Luiz Carvalho / Da Imprensa da CUT – O Projeto de Lei 4567/2016 aprovado na noite dessa quarta-feira (5) alterou o papel da Petrobrás na exploração do pré-sal. Além de não ser mais operadora única, também não terá direito ao mínimo de 30% da produção, conforme previa lei aprovada durante o governo Lula.
Com o argumento de adequar a empresa a suas dívidas e abrir o mercado a novos investidores, a medida pode trazer estragos gigantescos a toda uma cadeia produtiva, prejudicar o desenvolvimento tecnológico e ainda fazer do país mero exportador de matéria-prima.
A avaliação é do ex-presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, que participou do programa ‘Aula Pública’, da TVT. Durante palestra que ministrou na UFABC (Universidade Federal do ABC) nessa quarta, ele ainda traçou um paralelo entre o que era a companhia antes e depois do governo Lula.
Gabrielli foi diretor financeiro e de Relações com Investidores da empresa brasileira entre fevereiro e julho de 2005, quando foi eleito presidente e exerceu o mandato por sete anos. Durante sua gestão, em 2007, aconteceu a descoberta do pré-sal.
Confira os principais trechos da conversa e da entrevista para o Portal da CUT.
O que assistiremos no próximo período?
“Com o PL do Serra, vai haver exploração do pré-sal, mas será feita por empresas internacionais. Europeus e chineses já estão aqui. Os americanos ainda não, mas devem vir também. E teremos talvez até aceleração, a custos menores, mas com a apropriação maior de receitas pelo setor privado.
Talvez tentem mudar o marco regulatório para retomar o contrato de concessão e a receita que sobrará para investimento público será ainda menor.”
(Nota: O PL 4567, inicialmente PLS 131/2015, de autoria do ex-senador e atual ministro José Serra, rasga o regime de partilha (Lei 12.351/2010) aprovado durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Lula instituiu a partilha para garantir que 50% do lucro com os royalties fossem destinados para um fundo social, de onde o governo tiraria recursos para aplicar em educação (75%) e saúde (25%).
A diferença da concessão em relação ao regime de partilha é que no primeiro, devido ao alto risco exploratório, quem ganha o leilão fica com a riqueza. Já na partilha, como toda a região do pré-sal está mapeada e não há risco de perder investimento, o governo determinou um modelo em que o óleo pertence ao país, que cede a área para exploração de quem der maior retorno financeiro.)
Petróleodependência
“O grande perigo desse processo é a chamada doença holandesa, o país ficar extremamente dependente da exploração e do preço de petróleo, que são cíclicos e flutuantes, e não desenvolver outros setores.
A construção da cadeia de indústria de engenharia pesada voltada à indústria de petróleo fica muito difícil. Deve ter aumento da importação de equipamentos e serviços e isso inviabiliza a industrialização desse setor, fazendo com que fiquemos mais dependentes do produto primário.”
Operador único
“Ser operador único significa que em todas as áreas do pré-sal quem tomaria as decisões seria a Petrobras. Com escalas, que é o que viabiliza a indústria nascente.
Petrobrás não será mais operadoras única; multinacionais chegam na área para explorar riqueza nacional, aponta Gabrielli (Foto: Roberto Parizotti)Petrobrás não será mais operadoras única; multinacionais chegam na área para explorar riqueza nacional, aponta Gabrielli (Foto: Roberto Parizotti)Se vai ter que contratar 29 sondas, pode fazer com que indústria naval construa estaleiros. Se vai fazer 60 turbinas geradoras de grande porte, pode exigir que operadora de turbina faça a fábrica aqui. O papel do operador único é dar escala para a cadeia de fornecedores e a política de conteúdo nacional. O efeito do operador único é muito mais sobre a cadeia produtiva do que sobre a produção.“
Lobby
“Empresas americanas foram contra o marco o regulatório em 2010, assim como foram contra a política conteúdo nacional. A conversa que vazou do WikiLeaks entre o Serra (José Serra, ex-senador e atual ministro de Relações Exteriores do governo ilegítimo de Michel Temer) e a Chevron expressa a ideia de que o Brasil deveria ser uma fronteira aberta para integração das grandes empresas.
Isso é óbvio, porque, atualmente, mais de 90% das reservas internacionais de petróleo estão nas mãos das empresas estatais. As grandes empresas privadas têm de buscar um país com grande potencial de produção aberto a elas. O Serra e o PSDB se convenceram disso.”
Antes e depois
“A Petrobrás iniciou o século 21 produzindo pouco mais de 1,5 milhão de barris por dia. E refinando mais ou menos 2 milhões de barris por dia. A empresa tendia a ser pequena, focada no desenvolvimento da exploração do petróleo na Bacia de Campos, vendendo parte de suas refinarias, fora da petroquímica, dos biocombustíveis e dos fertilizantes. A Petrobras queria sair da produção de terra e não queria expandir a produção para além da Bacia de Campos.
Em 2003, mudou a estratégia e passou a recompor aquilo que foi a força até 1998, um sistema integrado de produção de petróleo, refino, logística, petroquímica e fertilizantes. Essa visão permitiu um programa exploratório agressivo e que resultou na descoberta do pré-sal fora da Bacia de Campos.
Houve mudança profunda na pesquisa tecnológica. Vinha de redução em desenvolvimento e pesquisa, cada vez mais adquirindo tecnologia no mercado, encolhendo engenharia interna, comprando equipamentos prontos e que não trazem participação no desenvolvimento tecnológico. Vinha enfraquecendo o centro de pesquisa e desenvolvimento.
A partir de 2003, esse centro dobra de tamanho faz mais de 70 redes temáticas com universidades e centros de pesquisa brasileira, que faz enfrentar desafios na extração do pré-sal.”
Petrobrás tem jeito?
“Após 2020, fora da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), o Brasil será o país que mais contribuirá com a oferta do petróleo no mundo.
Os EUA, maior mercado consumidor após de China, terá autossuficiência de gás e a demanda de importação de petróleo limitada. Mas isso tende a declinar e precisarão de novas fontes de acesso a reservas pós 2020.
Porém, a política para daqui quatro anos tem de ser resolvida agora, porque não se constrói uma unidade de produção em menos de cinco anos. As mudanças que estamos presenciando tem por trás o interesse americano e dos grandes consumidores internacionais no país.
Petrobrás tem condição de recuperar e está recuperando, fez operações financeiras em 2015 extraordinárias, com demanda do mercado financeiro em relação à oferta de giro.
O problema é o horizonte de tempo que terá para recuperar a situação financeira. A Petrobrás hoje, no plano de negócios oficial, quer recuperar em dois anos e isso é muito difícil porque significa vender quase todos seus ativos. Ao passo que se tivesse horizonte médio e longo prazo poderia retomar credibilidade no mercado financeiro, porque no de fornecedores manteve.
No atual plano de negócios está explícito que será empresa menor e irá focar na atividade do pré-sal brasileiro já concedido. Está explícito que não criará novas áreas exploratórias, venderá ativos e será empresa semelhante a que foi entre 1998 e 2003. Isso terá um impacto dantesco sobre a cadeia produtiva.
[Em aula pública, Gabrielli falou sobre prejuízos do PL 4.567 de entrega do pré-sal – Foto: Roberto Parizotti]