Marina Maria / Da Imprensa da CUT-DF – Durante a abertura da Pré-COP 30 Sindical, nesta quinta-feira (9), a CUT enfatizou que não pode haver transição energética legítima sem a garantia de emprego, renda e direitos para a classe trabalhadora. O encontro, que reúne lideranças sindicais de mais de 20 países, faz parte da mobilização para a COP 30, prevista para novembro, no Pará.
Antônio Lisboa, secretário de Relações Internacionais da CUT e vice-presidente da CSI, afirmou que muitos discursos sobre economia verde e descarbonização ignoram as urgências sociais.
“Não há transição justa se ela não trouxer trabalho decente, digno, salário e proteção social. Nosso desafio é fazer com que essa discussão chegue à classe trabalhadora, principal impactada pelas mudanças climáticas.”
Ele alertou que o mundo vive um momento crítico — marcado pela intensificação de fenômenos extremos — e que os sindicatos precisam assumir protagonismo para levar essas pautas para além dos fóruns técnicos.
Crise climática: os números que expõem o drama
No Brasil, os desastres climáticos cresceram 460% desde os anos 1990. Pesquisa realizada entre 1991 e 2023 mostra que cada aumento de apenas 0,1 °C na temperatura média global gerou cerca de 360 novos registros de eventos extremos no país — como secas, inundações e tempestades.
Na última década, houve uma média de 4.077 desastres por ano, em comparação com 725 por ano nos anos 1990.
Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) indicam que o país segue registrando temperaturas acima da média histórica, com o verão de 2024–2025 sendo um dos mais quentes desde 1961. Em nível global, 2023 foi considerado um dos anos mais quentes já registrados, com concentrações de CO₂ atingindo níveis recordes.
A crise ambiental também se manifesta em incêndios fora de controle: até novembro de 2024, foram registrados mais de 29,7 milhões de hectares queimados no Brasil, um aumento expressivo em relação ao ano anterior.
A região Norte enfrentou uma das piores secas das últimas décadas (2023–2024), afetando mais de 630 mil pessoas apenas no Amazonas. E não faltam percepções populares: pesquisa Datafolha aponta que 97% dos brasileiros afirmam notar mudanças climáticas em suas vidas — desde calor excessivo até eventos extremos de chuva ou seca.
Protagonismo da CUT e desafios para uma transição justa
Para Lisboa e a CUT, esses números não são abstratos — representam perdas de vidas, destruição de moradias, colapsos regionais e, sobretudo, o agravamento da vulnerabilidade dos mais pobres. Ele destacou que o conceito de transição justa não é neutro e está em disputa ideológica.
“Ambientalismo sem luta de classes é jardinagem”, afirmou Rosalina, resgatando o legado de Chico Mendes e insistindo na importância de resgatar a voz dos sindicatos nos debates climáticos.
O evento Pré-COP Sindical é encarado como um espaço estratégico para o intercâmbio de experiências entre centrais e para a construção de pressão nas negociações globais. A proposta é clara: levar para a COP e para os governos demandas que combinem metas ambientais com justiça social.
Lisboa ressaltou ainda que, no Brasil, a discussão sobre transição energética tem particularidades — o setor agrícola, por exemplo, possui papel central nas emissões — o que exige uma abordagem diferenciada e sensível às realidades locais.
“Essa transição só será justa se nós, líderes sindicais, tivermos capacidade de levar este debate à classe trabalhadora — especialmente àqueles mais vulneráveis”, concluiu.
Marcos Paulo Lima (Maracatu)/CUT-DF
Impactos sociais e ambientais no Nordeste e na Amazônia
A dirigente Rosalina, que também participa da articulação sindical da Pré-COP, relatou experiências concretas dos efeitos negativos de uma transição energética mal conduzida, especialmente em projetos eólicos no Nordeste brasileiro.
Ela destacou o caso da Serra do Mel (RN), onde comunidades rurais enfrentam problemas sociais, ambientais e econômicos provocados por contratos injustos e impactos diretos na saúde e na produção agrícola.
“As famílias foram atraídas pela promessa de renda e desenvolvimento, mas os contratos não foram cumpridos. Hoje há terras degradadas, abelhas que deixaram de produzir mel e galinhas que não botam mais ovos. O que deveria ser uma fonte de melhoria virou um problema social”, afirmou Rosalina.
Ela defendeu uma atuação mais firme do governo federal e dos ministérios na fiscalização e no acompanhamento dos projetos de transição energética, para evitar que as populações locais — sobretudo quilombolas, indígenas e ribeirinhas — sejam novamente prejudicadas.
“A transição justa precisa garantir proteção social, trabalho decente, qualificação e requalificação profissional, além do cumprimento dos direitos trabalhistas e ambientais”, completou.
O assessor de Relações Internacionais da CUT, Fernando Vivaldo, lembrou que a pauta da transição justa já é reconhecida como um instrumento oficial de enfrentamento às mudanças climáticas desde a COP 27, realizada no Egito.
