Editorial do Nascente: A detenção de um diretor do NF e os guardas da esquina

Uma das micro histórias sobre a ditadura civil-militar brasileira é a que dá conta de que Pedro Aleixo, o vice-presidente civil do general-presidente Costa e Silva, durante a reunião em que foi discutida na cúpula do governo a instauração do AI-5, em 1968, encontrou um modo diplomático de se opor à medida, afirmando que confiava no governante, mas não nos subalternos. “Não tenho nenhum receio em relação ao presidente, eu tenho medo do guarda da esquina”, foi a sua frase.

Evidente que Costa e Silva não merecia confiança alguma, mas o raciocínio tinha a sua pertinência e continua a valer para os tempos atuais. Como em 1964, a burguesia nacional começa a engolir um golpista e a fechar os olhos para o que andam fazendo, com a sua complacência, os guardas da esquina.

Por guardas da esquina entendam-se agentes da segurança pública, coronéis políticos locais, empresários influentes e até mesmo setores da imprensa. Quando a sinalização que vem de cima é a de que vale tudo para “manter a ordem”, estes prepostos do sistema se sentem empoderados para cometer os mais absurdos abusos de poder, confiantes na impunidades ou, em alguns casos, se auto-atribuindo algum sentido heróico. Daí para a banalização do mal é um passo curtíssimo (vale a pena ler Hanna Arendt sobre este conceito).

No mundo cotidiano, são eles que prendem, torturam e matam, enquanto os generais dão festas nos salões. E o fazem pelos mais aleatórios motivos, liberados da necessidade de estabelecerem qualquer conexão com o que é razoável ou legal mesmo para parâmetros autoritários.

As cenas recentes de manifestantes sendo presos em arenas esportivas das Olimpíadas por erguerem cartazes “Fora, Temer” são sintomas desta ambiência. Forças policiais foram encorajadas a “agirem com rigor” para eliminar protestos, numa interpretação distorcida e muito particular da legislação que não permite manifestações ofensivas nos estádios. Tudo isso vem sendo observado, inclusive pela opinião pública internacional, e causa vergonha ao Brasil durante os jogos olímpicos. 

E em meio a todo este cenário, o Sindipetro-NF é atingido diretamente de modo atroz pela baioneta de um destes guardas da esquina, ao ver um dos seus diretores, Cláudio Nunes, ser detido de modo insano e truculento na terça, 9, em Brasília — quando também foi detido o diretor do Sindipetro Unificado de São Paulo, Gustavo Marsaioli —, quando apenas aguardavam em uma fila para entrar no Congresso.

O companheiro Nunes foi derrubado, algemado, arrastado à força, sob acusação de desacato e resistência à prisão. Mesmo Constituições liberais entendem como fundamental o direito à liberdade e, portanto, são compreensivas quando qualquer pessoa luta por ela — o que fundamenta, por exemplo, o princípio de que um detento tem o direito de tentar fugir de uma penitenciária, cabendo ao Estado o dever de criar meios de mantê-lo preso. Cabe à força policial bem treinada saber lidar com situações como estas.
O que os policiais chamaram de desacato e resistência à prisão é tão somente o direito humano básico de se insurgir contra a privação de liberdade — que torna-se ainda mais justificável quando em reação a uma notória injustiça. O que realmente aconteceu foi a ação de policiais que se sentiram à vontade para tratar manifestantes como criminosos e algemar um trabalhador como se fosse um bandido, por acreditarem estar prestando um favor ao País — ao mesmo tempo em que satisfazem a preconceitos desenvolvidos em anos de treinamento militar.

Foi chocante ver um companheiro ao chão, tendo sobre ele dois policiais. Foi chocante ver que ele permaneceu algemado por toda uma tarde. E que contra ele instaurou-se um inquérito, como nos mais sombrios períodos de exceção.

Se cada brasileiro não perceber que o arbítrio não acontece só com os outros, mas também ronda a sua porta, teremos as condições para que se implantem anos de terror de estado no Brasil. Não terá sido por falta de exemplos históricos.

Cada atentado à liberdade de expressão e de manifestação política é um atentado a todos nós. Resistiremos. Fascistas não passarão.

 

[Boletim Nascente 952]