Nascente 1181

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EDITORIAL

De trinta a trezentas

Bolsonaro disse certa vez, com a sua psicopatia peculiar, que a Ditadura Militar brasileira matou pouca gente, devia ter matado “uns 30 mil” — disse isso numa entrevista à TV Bandeirantes, em 1999, quando ainda era deputado federal e desde então não escondia a sua obsessão pela morte (que nem pode ser chamada de pulsão de morte, uma vez que esse conceito freudiano se aplica ao desejo da própria morte, o que não parece ser o caso).

Agora ele multiplica o feito por 10, com o seu comportamento genocida. O Brasil ultrapassa nesta semana 300 mil mortes causadas pela covid-19. Nada mal para um capitão com ficha suja no Exército e registros nada abonadores sobre seu comportamento. Produziu mais mortos do que todos os generais juntos da ditadura.

O leitor mais cauteloso poderá dizer que a covid-19 teria matado de qualquer maneira no Brasil, mas há estimativas de que pelo menos metade das mortes poderiam ter sido evitadas se o governo tomasse as medidas corretas, recomendadas pela Organização Mundial de Saúde desde o início. Na hipótese mais complacente, portanto, Bolsonaro já tem 150 mortos para chamar de seus. Ainda assim um grande feito.

Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) e da Conectas Direitos Humanos mostrou que houve uma ação deliberada do governo em propagar o coronavírus — o que é coerente com a teoria defendida por Bolsonaro da “imunidade de rebanho”. O governo acreditava que lidaria com a pandemia não fazendo nada, deixando o máximo de pessoas se contaminarem mais rápido possível, até que houvesse uma imunização. Contaríamos os mortos e a vida seguiria. Esse sempre foi o plano do governo para a covid-19.

A pesquisa mapeou portarias, medidas provisórias, resoluções, instruções normativas, leis, decisões e decretos do governo feral relacionados à pandemia. A conclusão, publicada em boletim de divulgação científica, é a de que a “pesquisa revelou a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo Governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República”.

Como se sabe, o plano deu errado (ou certo, dependendo do ponto de vista). Os casos não pararam de crescer, a imunidade natural não veio (ao contrário, há muitos casos de reincidência da doença) e a tragédia está posta. Resta agora o de sempre: lutar.

 

ESPAÇO ABERTO

Nota da defesa da Lula*

Cristiano Zanin Martins e Valeska T. Z. Martins**

É histórica e revigorante para o Estado de Direito e para o devido processo legal a decisão proferida hoje pela 2ª. Turma do Supremo Tribunal Federal, concedendo a ordem de habeas corpus que pleiteamos em favor do ex-presidente Lula em 05/11/2018 perante aquela Corte para reconhecer a suspeição do ex-juiz Sergio Moro (HC 164.493).

A quebra da imparcialidade pelo ex-juiz, tal como a incompetência da Justiça Federal de Curitiba, reconhecida por outra histórica decisão proferida em 08.03.2021 pelo Ministro Edson Fachin, sempre foi por nós sustentada, desde a primeira manifestação apresentada no processo, no longínquo ano de 2016. Em outras palavras, sempre apontamos e provamos que Moro jamais atuou como juiz, mas sim como um adversário pessoal e político do ex-presidente Lula, tal como foi reconhecido majoritariamente pelos eminentes Ministros da 2ª. Turma do Supremo Tribunal Federal.

Para percorrer essa trajetória na defesa técnica do ex-presidente Lula sofremos toda sorte de ilegalidades praticadas pela “lava jato”, algumas delas indicadas na própria decisão que reconheceu a suspeição do ex-juiz, como o monitoramento ilegal dos nossos ramais para que os membros da “operação” pudessem acompanhar em tempo real a estratégia de defesa.

Da mesma forma, o ex-presidente Lula, nosso constituinte, foi alvejado por inúmeras ilegalidades praticadas pelo ex-juiz Sergio Moro, em clara prática de lawfare, ou seja, por meio do uso estratégico das leis para fins ilegítimos. Os danos causados a Lula são irreparáveis, envolveram uma prisão ilegal de 580 dias, e tiveram repercussão relevante inclusive no processo democrático do país.

A decisão proferida hoje fortalece o Sistema de Justiça e a importância do devido processo legal. Esperamos que o julgamento realizado hoje pela Suprema Corte sirva de guia para que todo e qualquer cidadão tenha direito a um julgamento justo, imparcial e independente, tal como é assegurado pela Constituição da República e pelos Tratados Internacionais que o Brasil subscreveu e se obrigou a cumprir.

