Gabriel Valery / Da RBA – O ex-presidente e pré-candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva completa nesta sexta-feira (6) 90 dias de cárcere. Uma prisão política, segundo juristas e personalidades do Brasil e do mundo, personalidades públicas, movimentos sociais e grande parte da sociedade civil que quer votar em Lula em outubro, como apontas as pesquisas.
A fragilidade no processo que o condenou em segunda instância na Justiça, no âmbito da Operação Lava Jato, é descrita no meio jurídico e pelo próprio ex-presidente como uma farsa, resultado do uso da violência judiciária com fins políticos, o chamado lawfare. O objetivo é impedi-lo de disputar a eleição.
“Chegou a hora de todos os democratas comprometidos com a defesa do Estado democrático de direito repudiarem as manobras de que estou sendo vítima”, disse Lula em manifesto ao povo brasileiro, escrito do cárcere e lido esta semana pela presidenta do PT, senadora Gleise Hoffmann. No texto, pela primeira vez Lula pôs em dúvida a capacidade da Corte superior de fazer justiça. Um gesto que deve inflamar a militância em sua defesa nas próximas semanas.
Três meses de presença
Parte da sociedade civil, como movimentos organizados ou apenas cidadãos indignados com a perseguição que põe em risco a democracia e o futuro do Brasil, vem exercendo essa militância obstinada desde aquele 7 de abril. Foi o dia em que o ex-presidente decidiu deixar a sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, depois de três dias de vigília, para ser recebido por outra vigília, a Lula Livre, nos arredores da sede da Polícia Federal em Curitiba.
Esta sexta-feira marca também os três meses de acampamento levantado no bairro Santa Cândida, na capital paranaense. A solidariedade ao ex-presidente resiste bravamente.
“O número de caravanas que visita a Vigília segue intenso, com média de 300 pessoas mantendo-se diariamente, mesmo após três meses, o que indica a popularidade do presidente e a disposição de as pessoas resistirem por Lula Livre!”, diz em nota a coordenação do acampamento. “Lula Inocente! Lula presidente! Diversos grupos de diferentes matrizes religiosas nos procuram, num exercício único de pluralidade e respeito”, define o coletivo.
São 90 dias de embates com autoridades locais pelo direito de se manifestar pacífica e civilizadamente. De lutas e também de momentos de cultura, arte, debates e trocas que já entraram para a história. De partilha do fogão e do pão. De solidariedade de vizinhos que abriram o coração e a casa para os frequentadores da vigília e do acampamento, os fixos e os itinerantes.
Integrante de movimento de moradia, Edna Dantas está neste espaço de disputa, em Curitiba, desde o início. Na verdade, desde antes da prisão de Lula, como conta à RBA. “Desde o impeachment da Dilma (em 2016), até um pouco antes, eu e alguns companheiros não paramos um dia em defesa da democracia. Desde lá, denunciamos o golpe e os retrocessos que assolam o Brasil.”
A atuação de Edna ganhou intensidade com a passagem de Lula por seu estado com sua caravana, que percorreu boa parte do Brasil entre o ano passado e o início deste. “Quando a caravana chegou ao Paraná, já percebemos a violência muito mais forte no Sul. Se você lembrar a caravana do Nordeste, por exemplo, foi um show. Agora, aqui no Sul, teve hostilidade perseguição de grupos fascistas que disseminam ódio e preconceito”, disse.
“Diante disso, nos organizamos em Curitiba para garantir a vinda de Lula para cá nesse processo da caravana. Passando isso, começou a pressão de certos setores pela prisão do Lula. Minha vontade era de ir para São Bernardo do Campo acompanhar a resistência, na proposta de não deixá-lo sair de lá. Essa era a minha vontade”, lembra Edna.
O mandado de prisão foi expedido pelo juiz de primeira instância Sérgio Moro na tarde do dia 5 de abril. Durante três dias, Lula resistiu ao lado de milhares de apoiadores, que o carregaram nos braços, quando decidiu cumprir a ordem judicial – depois momentos intensos de reuniões com líderes de diversos partidos e movimentos, e de reflexões com familiares. O ato foi registrado em uma das mais icônicas imagens de todo esse processo.
As imagens da prisão de Lula correram o mundo, estamparam capas de grandes jornais em diferentes países. O processo todo foi, e ainda é, um campo fértil para o trabalho dos repórteres fotógrafos – como Ricardo Stuckert, Eduardo Matysiak, Joka Madruga, entre outros que se revezam no ofício de traduzir em imagens o que não cabe em palavras.
