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EDITORIAL
As marcas da indiferença
O modo como o Brasil banalizou as mortes pela Covid-19 precisa ser visto com olhos no retrovisor e, também, voltados para adiante. Nossa trajetória histórica de escravidão, violência e aporofobia (horror aos pobres) explica o anestesiamento do brasileiro médio diante do genocídio bolsonarista.
Neste sentido, nossa realidade se parece com a dos Estados Unidos, outro país extremamente violento, acostumado a banalizar a morte. O trágico, no entanto, é o quanto isso reforça a construção de um porvir igualmente negligente com a vida, o que acaba por referenciar políticas públicas, escolhas eleitorais e a opinião pública. As marcas da indiferença estarão entre nós ainda por muitas décadas.
Mata-se muito no Brasil. De acordo com estudo do Instituto Igarapé, divulgado em 2018 com dados de 2017, o país ocupa a 13ª posição no mundo no ranking dos países com maior número de homicídios, com média de 27,8 casos por 100 mil habitantes. E quase ninguém é punido por isso: outro levantamento, do Instituto Sou da Paz, mostra que 70% dos homicídios não resultam em punições para os acusados.
Também morre-se muito por causas evitáveis no Brasil. Vítimas de acidentes de trânsito a doenças simples que poderiam ser prevenidas com informação e condições salubres — algumas delas que retornaram recentemente após serem erradicadas —, caímos aos milhares todos os dias feito moscas sob ataque de inseticida.
Soma-se a isso a grande atmosfera mística da América Latina, profícua em discursos religiosos para justificar a partida e construir cenários de conforto no pós-morte — “Deus sabe o que faz”, “Era a sua hora” —, uma espécie de escudo para enfrentar a dor de um dia a dia de perdas.
Mas, assim como as doenças e a violência policial, as vidas que valem menos têm CEP. São os pobres os descartáveis, os substituíveis, o excedente a ser administrado. E a própria população, maltratada, acaba por construir narrativas que minimizam esse desastre cotidiano. Não é por acaso que o discurso de sujeição encarnado por Bolsonaro, um algoz, encontrou eco entre os próprios vitimados.
Será portanto um trabalho de muitas gerações a construção de bases éticas mais sólidas que valorizem a vida, qualquer vida, incorporando-a a uma dimensão coletiva de preservação e bem estar, como um direito civilizatório de todos e de todas. Por enquanto, o governo e nossas elites atuam em direção contrária. Como sempre, nos caberá remar contra a maré.
ESPAÇO ABERTO
Rastro de desemprego*
Aroaldo Oliveira da Silva, Paulo Cayres e Miguel Torres**
O anúncio de fechamento de todas as fábricas da Ford no Brasil (a planta de SBC já havia sido fechada, em 2019) confirma as piores previsões e avisos do movimento sindical sobre os rumos da economia nacional.
Novamente de forma unilateral, a Ford informa que irá encerrar suas atividades no país, com o fechamento das plantas de Camaçari-BA, Taubaté-SP e Horizonte-CE. A ação da empresa global é consequência da completa ausência de um projeto de retomada da economia brasileira, que contemple a reindustrialização do país.
O governo despreparado e inepto de Bolsonaro e Guedes finge ignorar a importância da indústria como motor do desenvolvimento nacional, não apresenta qualquer estratégia para a atuação da indústria no Brasil e condena o país a uma rota de desindustrialização e desinvesti-mento, como vínhamos alertando há tempos. Não só alertamos como fizemos propostas, como o Inovar-Auto.
É incontestável a desconfiança interna e internacional e o descrédito quanto aos rumos da economia brasileira com este governo que aí está; não se toma uma decisão empresarial como essa sem considerar a total incapacidade do governo Bolsonaro.
No momento em que a indústria automobilística global passa por uma das mais intensas ondas de transformação, orientada pela eletrificação e pela conectividade, assistimos à criminosa omissão, e até boicote do subserviente governo brasileiro à indústria, com consequências nefastas para a classe trabalhadora, ante um presidente incapaz de conduzir qualquer diálogo sobre a inserção do país no cenário que se configura rapidamente.
A Ford “foge” do Brasil deixando um rastro de desemprego e desamparo, após ter se valido durante muitos anos de benefícios e isenções tributárias dos regimes automotivos vigentes desde 2001, e que definiram a instalação da empresa em Camaçari, bem como a permanência das suas atividades no Ceará.