* Publicada originalmente no portal do Instituto Lula, em is.gd/eanascente1181, sob o título “Nota da defesa de Lula sobre decisão do STF”. ** Advogados do ex-presidente Lula.

 

GERAL

Jornada maior no home office

Após ter publicado, na edição da semana passada, recorte de pesquisa feita pelo Dieese, sob encomenda do Sindipetro-NF, sobre impactos do home office na saúde de petroleiros e petroleiras da área administrativa de Macaé, o Nascente volta ao tema do teletrabalho para apresentar dados da pesquisa sobre a jornada de trabalho. Durante a pandemia, dois terços dos profissionais (66%) que estão trabalhando em casa declararam ter atuado mais horas do que a jornada habitual.

A pesquisa também mostra que, destes, 33% se viram contemplados pela seguinte afirmação constante entre as alternativas de resposta: “Quando trabalhei mais horas do que minha jornada contratual estipula, não recebi e nem vou compensar posteriormente”. Um terço dos petroleiros e petroleiras que fizeram horas extras no home office, portanto, afirmam que não receberão por estas horas e nem serão compensados em folgas.

As jornadas no teletrabalho, de acordo com a pesquisa, têm sido de até 9 horas (35,9%), entre 9 e 10 horas (40,2%) e até superiores a 10 horas (23,9%).

De acordo com os pesquisadores, embora o home office possa parecer sedutor em vários aspectos (proximidade da família, por exemplo), a sinalização tem sido preocupante para questões que envolvem a saúde e as longas jornadas de trabalho — em grande parcela sem sequer remuneração, como mostraram os dados.

Saúde é prioridade

As partes da pesquisa divulgadas pelo Nascente refletem justamente as áreas em que os próprios respondentes avaliam como sendo de atuação essencial do sindicato, junto ao Grupo de Trabalho de Acompanhamento do Teletrabalho.

Quando perguntados qual deve ser a prioridade da entidade sobre o tema as respostas com maiores percentuais de adesão foram “Acompanhar as questões de saúde do trabalhador, condições de ergonomia no home office, prevenção de doenças de trabalho potencializadas pelo teletrabalho” (27,2%) e “Combater os excessos relacionados à carga de trabalho” (23,6%).

Amostra

A pesquisa foi realizada com 309 respodentes, por telefone, entre os meses de novembro e dezembro de 2020. Os dados darão suporte ao Sindipetro-NF nas negociações com a empresa sobre o teletrabalho. Entre os participantes, 79% são homens e 20,7% são mulheres, com faixas etárias preponderantes de 30 a 39 anos (44%) e de 40 a 59 anos (47,6%).

 

Ato no Farol: NF cobra testagem no desembaque

O Sindipetro-NF participou ontem, com ato no Heliporto do Farol de São Thomé e com twittaço, do Lockdown em Defesa da Vida e dos Direitos, chamado pela CUT. Nesta semana, o país ultrapassa a marca das 300 mil mortes por covid-19. Nos últimos dias, o número de mortes diárias tem se aproximado de três mil.

Entre a categoria petroleira, crescem os surtos de covid-19 nas plataformas. Durante fala no heliporto, o diretor do Sindipetro-NF, Rafael Crespo, chamou a atenção para um dos pontos que são reivindicados pelo sindicato e não tem sido atendido pela companhia, sobre a necessidade de testagem também no desembaque.

“Uma grande cobrança que temos feito e a empresa insiste em não fazer é a testagem também no momento de desembarque. Esse descaso que a empresa está tendo com o momento em que cada um de nós está deixando o ambiente de trabalho e indo para as suas casas, correndo o risco por conta desse protocolo que ela tem colocado falho, está fazendo com que em cada unidade, cada plataforma, mais e mais grupos estejam contaminados”, disse o sindicalista.

O diretor destacou ainda que “todos os dias temos pessoas desembarcando por terem se contaminado a bordo. É necessário que elevemos essa pressão à companhia para que seja feita a testagem não só no momento de embarque, mas também no desembarque. Do mesmo jeito que queremos estar saudáveis para trabalhar, queremos também estar saudáveis para retornar às nossas famílias.”

