Tragédias: aprendemos com elas ou continuaremos a assistir sua repetição?

Alexandro Guilherme Jorge*

“Que sorte têm os atores! Cabe a eles escolher se querem participar de uma tragédia ou de uma comédia, se querem sofrer ou regozijar-se, rir ou derramar lágrimas; isto não acontece na vida real. Quase todos os homens e mulheres são forçados a desempenhar papéis pelos quais não têm a menor propensão. O mundo é um palco, mas os papéis foram mal distribuídos” (Oscar Wilde)

Em uma semana pelo menos duas catástrofes acometeram a América Latina. No último dia 19 uma explosão de oleoduto em Hidalgo no México que até agora vitimou 79 pessoas mas que devido à gravidade dos ferimentos de alguns das dezenas de feridos ainda pode aumentar. Hoje em Brumadinho, Minas Gerais rompimento de barragem de resíduos de mineração e os até agora 9 mortos tendem a chegar as dezenas pois não se esperam encontrar com vida a maioria dos cerca 400 desaparecidos, sem contar os gigantescos danos ambientais.

Certamente tragédias que nos chocam não só pelas tantas vidas perdidas mas também por se tratarem de eventos que poderiam ter sido evitados. Ademais, eventos que tem responsáveis, quer seja as empresas que exploram essas atividades produtivas, quer seja os governos e toda sua responsabilidade para fiscalizar e impedir que acontecessem.

Difícil para mim, hoje olhar para tudo isso e além de me sensibilizar com a dor e o sofrimento de todas essas pessoas não trazer isso para nossa realidade. Hoje, na posição de diretor da Federação Única dos Petroleiros e responsável pela Secretaria de Saúde, Segurança e Meio Ambiente tenho a difícil tarefa de coordenar os esforços dos diversos representantes dos sindicatos na luta diária por segurança dentro das unidades industriais da Petrobras.

E para que se possa ter ideia do tamanho desse desafio cabe lembrar que a indústria do petróleo é uma das mais periculosas e de maior potencial para gerar grandes tragédias. Uma rápida busca por eventos de maior expressão, além dos já citados, ocorridas esse ano vai trazer produtos inflamáveis e ou explosivos como seus principais causadores quer seja no incêndio na Guatemala que vitimou 16 pessoas ou na explosão em Paris, França que ceifou mais 3 vidas.

E quando nos referimos a petrolífera brasileira temos que saber que desde de 1995 são mais de 360 mortos no trabalho e milhares de feridos em incontáveis acidentes e outras consequências. Esses números absurdos e inaceitáveis tem crescido apesar de todos os esforços envidados para cessar esse processo de “moer gente”, tantas vezes denunciados por nossas entidades e exaustivamente levados a tratamento junto a gestão da Petrobras.

No período mais recente o que mais nos tem afligido é um “sistema de consequências” que por mais que a Gerencia Executiva se desdobre em mesa de negociação para defender como balizador de uma política de segurança tem sido usado por gerencias locais em unidades industrias de norte a sul, de leste a oeste do país como forma de coerção dos trabalhadores e em última instancia tem sido motivação para punições desmedidas e subnotificações sistemáticas.

Subnotificações essas que na maioria das vezes fazem desaparecer dos registros e consequentemente do processo de análise e controle os quase-acidentes e os acidentes sem vítimas base da pirâmide que qualquer sistema robusto de segurança tem de ter conhecimento para que se possa tratar suas causas básicas.

Não bastasse esse cenário relativo as opções da gestão de SMS do último período deparamo-nos com fatores que o agravam exponencialmente. Primeiro a redução drástica e mal gerida dos investimentos em de manutenção, da mesma forma redução drástica de efetivo e pior, sendo grande parte de trabalhadores com maior experiência, fundamentais quando se fala em segurança em indústria com grau elevado de complexidade. Em segundo o fantasma da privatização que paralisa os processos mais simples e deixam os trabalhadores em estado de tensão e estresse continuo pois além dos riscos normais a atividade são confrontado com a insegurança quanto ao futuro profissional.

E quando olhamos para esse panorama com o conhecimento que a história, e nesse caso a parte mais cruel de um passado recente, nos traz é inevitável que paire no ar não só as condições necessárias mas o risco real de um grande acidente, em proporções de danos as instalações e meio-ambiente, e na pior condição de letalidade.

Nesse sentido, cabe-nos importantes e urgentes colocações:

1- Todos os trabalhadores próprios e terceirizados tem que buscar unidade em torno do tema segurança. Levar as representações sindicais todas as mazelas que têm sofrido e buscar respaldar o necessário enfrentamento. Além de consubstanciar as denúncias aos órgãos fiscalizatórios e as negociações com a gestão das empresas.

2- A nova gestão da Petrobras precisa tomar ciência de todos os problemas vivenciados e principalmente das denúncias sobre o tema que só fazem aumentar em todos os sindicatos que compõe a federação. E de posse desse quadro retorne a mesa para que a construção de um projeto de segurança com efetiva participação dos trabalhadores se inicie.

3- Não é mais aceitável que algumas “mentes iluminadas” em prédios administrativos construam regras e procedimentos e submetam um dos corpos técnicos mais qualificados do país a cumprir “ordens” muitas vezes sem qualquer respaldo técnico ou razoabilidade na sua aplicação. Nesse mesmo sentido, que esses trabalhadores não tenham a devida segurança com relação ao futuro das instalações que operam e de seus empregos.

4- É essencial que essa discussão se expanda as diversas entidades que representam a totalidade dos trabalhadores que atuam em condição de periculosidade. Também que sejam trazidos os órgão de fiscalização e defesa da saúde dos trabalhadores e meio ambiente a participar. Não obstante, que as populações que circunvizinham e suas representações legais sejam devidamente envolvidas.

5- Por fim, todas as tragédias citadas antigas ou mais novas, de menor ou maior proporção carregam algumas características em comum, sendo que a principal é a evitabilidade. E em mais um momento que o Brasil se coloca em evidencia no mundo por outro desastre, nós que trabalhamos com o tema saúde e segurança precisamos trabalhar ainda mais, de maneira ainda mais coesa e de forma preventiva para que nenhuma outra vida encontre seu fim por falhas que poderiam ter sido impedidas.

* Secretário de Saúde, Segurança e Meio Ambiente da FUP. Secretário de Saúde, Segurança e Meio Ambiente do SINDIPETRO PR/SC. Membro da bancada dos trabalhadores da Comissão de Certificação do IBP. Técnico de Inspeção de Equipamentos e Instalações Mecânicas na Petrobras. Engenheiro Mecânico e bacharelando em Direito.

 

[Publicado originalmente pela FUP]