*Trecho de nota conjunta publicada no site da FUP, em is.gd/eanascente1172, sob o título “Ford foge do Brasil e de Bolsonaro e deixa rastro de desemprego”. ** Respectivamente, presidente da IndustriAll Brasil, presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT e presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos da Força Sindical.
GERAL
NF alerta para risco de nova tragédia com terceirização da operação de lastro
O Sindipetro-NF foi informado nesta semana, pelos trabalhadores, que gerentes estão comunicando aos empregados que a área de operação de lastro passará a ser terceirizada pela Petrobrás. A entidade avalia como gravíssima mais essa decisão da gestão bolsonarista da companhia, que desconhece os reais processos e os riscos envolvidos. Essa mudança, se confirmada, iria até mesmo contrariar relatório da própria empresa sobre o acidente com a P-36, que identificou a atividade como crucial para a segurança das pessoas e das instalações.
O documento que trouxe os resultados da investigação da tragédia destacou, em uma das recomendações, que era necessário “investir na capacitação técnica da atividade de controle de estabilidade e lastro, promovendo treinamentos de reciclagem, de controle de emergência e específicos para cada unidade”, o que vai no sentido oposto do pretendido agora pela empresa.
O sindicato alerta que a terceirização do setor vai aumentar a chance de uma nova tragédia, uma vez que reduz a experiência que cada trabalhador terá sobre a unidade em que atua, em razão da alta rotatividade nas prestadoras de serviço. Um trabalhador ouvido pelo Nascente, sob condição de anonimato, destacou justamente esse aspecto: “Em matéria de segurança, que é nosso foco principal, isso aí é péssimo. A função do técnico de estabilidade, ou do operador de lastro, é bem específica, de liberação de guindastes, que é algo bem problemático na Bacia e em toda a Petrobrás devido aos acidentes. A gente libera a PT [Permissão de Trabalho] de guindaste, de tanque, de carga e cada unidade tem a sua particularidade. Quando você terceiriza, começa a ter uma rotatividade muito alta de contratatados e isso vai prejudicar bastante o andamento dos trabalhos e impactar a segurança”, disse.
Outro operador de lastro ouvido pelo boletim foi ex-coordenador geral do Sindipetro-NF, Marcos Breda, que também condena a decisão da empresa. “A questão é que a atividade de lastro é muito sensível e qualquer erro pode causar acidentes ampliados com perda de vidas e também de patrimônio. Não é que os contratados não teriam competência, mas o controle e a qualificação é menor na terceirização. Aliás a terceirização é sinônimo de precarização e, no caso do lastro, por causa dessa capacidade de grandes acidentes, é muito preocupante”, afirmou.
Breda, que se aposentou na função em 2016, vivenciou como empregado da empresa a tragédia da P-36, em 2001, e lembra do papel dos operadores de lastro em casos como aquele: “os operadores são os profissionais que primeiro atuam em acidentes assim, e qualquer erro de atuação pode agravar muito o acidente. Conhecer bem a unidade, saber seus recursos e a localização exata de cada compartimento, seus limites e como agir são cruciais nos minutos seguintes a um grande alagamento”.
O Sindipetro-NF cobra da Petrobrás esclarecimentos sobre este anúncio, assim como a reversão de qualquer intenção de terceirização do setor. A entidade também vai dialogar com a categoria sobre formas de reação e mobilização contra mais este ataque da empresa à segurança no trabalho.
AMS: NF conquista liminar para garantir direitos
A Justiça do Trabalho deferiu na última segunda, 11, liminar em ação movida pelo Sindipetro-NF para manter os direitos dos petroleiros e das petroleiras na AMS (Assistência Multidisciplinar à Saúde). A decisão abrange os filiados e filiadas do sindicato e seus dependentes.
Os direitos dos empregados da Petrobrás e da Transpetro à AMS são fixados pelos ACTs (Acordos Coletivos de Trabalho), construídos nas lutas de cada trabalhadora e trabalhador nas campanhas reivindicatórias. Como explicou o assessor jurídico do NF, Normando Rodrigues, na edição anterior do Nascente, “a gestão da AMS é das empresas – plano autogerido – e os direitos de empregados, aposentados, pensionistas e dependentes, são garantidos pelo acordo coletivo de trabalho. Ao querer passar a gestão da AMS para a Associação, o Sistema Petrobrás pretende passar o custo da administração para os trabalhadores, e condicionador o direito à AMS, de todos, à adesão à tal APS”.
