por Rodrigo Pimentel Ferreira Leão e Caroline Scotti Vilain
A partir da descoberta do pré-sal em 2007, o governo brasileiro estruturou um conjunto de políticas visando ancorar à imensa descoberta de petróleo o desenvolvimento da indústria nacional. Em outras palavras, aproveitando-se das oportunidades e das necessidades de longo prazo criadas pela descoberta do pré-sal, o governo elaborou duas grandes iniciativas a fim de fortalecer e impulsionar o crescimento da indústria nacional.
Em segundo lugar, fortaleceram-se os canais microeconômicos de articulação entre as empresas nacionais (no ramo de metalurgia, naval etc.) e a Petrobras. A Sete Brasil – empresa responsável por afretar 28 sondas com um conteúdo nacional de pelo menos 55% para viabilizar a exploração do pré-sal – teria um papel decisivo nesse processo. Segundo a própria Sete Brasil, estimou-se que seriam necessários um “investimento total para as construções das 29 sondas no Brasil (28 com contratos firmes com a Petrobras e uma unidade extra) no valor de US$ 26,4 bilhões (…). A construção destas 29 sondas irá demandar a instalação ou a ampliação e modernização de 5 novos grandes estaleiros no Brasil, gerando aproximadamente 120 mil empregos, diretos e indiretos”.
Todas essas ações elevaram significativamente o volume de investimentos e de emprego em toda a cadeia que envolve o setor de P&G. Somente na indústria naval, o número de empregados já tinha crescido absurdamente, saindo de algo de 11 mil trabalhadores em 2002 para mais de 71 mil em 2014. Os investimentos do setor realizados somente pelo FMM superaram a marca dos US$ 7 bilhões, entre 2005 e 2012. Em termos globais, a participação da cadeia de petróleo e gás nos investimentos do país chegaram a alcançar cerca de 20% no início desta década. No entanto, as recentes medidas adotadas pelo governo Temer somadas à forte crise da Sete Brasil e dos fornecedores têm minado o êxito alcançado por essas políticas.
Recentemente, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) flexibilizou as regras de conteúdo local, chegando em alguns casos a desobrigar as empresas de utilizarem máquinas e equipamentos nacionais, como na 4ª rodada de licitações de Acumulações Marginais. Na 14ª rodada de licitações dos Contratos de Concessões, os índices estabelecidos foram os seguintes: a) para exploração em terra, o índice de conteúdo local será 50%; b) para os blocos em mar, o conteúdo mínimo será de 18% na fase de exploração, 25% para a construção de poços e 40% para sistemas de coleta e escoamento. Para se ter uma ideia do impacto gerado por esse novos índices, na décima primeira rodada em 2013 os percentuais de conteúdo foram, na média, 62% na etapa de exploração e nas etapas seguintes 76%. Além da redução do conteúdo local, a Medida Provisória (MP) 777, atualmente em tramitação no Senado, alteraria o cálculo da taxa de juros para contratos do BNDES, o que aumentaria o custo de financiamento do FMM e, consequentemente, desestimularia a tomada de crédito nessa linha de financiamento.
Junto a essa desorganização institucional, as ações tomadas em torno da Sete Brasil reforçaram o cenário de “esvaziamento” da política de desenvolvimento nacional. Evidentemente que todos os problemas financeiros oriundos do pagamento indevido nos contratos da Sete Brasil com os estaleiros nacionais a afetaram negativamente. No entanto, a redução dos investimentos do setor têm restringido a capacidade de recuperação da empresa. Como exemplo, no novo plano de recuperação judicial, a Sete Brasil foi obrigada a reduzir de oito para quatro o número mínimo de embarcações que precisa concluir para retomar suas atividades, por conta das dificuldades criadas pela Petrobras para a retomada da construção das oito embarcações.
