Da Assessoria do STF – O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento, na sessão desta quarta-feira (5), do referendo na liminar deferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5624, ajuizada contra a Lei das Estatais (Lei 13.303/2016), que trata, entre outros pontos, da venda de ativos das sociedades de economia mista. Votaram, até o momento, os ministros Ricardo Lewandowski (relator) e Edson Fachin, no sentido da manutenção da cautelar parcialmente concedida em junho de 2018, e os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, que negaram o referendo. O julgamento será retomado na sessão desta quinta-feira (6) com o voto da ministra Rosa Weber.
A ADI 5624 foi ajuizada pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenaee) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf/CUT) para questionar a Lei das Estatais. As entidades argumentam que a norma inseriu no ordenamento jurídico dispositivos que estabelecem limitações e obrigações e restringem a capacidade de gestão dos respectivos Poderes Executivos. Também estão sendo julgadas, em conjunto, as liminares nas ADIs 5846, 5924 e 6029, todas de relatoria do ministro Lewandowski. Na sessão da última quinta-feira foi feita a leitura do relatório e ouvidas as sustentações orais.
Em sua decisão cautelar de junho de 2018, o relator frisou que artigo 29, caput, inciso XVIII, da Lei 13.303/2016 deve ser interpretado conforme a Constituição no sentido de afirmar que a venda de ações de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas exige prévia autorização legislativa, sempre que se cuide de alienar o controle acionário, e deve ser conduzida por meio de licitação pública. Para o ministro, a dispensa de licitação só pode ser aplicada à venda de ações que não importem a perda de controle acionário de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas.
Em seu voto referendando a liminar concedida, o relator lembrou que para o Estado passar a atuar em determinada atividade econômica, o que pode ocorrer somente em situações excepcionais, a Constituição prevê a necessidade de edição de lei, ou seja, de autorização do Parlamento. Da mesma forma, para que o Estado se retire de determinada atividade econômica, também há necessidade de aquiescência do Poder Legislativo, explicou o ministro.
Lewandowski explicou que a alienação do controle acionário é uma forma clássica de privatização, e revelou que a jurisprudência do STF aponta no sentido de ser indispensável a edição de lei para transferência de controle acionário quando há perda desse controle por parte do Estado. Ele lembrou que durante a execução do Programa Nacional de Desestatização nos anos 90, o STF já afirmava haver a necessidade de autorização legislativa para alienação do controle acionário.
Para o ministro, a venda direta que permite a perda do controle acionário de empresa estatal sem concorrência pública pode atentar contra Constituição Federal, que diz que todas as alienações devem se dar mediante processo de licitação pública, com igualdade de condições entre os concorrentes. Em seu voto, assenta que a venda de ações exige autorização legislativa e prévia licitação pública, que só pode ser dispensada quando não importar perda do controle acionário.
Ministro Edson Fachin
O ministro Edson Fachin acompanhou integralmente o relator. Ele disse que a Constituição Federal e um conjunto de precedentes do Supremo indicam a necessidade de autorização legislativa para alienação de controle acionário de empresas públicas e sociedades de economia mista. Nesse sentido, o ministro citou as decisões nos julgamentos nas ADI 234, 562, 1703 e 1649, situações em que a Corte assentou necessidade de lei formal específica.
Quanto à necessidade ou não de realização de licitação pública para alienação, o ministro Fachin disse entender que o artigo 29 da Lei 13.303/2016 não revogou o Programa de Desestatização de Ativos da União, previsto na Lei 9.491/1997, que em seu artigo 2º, parágrafo 4º, prevê a necessidade de licitação, permitindo apenas que a outorga ou transferência da concessão do serviço a ser desestatizado seja realizada na modalidade de leilão.
Da mesma forma, ressaltou Fachin, a Constituição Federal prevê, em seu artigo 37, inciso XXI, a necessidade de processo de licitação pública por parte da administração pública, ressalvados os casos especificados na legislação. E a Lei 9.491/1997, que não foi afastada pela Lei 13.303/2019, não faz ressalva quanto à licitação.
Ministro Alexandre de Moraes
Ao divergir do relator, o ministro Alexandre de Moraes entende que não há necessidade de edição de lei específica para alienação de subsidiárias de empresas públicas. Se a empresa pública não puder contar com instrumentos de gestão empresarial, deixa de ser competitiva, salientou o ministro, que deu como exemplo a Petrobras. Segundo o ministro Alexandre, o artigo 64 da Lei 9.478/1997 prevê que, para o estrito cumprimento de atividades de seu objeto social que integrem a indústria do petróleo, a Petrobras pode criar subsidiárias.
A lei de criação da empresa principal pode prever a possibilidade de criação de subsidiárias ou controladas. Contudo, ressaltou, não se pode exigir que haja autorização legislativa para criação de cada subsidiária. Atuando como empresário, o Estado pode criar ou fundir subsidiária e vender todas as suas ações, de acordo com as regras de mercado do direito privado. Segundo seu entendimento, o que o Estado não pode é perder o controle acionário da empresa-mãe, porque na hipótese estará caracterizada a privatização, que exige lei específica.
Já no tocante à dispensa de licitação prevista na Lei 13.303, o ministro disse que quem deve regular como funciona o processo de licitação das estatais, conforme a Constituição Federal, é o estatuto jurídico das empresas públicas, respeitados os princípios que regem a administração pública. Nesse ponto, o ministro lembrou que mesmo que estabeleça situação de dispensa de licitação, o Decreto 9.188/2017, que regulamenta a Lei 13.303/2016, exigiu a necessidade de procedimento próprio, composto de diversas fases, para evitar favorecimentos ou direcionamentos e prejuízos à administração. Esse procedimento, explicou o ministro, permite à empresa pública uma agilidade empresarial para conseguir melhores negócios para manutenção, com saúde empresarial, da empresa-mãe.
Ao negar referendo à liminar, o ministro entendeu que não é exigível autorização legislativa específica para venda de ações de subsidiárias ou controladas, mas apenas nos casos de alienação de controle acionário da empresa-mãe, e que a dispensa de licitação pública, prevista na lei questionada, está de acordo com a Constituição.
Ministro Luís Roberto Barroso
Ao também divergir do relator, o ministro Luís Roberto Barroso frisou que o inciso XIX do artigo 37 da Constituição diz que somente por lei pode ser criada autarquia e autorizada criação de empresa pública. Já o inciso XX diz que depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiária. De acordo com Barroso, a Constituição nada diz sobre extinção ou alienação de controle. Segundo seu entendimento, a Constituição Federal não exige autorização legislativa para a alienação, mesmo que corresponda à perda do controle acionário.
Quanto à legitimidade da dispensa de licitação, prevista na Lei 13.303, o ministro salientou que a Constituição Federal diz que a administração pública deve atuar sempre por meio de licitação, ressalvados casos especificados na legislação. E, segundo Barroso, a lei questionada traz exatamente essa ressalva, em seu artigo 29. Além disso, ele entende que não se trata de dispensa de licitação, mas apenas de dispensa dos procedimentos previstos na Lei 8.666/1993.
O ministro concluiu que a alienação do controle acionário de subsidiárias de empresas públicas não exige autorização legislativa, e que essas operações podem ser realizadas com dispensa de licitação, desde que o procedimento permita competitividade entre os interessados.