Estes direitos, portanto, passaram a ser ameaçados pela criação da APS (Associação Petrobrás Saúde), imposta unilateralmente pelas empresas — o que motivou o ingresso de ação judicial pelo NF. Com a liminar, os filiados do Sindipetro-NF têm a garantia do previsto nos ACTs, da seguinte forma: “…determinar que as rés [Petrobrás e Transpetro] se abstenham de modificar o atual rol de beneficiários e/ou condições para o ingresso de novos beneficiários do programa de Assistência Multidis-ciplinar de Saúde – AMS, mantendo, por ora, os direitos negociados coletivamente”.
O Departamento Jurídico do sindicato explica que, com esta decisão, ninguém precisará se “associar” à APS, para manter seus direitos, como a Petrobrás pretende. A entidade lembra ainda que os atuais acordos coletivos foram conquistados até 31 de agosto de 2022.
O Sindipetro-NF reforça a importância desta conquista na luta contra o desmanche da Petrobrás e dos direitos da categoria petroleira.
Política do fato consumado
As empresas atuam como se não houvesse nenhum obstáculo para a criação da APS, tendo inclusive divulgado no site da AMS a criação da logomarca da APS e os integrantes da diretoria da nova associação.
Ações solidárias marcaram 2020
O Sindipetro-NF precisou intensificar, em 2020, ações solidárias em razão da pandemia e da crise econômica. A entidade, que tem longa atuação nas lutas por políticas públicas permanentes e em defesa de um modelo econômico que priorize a justiça social, também se viu na necessidade de contribuir de modo mais emergencial. “Como nos ensinou o Betinho, quem tem fome tem pressa”, disse o coordenador geral do sindicato, Tezeu Bezerra, lembrando o criador da Ação Solidária da Cidadania, o sociólogo Herbert de Souza.
Em Campos dos Goytacazes, a entidade disponibilizou para venda, na Praça do bairro do IPS, 250 botijões de gás ao preço de R$ 40,00 cada. Na época, o preço cobrado pelas distribuidoras variava entre R$ 70,00 e R$ 80,00. Em Macaé, a ação foi de doação de um voucher de R$ 20,00 para motorista ou motociclista para abastecer seu veículo, em um posto BR no bairro da Aroeira. A entidade demonstrou que, de acordo com estudo do Dieese, cada pessoa que colocasse R$ 50,00 de combustível deveria pagar apenas R$30,00 se a Petrobrás mudasse sua política de preços. No município, o preço médio de gasolina na época estava em R$ 5,19 o litro.
Alimentos e kits de higiene
O sindicato fez ainda doações de 1.850 cestas básicas de 17 kg de alimentos em comunidades em situação de vulnerabilidade social. Foram aproximadamente 31,4 toneladas transportadas em carros da entidade ou particulares, e entregues por dezenas de braços e mãos solidárias em Campos, Macaé e Rio. As famílias que recebiam as doações eram identificadas por associações locais, lideranças, movimentos sociais ou religiosos como sendo aquelas que passavam por dificuldades sérias em razão da crise econômica e sanitária.
Outra frente de ação solidária do NF foi a parceria firmada com o Instituto Federal Fluminense (IFF) para produção de sabonete líquido também para população em vulnerabilidade social. O Instituto produziu 3 mil frascos de 500ml e o sindicato entrou na parceria fornecendo os insumos e se responsabilizando pela distribuição — incluindo o sabonete em kits com outros produtos de higiene.
Saiba mais sobre as ações solidárias do NF em is.gd/solidariedadenf2020.
CURTAS
Curso pandêmico
O Sindipetro-NF tem recebido nos últimos dias denúncias da categoria de que a Petrobrás insiste em submeter trabalhadores a treinamentos presenciais em meio à pandemia da Covid-19. Os cursos exigidos pela Marinha tiveram a validade estendida por um ano, mas mesmo assim a companhia continua a colocar os petroleiros e petroleiras em risco nestas turmas. O NF cobrou da Petrobrás a suspensão destes cursos e denunciou o comportamento da companhia ao MPT.