A reportagem conversou Joka Madruga, da Agência PT, sobre a visão de quem revela o processo ao mundo. “Na vigília, como profissional, o dia a dia é desafiador. Acabamos assumindo um lado, que sempre tive, que é o do trabalhador (…) Se um lado, como profissional, tem o desafio de romper barreiras e preconceitos relacionados ao jornalismo de esquerda, pessoalmente é uma alegria”, explica Joka.
“Estou vivendo um momento histórico do país. Daqui a 50 anos, as pessoas falarão sobre o assunto e utilizarão as fotos de vários profissionais que passam por aqui. Tem muita gente e muita coisa boa acontecendo”, afirma.
Joka acompanha a vigília desde o primeiro dia, que classifica como o mais difícil de toda a jornada. “O momento mais difícil foi a chegada do Lula. Tive que ver o pessoal da direita jogando rojão na direção do helicóptero e depois a polícia atirando em vários companheiros que se machucaram. Pessoas com quem convivo no dia a dia. Foi um momento muito pesado, de muita revolta. Ver um homem que ninguém encontra uma prova contra ele ser preso e de repente acontece tudo aquilo. Foi o momento mais cruel que vivemos aqui.”
Mas nem só de repressão foram os dias. “Temos as visitas”, disse. Uma das imagens mais marcantes foi a do teólogo Leonardo Boff, 79 anos, sentado junto à entrada da unidade da PF. Naquele dia Boff teve negado o acesso ao ex-presidente, junto com o Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, 87 anos.
“Foi uma grande denúncia. Acredito que aquela cena, que não só eu registrei, foi determinante para denunciar o que o Judiciário estava fazendo com o Lula ao cercear o direito de visita dele. A partir daquele momento, Lula passa a receber mais visitas. Então, ter contribuído de alguma forma, mesmo que indireta, valeu apena. Foi um bom momento”, avalia.
Joka Madruga divide a história da vigília em dois períodos principais. “Nos primeiros dias, chegava na vigília umas 7h e saía umas 21h. Foi muito tenso, era uma coisa maluca no sentido de acontecer muita coisa. Quando saíram as liminares e o acampamento saiu aqui da frente, a rotina acabou sendo um pouco mais tranquila. A minha rotina também passou a ter um pouco mais de calma. Às vezes venho só de manhã ou só de tarde. Alguns dias, fico o dia todo. Venho para cá de ônibus há 90 dias. Subo no centro e desço no terminal da Santa Cândida.”
De volta ao acampamento
Assim como Madruga, Edna relata o momento mais difícil desses 90 dias. “Na chegada do Lula, sofremos uma grande agressão. A Globo e a direita não divulgaram, mas estávamos bem próximos da entrada da PF quando o helicóptero chegou. Então, começaram a soltar bombas e tiros de borracha. Feriram alguns apoiadores do presidente Lula. A partir daquele momento, eu e mais cinco pessoas já acampamos lá, na mesma noite. A violência foi traumática para muitos. Alguns nem conseguiram se manter aqui pelo trauma. Aquele dia foi bem triste.”
Outros pontos de lamento foram dois atentados contra os militantes. Em especial, um ataque com arma de fogo que deixou um ativista gravemente ferido, com um tiro no pescoço. “Um dos nossos companheiros ficou gravemente ferido, foi para a UTI. Agora, temos sofrido uma sequência de violência. Há menos de uma semana, outro atentado. Uma pessoa veio ao acampamento armada, atirou, tentou me atropelar. Estamos sentindo uma perseguição forte de um grupo fascista que se organiza pelas redes sociais.”
Os agressores se dizem moradores incomodados com os supostos transtornos da vigília e do acampamento. Na realidade, são pessoas incomodadas com a existência de Lula e de gente disposta a lutar com unhas, dentes e a consciência por sua liberdade, por justiça e democracia
“Eles incitam o ódio e a violência. Mas não vamos arredar o pé, não vamos recuar. Vamos enfrentar essa direita fascista de Curitiba e denunciar isso. Nossa permanência será enquanto Lula estiver aqui”, garante.
O acampamento coordenado por Edna foi batizado em homenagem a Marisa Letícia, morta em fevereiro de 2017. Ele existe na atual configuração há 80 dias. Os dez primeiros, como relatou Madruga, foram em frente à sede da Polícia Federal. Após a concessão de uma liminar impedindo a ocupação, as lideranças negociaram e levaram as barracas para um local distante a 1.200 metros quilômetros dali.