Genocídio

A mobilização nacional foi uma forma de denunciar a “irresponsabilidade do governo federal, que levou o país ao pior colapso sanitário e hospitalar de sua história e transformou o Brasil em exemplo mundial de fracasso e de falta de políticas públicas para conter a disseminação da Covid-19”, conforme destacam as centrais sindicais. Os protestos cobraram vacinação em massa, manutenção dos empregos e retomada do auxílio emergencial com parcelas de, no mínimo, R$ 600,00.

Rlam: NF notifica conselheiros sobre venda

O Sindipetro-NF notificou ontem, extrajudicialmente, todos os conselheiros de administração da Petrobrás, que estavam reunidos para analisar a venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), por preço abaixo do mercado, para o fundo árabe Mubadala. Na notificação, a entidade lembra aos conselheiros sobre a necessidade de cuidado em relação a decisão a ser tomada, que deve respeitar os interesses da companhia, as exigências do bem público e a função social da empresa.

O sindicato pré-avisou aos conselheiros que a venda da refinaria em condições desfavoráveis implica em enquadramento, dos seus agente, em ato de improbidade administrativa, como previsto no artigo 10 da lei 8.429/92: “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (…) IV – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado”.

Responsabilidade civil

Também foram lembrados aos conselheiros os artigos 153, 154 e 159 da Lei nº6404/76, que preconizam que “o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”, assim como “exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa”, e, ainda, “compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembleia geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio”.

A diretoria do Sindipetro-NF repudia a entrega e o desmanche do patrimônio do povo brasileiro, em benefício do mercado internacional, feito pelo governo Bolsonaro.

 

#PorMaisMulheresaBordo

“Lugar de mulher é onde quiser”

Vitor Menezes / Da Imprensa do NF

O Nascente encerra nesta edição a sequência de perfis de petroleiras que atuam embarcadas em plata-formas da Bacia de Campos. A pequeníssima mostra, para marcar este mês da mulher, tem se revelado gigante em representatividade e riqueza de depoimentos. A petroleira da vez é a técnica de segurança Isabel Cristina Galdino de Souza, de 53 anos, que atua na UMS Tijuca — em home office desde abril de 2020.

Isabel avalia que ainda é pequeno o número de mulheres a bordo e afirma que o desafio é duplo para as trabalhadoras. Em uma sociedade estruturalmente machista, ainda é cobrado delas que, além de profissionais, sejam centrais na estruturação da vida familiar. Como relata, a discriminação é sentida já no embarque, quando são oferecidos uniformes projetados apenas para homens.
Confira a entrevista:

Nascente – Como avalia a presença das mulheres nas plataformas de petróleo? Quais as dificuldades e desafios?
Isabel – Ainda em número bastante pequeno comparado com o quanti-tativo de homens existente nas unidades. Infelizmente, nós mulheres e profissionais, temos que provar duplamente o quanto somos capazes perante aos homens. Somos tão boas que somos mulheres, profissionais, mães, donas de casa, múltiplas facetas.

Nascente – Você avalia que existe alguma forma de discriminação à bordo? Como lidar com uma cultura ainda hegemonicamente machista, especialmente em um ambiente onde os homens são tradicionalmente maioria?
Isabel – A discriminação se inicia em terra quando do recebimento do uniforme feito somente para homens, apesar da empresa já ter visualizado essa não conformidade. A bordo existe apenas pelo fato de já estarmos no mesmo ambiente, e isso por si só já faz com que mude o comportamento das equipes, eles veem que não estão mais entre os mesmos membros da tribo (só de homens). Para lidar com essa cultura tem que saber como ser mulher nesse ambiente, ter postura para tal, colocar cada homem em seu lugar, sempre se colocando acima de tudo.

Nascente – O que você diria para novas gerações de mulheres que pensam em embarcar?
Isabel – Lugar de mulher é onde ela quiser. Lute pelos seus objetivos. Não ouça que isso ou aquilo “é só para homens”. Vá lá e faça de modo que, futuramente, tenhamos muitas mulheres em todos os espaços, pois nós não precisamos provar nada para ninguém, pois somos capazes tanto ou mais do que qualquer homem. Cumprimente e ajude no que for preciso outra mulher em sua unidade.

Nascente – Você poderia contar alguma história marcante destes seus tempos de embarque? Algum fato curioso, uma emergência enfrentada, um momento emocionante por exemplo…
Isabel – Um momento vivido foi muito especial. No dia de Natal de 2014, eu estava embarcada e minhas filhas ficaram sozinhas em casa. Um fiscal líder fez uma surpresa para cada um dos colegas, ele fez contato com a família, pedindo que enviassem um presente e um bilhete para os que estavam embarcados, me chamou para entregar o presente, foi lindo e emocionante. Essa é a vida profissional que escolhi.

