Petrobras está mais vulnerável ao cenário externo

Por Rodrigo Leão

No início de dezembro, a Petrobras divulgou seu Plano de Negócio de Gestão (PNG) para o quadriênio 2020-2024, confirmando a mudança estrutural na estatal que começou em 2015. Até aquele ano, a companhia combinava uma expansão da produção e a capacidade refino, com a entrada agressiva em novos segmentos de energia, como biocombustíveis e petroquímica. No PNG 2013-2017, por exemplo, a empresa pretendia investir cerca de US$ 13 bilhões nas áreas de gás, energia e biocombustíveis (pouco mais de 5% do investimento planejado).

Os desafios financeiros de curto prazo associados à mudança de visão estratégica de longo prazo e à queda estrutural dos preços do petróleo alteraram radicalmente os PNGs da Petrobras. Além da redução significativa do volume de investimentos (US$ 236,7 bilhões para US$ 74,5 bilhões entre os PNGs de 2013-2017 e de 2018-2022), a mudança mais relevante foi o redirecionamento estratégico da empresa: o enfoque quase exclusivo na exploração e produção do pré-sal. Esse redirecionamento se materializou em um vigoroso programa de desinvestimentos em diversas áreas (refino, biocombustíveis, gás e energia, campos de produção terrestres e águas rasas), otimização de custos internos e na adoção de uma política de preços alinhada com a evolução do barril do petróleo.

Tal estratégia, ancorada nos êxitos da descoberta do pré-sal, trouxe uma redução do endividamento e melhora dos níveis de produtividade do E&P, por um lado, mas resultou na volatilidade de preços e no aumento da dependência da Petrobras às variáveis do mercado externo (como preços e demanda), por outro. Isso fez com que a estatal brasileira fizesse uma revisão, ainda que parcial, do seu PNG no ano passado (2019-2023). Apesar de sinalizar a saída de 40% do mercado de abastecimento brasileiro, a Petrobras retomou timidamente os investimentos em energia renovável (entrada no segmento de energia eólica offshore e participação nos leilões de energia solar) e a atuação no segmento petroquímico. Ao todo, os investimentos planejados no PNG 2019-2023 cresceram US$ 10 bilhões em relação ao ano anterior (PNG 2018-2022).

Se essa revisão do PNG 2019-2023 poderia indicar um novo posicionamento estratégico da Petrobras, o PNG 2020-2024, divulgado em dezembro de 2019, sepulta tal  possibilidade. De forma geral, a estratégia da Petrobras está ainda mais concentrada no desenvolvimento da produção do pré-sal, com uma menor participação em outras áreas de atuação. Isso significa evidentemente uma nova retração de investimentos de US$ 8,4 bilhões (sai de US$ 84,1 bilhões para US$ 75,7 bilhões).

Na área de exploração e produção, a estratégia da companhia está centrada no pré-sal. A expectativa é que a produção alcance 3,5 milhões de barris por dia em 2024, sendo 66% concentrados no pré-sal. Cabe ressaltar que esse resultado somente ocorrerá se for cumprido o cronograma de entrada das dez plataformas (Atapu, Mero 1, Sepia, Marlim 1, Búzios 5, Lula FR, Parque das Baleias, Mero 2, Marlim 2, Búzios 6, Mero 3, SEAP e Itapu) entre 2020 e 2024. Tais plataformas, somadas aos demais bens e serviços para o desenvolvimento da produção do pré-sal, equivalem a um investimento de cerca de US$ 30,7 bilhões, o que representa praticamente metade do total planejado para o quinquênio.

Já os dispêndios planejados no desenvolvimento da produção do pós-sal diminuem 9,7%, caindo de US$ 21,2 bilhões para US$ 19,2 bilhões. Além disso, no próximo quinquênio a Petrobras não esclarece se haverá investimentos em aquisições de novas áreas de exploração, o que pode indicar menor participação da estatal em novos leilões de petróleo nos próximos anos. Esse aspecto sinaliza que a reposição de reservas nos próximos anos ficará cada mais dependente de áreas do pré-sal já adquiridas pela Petrobras.

Essas mudanças não alteram a visão estratégica da Petrobras para o setor de E&P, que tem se concentrado no polígono do pré-sal em função dos excelentes resultados observados nessa fronteira exploratória.

A transformação mais radical ocorre na atuação dos demais segmentos (refino, comercialização, renováveis e petroquímica), inclusive em comparação com o último PNG da empresa.

O Quadro 1 resume as diferenças entre os PNGs 2020-2024 2019-2023 nos segmentos de refino, transporte, comercialização, petroquímica e renováveis.