Ajudam na organização vários movimentos sociais. Um dos principais é o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), que ajuda na organização, na cozinha, no atendimento médico, entre outras áreas essenciais para os acampados.
Roberto Bagio é coordenador do MST do Paraná e se dedica tanto ao acampamento quanto à vigília. Para ele, o sentido da resistência é político. “Ela (a vigília) encarna uma grande referência nacional e internacional de solidariedade, de compromisso com a democracia e também de solidariedade com o presidente Lula. Estamos preparados para resistir o tempo que for necessário aqui com um conjunto de atividades como formação, debate e palestras”, diz.
“A vigília segue como uma referência, uma luz que ilumina e abastece os que estão aqui, que vêm visitar, que estão mirando pra cá e de qualquer forma estão na corrente pela liberdade do Lula. Ao mesmo tempo, precisamos intensificar a pressão em Brasília. Vamos fazer uma concentração de mobilizações ao redor de Brasília e do Supremo (Tribunal Federal), culminando com o registro da candidatura do Lula”, informa o dirigente do MST.
Em 15 de agosto, quando deve ser feito o registro da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva no Tribunal Superior Eleitoral, a capital federal será palco de uma grande manifestação.
Segundo Roberto, há ainda uma agenda intensa de atividades a serem realizadas nas próximas semanas. “Temos uma programação para os meses de julho e agosto com o objetivo de discutir com a base, com a sociedade, com o campo, os assentamentos, comunidades indígenas, escolas. Para termos uma perspectiva do nosso futuro. No nosso horizonte está a questão de como retomar a democracia para que a vontade da maioria seja preservada como direito do cidadão como em qualquer democracia do mundo.”
Ainda pensando no horizonte, o fotógrafo Madruga confia nas tecnologias de comunicação para que a esquerda trabalhe em uma narrativa diferente daquela posta pela mídia tradicional corporativa. “Acredito que a história é contada pelos vencedores. Porém, hoje, com a tecnologia e os meios que temos, conseguimos mudar isso um pouco. Até porque acredito que vamos sair vencedores. Lula vai conseguir sair da prisão, vai se eleger presidente. Acredito que é possível. Claro que, para isso, precisamos do esforço de cada militante, de cada profissional para podermos retomar essas conquistas que perdemos com o atual governo.”
Confira a íntegra da nota da Vigília Lula Livre:
90 dias contra o golpe e pela democracia!
1. Dia 5 (quinta), completam-se noventa dias da prisão do presidente Lula, em que o juiz Sérgio Moro, e agora o ministro do STF, Luiz Edson Fachin, atropelarem o Estado Democrático de Direito, ao fazer um julgamento parcial, sem provas contundentes, recheado de manobras políticas. Como Lula mesmo diz, é preciso que se apresente uma prova concreta para que não seja candidato!
2. Há três meses o presidente resiste! Mantém sua candidatura, em primeiro lugar nas pesquisas, e diariamente tem se posicionado pela retomada de um país com desenvolvimento, com Justiça, com olhar para o social e para a nossa América Latina – é urgente resgatar o Brasil anterior ao golpe. Mesmo preso, Lula não se calou, e nem foi esquecido, como queriam seus perseguidores!
3. Nós da Vigília Lula Livre convidamos militantes, defensores da democracia e dos direitos humanos, e simpatizantes para estar conosco na vigília neste dia (5), bem como em todos os outros dias, participando de nossas atividades culturais, políticas, de debates sobre qual é o programa e a agenda que este país necessita.
4. Informamos que, em que pese especulações de diferentes níveis e em diferentes meios, a coordenação da Vigília segue em contato semanal com as autoridades, intermediado pelo Ministério Público do Paraná, para manutenção do espaço respeitando os limites de silêncio e bem-estar da comunidade.
5. O número de caravanas que visita a Vigília segue intenso, com média de 300 pessoas mantendo-se diariamente, mesmo após três meses, o que indica a popularidade do presidente e a disposição de as pessoas resistirem por Lula Livre! Lula Inocente! Lula presidente! Diversos grupos de diferentes matrizes religiosas nos procuram, num exercício único de pluralidade e respeito.
6. Às elites, só vai restar a derrota em outubro e o preconceito contra o povo!
Curitiba, 4 de julho de 2018 – inverno e, em breve, primavera.
[Foto: Ricardo Stuckert]