Esse novo cenário coincidiu com um movimento bastante acelerado de contratação estrangeira, por um lado para o desenvolvimento das áreas já contratadas pelo pré-sal e pós-sal e, por outro, pelas expectativas de investimentos das empresas estrangeiras a partir dos leilões que devem ser realizados entre 2017 e 2018.
Sobre o primeiro aspecto, cabe ressaltar que várias empresas já solicitaram à ANP a isenção do cumprimento do conteúdo local e, simultaneamente, já tem contratado progressivamente fornecedores estrangeiros para a exploração e desenvolvimento dos campos de petróleo. Um caso interessante é o da Statoil. Um primeiro movimento da empresa norueguesa foi a contratação da empresa holandesa Heerema para a construção de uma plataforma no campo do pós-sal de Peregrino.
A construção da plataforma será feita no estaleiro da empresa em Vlissingen, na Holanda, e deve ser iniciada em novembro, com previsão de conclusão para outubro de 2019. As medidas da plataforma são de 135m de altura e 9,300 toneladas. O sistema total de Peregrino conta com 22 poços, sendo 15 produtores e 7 injetores, com previsão para as primeiras perfurações em 2020. O valor do contrato com a Heerema não foi divulgado, porém a expectativa é que o campo de Peregrino alcance um total de produção de 250 milhões de barris até 2040, quando a concessão terminar. Vale ressaltar que a construção de plataformas gira em torno de 4,5 mil empregos diretos e indiretos, os quais poderiam ser fomentados no Brasil, ao invés da Noruega ou Estados Unidos.
Outro movimento realizado pela Statoil foi a contratação da Seadrill para perfuração dos poços do bloco BM-S-8, localizados no campo do pré-sal de Carcará – recentemente vendido pela Petrobras para a empresa norueguesa. Segundo informações da revista Brasil Energia, “a sonda de perfuração (um drillship) contratada é a West Saturn, construída em 2014 capaz de operar com profundidades de até 3600 metros e que atualmente se encontra armazenada em Tenerife, na Espanha. O contrato inicial prevê a perfuração de um poço exploratório no prospecto de Guanxuma e um teste de produção em Carcará. O valor total do contrato é de 26 milhões de dólares, com duração de 150 dias, mas a Statoil tem a opção de estender o afretamento para a perfuração de novos poços no Espírito Santo”. A exemplo do caso da Heerema, esses 26 milhões de dólares, ao invés gerar emprego e renda no Brasil, devem migrar para o exterior.
Assim como a Statoil, todas as empresas que devem ingressar no pré-sal e que conseguirem a isenção da ANP tendem a realizar processos similares, isto é, contratar cada vez mais fornecedores de bens e serviços fora do Brasil. Com as mudança do aparato regulatório e do desmonte da cadeia de fornecedores nacionais, o atual governo já deu às operadoras as justificativas técnicas “perfeitas” para realizar a contratação no exterior, a saber: “a regulação foi alterada para aumentar a competitividade e acelerar a produção, uma vez que os fornecedores brasileiros são incapazes de atender à demanda existente”. Mas, essa incapacidade tem sido alimentada pela própria ação do Ministério de Minas e Energia (MME) e a Petrobras. Ou seja, não basta a transformação do aparato regulatório, mas também se provoca um forte estrangulamento das empresas nacionais, seja pelos desinvestimentos da Petrobras, seja eliminação dos subsídios fiscais e financeiros para a indústria nacional. E, ao mesmo tempo, busca-se acelerar a exploração de petróleo no país num ritmo incompatível com a oferta de bens e serviços dos fornecedores brasileiros. Não é só o fim da política de conteúdo local, mas é a instauração de uma política de favorecimento ao conteúdo internacional.
Rodrigo Pimentel Ferreira Leão – Economista (FACAMP) e mestre em desenvolvimento econômico (IE/UNICAMP). Trabalhou no Ipea, Dieese e na Petros. Atualmente, é pesquisador da Cátedra Celso Furtado/FESP-SP e um dos membros do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas (GEEP) da FUP.