Em primeiro lugar, há uma queda de 42,5% no volume de investimentos planejados, saindo de US$ 13,9 bilhões, no PNG 2019-2023, para US$ 8,0 bilhões, no PNG 2020-2024. Tal redução decorre do cancelamento dos projetos expansão da capacidade de refino (RNEST e Comperj) e pela não inclusão de investimentos previstos anteriormente na infraestrutura do gás natural (UTG Sergipe, por exemplo). As obras do Comperj já estão canceladas e um futuro investimento na RNEST – que está na lista das refinarias colocadas à venda – dependerá do seu futuro comprador. No setor de gás natural, a Petrobras também tem informado continuamente o seu desinteresse estratégico na atuação no segmento de logística e distribuição.

Como mostra o Quadro 1, somente em novos projetos e no Gás e Energia, a redução dos investimentos é de aproximadamente US$ 5 bilhões.

Ademais, o destino final da produção de petróleo ficará mais dependente do mercado externo. Pelas informações do PNG 2020-2024, com a estimativa de produção de 3,5 milhões de barris por dia e um parque de refino de 1,2 milhão de barris  por dia, mais de 2 milhões de barris produzidos diariamente serão necessariamente exportados em 2024. E, sem a conclusão das obras da RNEST e do Comperj, o mercado interno ficará ainda mais refém das importações de derivados, uma vez que a capacidade de processamento de petróleo ficará estacionada em 2,4 milhões de barris por dia.

A ANP estima que a demanda por combustíveis deveria chegar a 2,8 milhões de barris por dia em 2027 – exatamente a capacidade do parque de refino planejada no PNG 2019-2023 – com a conclusão das obras da RNEST e do Comperj.

Quadro 1 – Investimentos planejados da Petrobras para as áreas de refino, transporte, comercialização, gás e energia, petroquímica e renováveis nos PNG 2019-2023 e PNG 2020-2024

Fonte: PNG 2019-2023; PNG 2020-2024; Valor Econômico. Elaboração Ineep

Siglas: RTC&PQ (Refino, Transporte, Comercialização e Petroquímica) e G&E (Gás e Energia)* Considera a conclusão do segundo trem da RNEST e a conclusão do Comperj** Considera o aumento da capacidade do segundo trem da RNEST (160 mil barris por dia), o aumento da capacidade de tratamento para produção de diesel S-10 (98 mil barris por dia) e o Comperj (165 mil barris por dia)*** Considera a capacidade da Petrobras após as vendas das refinarias e, no caso do PNG 2019-2023, acrescenta a expansão do parque de refino após a conclusão o Comperj e do segundo trem da RNEST

Em segundo lugar, observa-se também a saída da Petrobras do setor petroquímico e uma retração da sua posição de investimento no segmento de renováveis. No PNG 2019-2023, a estatal pretendia, ainda que timidamente, iniciar suas operações no segmento de eólica offshore, a partir das promissoras perspectivas existentes no Nordeste, participar de leilões de energia solar, entre outras iniciativas.

No PNG 2020-2024, tais empreendimentos operacionais são abandonados, e a empresa limita sua atuação a atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) sobre descarbonização e renováveis. A mudança nessas duas frentes representa queda de investimentos da ordem de US$ 650 milhões. Os investimentos de US$ 70 milhões planejados pela Petrobras significam cerca 0,11% do total planejado pela empresa para o período 2020-2024.

Essa postura de saída parcial do setor de refino combinada com menores investimentos no segmento de renováveis é um tanto atípica quando observadas as grandes operadoras de petróleo no mundo.

Pelo lado das grandes petrolíferas de países em desenvolvimento, nota-se um aumento do parque de refino visando diminuir a dependência dos derivados do exterior. A China, por exemplo, na década de 2010 ampliou em mais de 3 milhões de barris por dia a sua capacidade interna de refino, em grande medida, em razão dos investimentos realizados pelas suas grandes operadoras. A Sinopec, por exemplo, está realizando a construção de mais uma refinaria – com capacidade de 200 mil barris por dia – no sul do país, em Zhanjiang.

Já as grandes petrolíferas europeias, embora diminuído seu parque de refino, em contrapartida têm investido de forma agressiva no segmento de renováveis. A francesa Total, segundo estudo da Carbon Disclosure Project (CDP) coordenador por Luke Fletcher, destinou quase 5% dos seus investimentos para o segmento de renováveis, entre 2010 e 2018, principalmente em energia solar. A estratégia de longo prazo dessas companhias é migrar a oferta e a demanda energética dos combustíveis fósseis para os renováveis.

A Petrobras tem seguido um caminho diferente. O foco da empresa é exclusivamente desenvolver as reservas já adquiridas pelo pré-sal e direcionar essa produção para o mercado externo, tornando a empresa mais vulnerável às mudanças globais de demanda e preço do petróleo. Uma aposta de alto risco que não é realizada por outros players do setor, a não aqueles que não têm alternativas.

Rodrigo Leão é mestre em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP) e pesquisador-visitante do NEC da Universid