Frequência
O sindicato continua a receber relatos de petroleiros e petroleiras sobre erros no registro de frequência, como alertado na edição passada do Nascente. Isso afeta o pagamento das horas extras, assim como pode refletir em descontos no salário da categoria. A entidade mantém o chamado para que cada trabalhador ou trabalhadora que estiver com este problema informe a sua situação por [email protected].
Covid em Imbetiba
As denúncias de contaminação pelo novo coronavírus em bases da Petrobrás na região não param de chegar ao sindicato. Ontem, a entidade foi informada pela categoria de que, somente na primeira semana de janeiro, quatro trabalhadores da Sala de Controle Remoto, em Imbetiba, foram contaminados. Outros dois apresentaram sintomas. O NF não teve ainda informações sobre resultados dos testes. Nenhum deles havia passado por testagem antes entrar no trabalho.
Saída da Ford
A CUT divulgou nota com repúdio veemente à política econômica do governo Bolsonaro, que provoca o fechamento de empresas como a Ford, anunciado nesta semana. “Ficam cada dia mais nítidos os verdadeiros objetivos econômicos de Bolsonaro e sua corja: limitar o país à exportação de commodities e delapidar o Estado brasileiro […]. A destruição do Brasil como nação é o plano”, protestou a Central.
APOSENTADOS Aposentados e pensionistas filiados ao Sindipetro-NF participaram na tarde de ontem de reunião setorial para discutir a situação da AMS. A categoria manifestou grande preocupação com as mudanças unilaterais anunciadas pela Petrobrás e pela Transpetro. Na semana passada, o Sindipetro-NF ingressou com ação judicial contra a criação de uma associação para gerenciar a AMS, a APS (Associação Petrobras Saúde), como querem a Petrobrás e a Transpetro. Nesta semana, a entidade conquistou decisão liminar favorável na ação.
NORMANDO
Pornografia
Normando Rodrigues*
Foi-se o tempo em que o irracionalismo, a falta de civilidade, o preconceito, e o próprio fascismo – dotado de todas estas qualidades – geravam vergonha.
A sociedade da informação transformou a fofoca em entretenimento, e junto com os “espetáculos de realidade” do tipo “Big Brother”, colocou na crista da onda cultural a celebração da ignorância.
Agora as pessoas têm orgulho de ser contra a vacina, de achar que a terra é plana, e de acreditar que “pobre tem que aceitar”.
Medo dos pobres
Sempre houve quem dissesse que lugar de pobre é favela. A novidade é que os novos líderes do fascismo, como Trump e Bolsonaro, o dizem sem pudor algum.
Mas, apesar de TV e Internet, a adesão dos pobres ao próprio extermínio não é garantida. Eles podem se mobilizar e mudar o destino que o fascismo lhes reserva.
Então é preciso disseminar uma outra estupidez. Trump e Bolsonaro se elegeram com o discurso contraditório de que a força, a ação, as armas, é que são a solução, e não o diálogo, o consenso, a política.
Golpe ao vivo
Trump e Bolsonaro anunciam pornograficamente seus golpes de estado, sem medo de qualquer reação negativa por parte de uma sociedade estupidificada.
Trump não apenas agendou a invasão do parlamento americano pela horda de imbecis e desajustados que se viu, como construiu a ação em redes sociais. E esperava realmente a vitória da violência sobre os votos.
Certo de que sairia nos braços do “povo” após coagir o parlamento, Trump montou uma “sala de guerra” paralela, onde acompanhou o golpe ao vivo, ao som de disco music brega, com direito a champanhe e dancinhas.
Golpe com dia “D” agendado
Entre nós, o pornográfico Bolsonaro anunciou que tentará golpe de estado se as urnas não o favorecerem em 2022. E pouquíssimas autoridades fizeram mais do que uma linha de repúdio.
Muito mais grave é o fato de Bolsonaro já criar a estrutura miliciana necessária ao golpe. Em abril de 2020 ele revogou portarias, reduzindo o controle sobre armas e munições, o que favoreceu o arsenal das milícias.
As milícias já controlam 57% do território da região metropolitana do Rio, determinam as nomeações dos comandantes de unidades da PM, e têm representações em prefeituras e parlamentos municipais, estaduais e federal.
A espada
Agora Bolsonaro impulsiona projeto de lei para dar autonomia às PMs, ante governos estaduais. A milícia bolsonarista estará ainda mais livre para agir.
E nem precisará usar chifres.
* Assessor jurídico do Sindipetro-NF e da FUP.
[email protected]
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