controles internos da empresa”, disse, acrescentando que esse controle é “muito maior do qualquer empresa privada e certamente mais que a indústria automobilística”.
Mesmo com algumas críticas à gestão Dilma, o ex-presidente da Petrobras disse que o atual ocupante do cargo, Pedro Parente, e o antecessor, Aldemir Bendine, não são iguais, “por causa da situação política geral”. Na gestão anterior, argumentou, havia ainda alguma possibilidade de disputa. “Acho que estamos numa situação pior, no sentido da possibilidade de reverter o desmonte que fazem com a Petrobras e com a política de conteúdo nacional. Vamos ter impactos muitos sérios também no desenvolvimento local. Estamos com uma situação de lesa-pátria muito séria.”
Para Gabrielli, é preciso não só “enfrentar o golpe”: “Temos de fazer a defesa do nosso legado. Acertamos mais do que erramos”. Ele também chamou a atenção para a necessidade de diálogo com uma nova geração de trabalhadores, lembrando que 60% dos petroleiros atuais têm menos de 15 anos de companhia. “A categoria petroleira renovou-se muito. A base é muito nova.”