 

CURTAS

Assédio na P-63

O Sindipetro-NF recebeu denúncia nesta semana de que operadores de caldeira da P-63 estão sendo “convidados” a ficar uma semana além dos 14 dias de embarque. Com isso, a folga fica resumida a apenas 12 dias. Também há a denúncia de que alguns eletricistas da contratada pela Petrobrás estão atuando como operadores de facilidades. Operadores de caldeira, lastro e supervisores (devido à possibilidade de greve) têm realizado embarques de 21 dias na unidade.

A verdade venceu

A decisão da Segunda Turma do STF, nesta semana, que confirmou a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro nos julgamentos de Lula, confirma o que o ex-presidente e sua defesa dizem há anos. Houve perseguição judicial explícita, extra-legal, com propósitos políticos, claramente identificáveis na trajetória do magistrado que ajudou a eleger e se tornou ministro de um governo de extrema-direita. A verdade venceu.

 

MAIS NO SITE

Assembleias em breve

A categoria petroleira na região precisa ficar atenta ao site do Sindipetro-NF e redes sociais da entidade. Está para ser divulgado em breve o edital chamando assembleias para a próxima semana, com indicativos de mobilização. Fique ligado.

MAIS NA RÁDIO NF

Teletrabalho no podcast

O Podcast da Rádio NF entrevista nesta semana o médico do trabalho Ricardo Garcia Duarte, que assessora o Departamento de Saúde da entidade. O profissional analisa impactos do teletrabalho na saúde dos trabalhadores. O programa será disponiblizado em www.radionf.org.br.

 

NORMANDO

Genocida – 2

Normando Rodrigues*

Para que exista o crime de genocídio devem estar presentes (i) a intencionalidade do genocida; e (ii) a definição do grupo-vítima. E sobre ambos existem disputas no direito.

A interpretação predominante é a de que a “intenção genocida” deve ser “especial”, ou “específica”: é necessário que o dolo de extermínio do grupo-vítima seja o objetivo maior do ato de matar uma ou mais pessoas a ele pertencentes.

No entanto, autores mais recentes na área do direito penal internacional propõem que o “dolo eventual” também caracterize o crime de genocídio. O que é mais este nome feio jurídico?

“Não dou bola para isso” (Bolsonaro em 26/12/2020, sobre o Brasil ficar para trás na vacinação).

Há dolo eventual quando o agente do crime pretende algo tendo ciência de que seus atos poderão ter outras consequências, pelas quais assume o risco. Ele “não dá bola” para outros resultados que possam acontecer.

Quando um policial dispara automaticamente (rajada) contra um criminoso armado, em meio a uma área populosa, assume o risco de assassinar qualquer morador. Há um dolo eventual: o agente sabe da possibilidade, e não se importa com outras mortes eventuais. “Não dá bola pra isso.”

Do mesmo modo, quando o presidente em meio a uma mortífera pandemia estimula a prática da “infração de medida sanitária preventiva” (268 do Código Penal), ele não só comete o crime de incitação (286 também do C.P.), como assume o risco de “outros resultados”.

“Querem me tachar de genocida” (Bolsonaro, em 7/01/2021).

É verdade que Bolsonaro não deu ordem direta para o genocídio. Aliás, exatamente como Mussolini e Hitler também nunca o fizeram quanto ao extermínio de etíopes, judeus, comunistas e homossexuais.

Porém, assim como o policial do exemplo, os atos de Bolsonaro foram cometidos com plena ciência dos possíveis “outros resultados”. Ele foi advertido por cientistas e ministros quanto às “eventuais” consequências de suas atitudes, e sabia que poderiam resultar em centenas de milhares de mortes.

E há estudos relacionando a reiterada prática criminosa de Bolsonaro (incitação ao descumprimento das medidas sanitárias) com a maximização das mortes, o que completa o quadro do “genocídio por dolo eventual”, como teorizado pela professora espanhola Alicia Gil.

Na próxima semana vamos tratar do outro elemento caracterizador do genocídio, o grupo-vítima. Infelizmente, teremos então perto de 320 mil brasileiros exterminados.

* Assessor jurídico do Sindipetro-NF e da FUP.
[email protected]

 

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