Na COP 28, em Dubai, o programa começou a ser implementado, com o compromisso de não deixar ninguém para trás.
“A transição justa articula três eixos: um modelo econômico mais equitativo entre Norte e Sul global; o combate à pobreza energética, tratando a energia como direito humano; e o trabalho decente. Sem ouvir os trabalhadores, não há transição justa”, explicou Vivaldo.
Segundo ele, o programa será avaliado novamente na COP 31, e a participação da CUT e de outras centrais do Sul Global tem sido fundamental para garantir que os planos nacionais de transição energética incluam a perspectiva dos trabalhadores.
“Reconhecemos os avanços do governo brasileiro e da presidência na condução dessa agenda, mas seguimos defendendo que o processo seja acompanhado de perto pelos sindicatos e pelas comunidades atingidas”, reforçou.
Belém: símbolo da luta e da esperança
Para os dirigentes da CUT, realizar a COP 30 em Belém do Pará, coração da Amazônia, tem um significado político e simbólico: colocar os povos amazônidas e a classe trabalhadora no centro do debate sobre o futuro do planeta.
“A COP em Belém é a oportunidade para que o mundo veja a Amazônia e seu povo, e compreenda que não há justiça climática sem justiça social. Essa discussão precisa ser ampliada e transformada em política pública com participação popular”, concluiu Rosalinda.
Representante do governo reforça importância do movimento sindical no debate global sobre transição justa
Durante o encontro com dirigentes sindicais e representantes da CUT, o representante do governo federal e presidente da COP 30, Embaixador André Corrêa do Lago, destacou a relevância da participação do movimento sindical nas discussões preparatórias para a COP 30, que será realizada em Belém (PA). Ele parabenizou as organizações presentes e afirmou que, apesar dos desafios do cenário internacional, o multilateralismo ainda é o melhor caminho para enfrentar o aquecimento global.
Marcos Paulo Lima (Maracatu)/CUT-DF
O representante ressaltou que o conceito de transição justa nasceu do movimento sindical, impulsionado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), e foi incorporado posteriormente ao Acordo de Paris, com o objetivo de garantir empregos decentes e proteção social durante as transformações econômicas e ambientais necessárias ao enfrentamento da crise climática.
Ele explicou que, para dar mais peso político a esse debate, foi criado em 2022 o Programa de Trabalho em Transição Justa, desenvolvido por meio de seis diálogos internacionais — quatro já realizados e dois previstos para o próximo ano — culminando em uma reunião ministerial durante a COP 30, em Belém.
Segundo o expositor, o novo texto-base do programa, elaborado em 2025, é o mais abrangente e concreto até agora, incluindo temas como participação social, direitos humanos, proteção de populações vulneráveis e transição energética. O documento também amplia a discussão sobre minerais críticos, financiamento e transferência de tecnologia — elementos considerados essenciais para que a transição seja efetiva e inclusiva.
Apesar dos avanços, ele reconheceu que há forte polarização entre países em torno de temas sensíveis, como medidas bilaterais de comércio e clima — especialmente a precificação de carbono nas fronteiras, adotada pela União Europeia. Esse debate, segundo ele, traz divergências profundas, mas precisa avançar rumo a consensos que garantam uma transição justa e equilibrada entre as nações.
Por fim, o representante destacou que o setor energético e o afastamento gradual dos combustíveis fósseis continuam sendo pontos centrais e delicados nas negociações climáticas, exigindo uma abordagem cuidadosa e cooperativa entre os países.
“Ainda que o multilateralismo seja imperfeito, ele é o melhor caminho que temos. É preciso que todos — governos, sindicatos e sociedade civil — estejam engajados, porque o que está em jogo é o futuro da agenda climática e das próximas gerações”, concluiu.
A participante expressou preocupação de que, com a inclusão de muitos temas de trabalho na COP 30, o governo brasileiro possa se dispersar e não alcançar resultados significativos, como ocorreu em edições históricas passadas, como a Rio+20 e a COP de 1994. Ela destacou a importância de o governo focar em temas de relevância — como a criação de um comitê especial — e garantir que as decisões possam ser operacionalizadas de forma eficiente. Também questionou como países de renda média poderão acessar o financiamento do Fundo do Clima.
Falando em nome do Fórum Sindical Pan-Amazônico, a participante Paola Egusquiza, do Peru, enfatizou que os sindicatos possuem uma agenda ampla — incluindo trabalhadores indígenas, mulheres, jovens e comunidades vulneráveis — e que o movimento sindical atua como agente de desenvolvimento, integrando essas pautas às negociações da ONU. Ela ressaltou que as decisões da COP impactam diretamente pessoas em situação de economia informal, pobreza e dependência de territórios protegidos por comunidades tradicionais, e que é essencial garantir emprego e participação efetiva dos trabalhadores na discussão climática.
Também foram citados exemplos da Colômbia, onde o governo do presidente Gustavo Petro tem assumido um papel ativo na promoção da transição justa, envolvendo instituições sociais, sindicatos, comunidades indígenas e mulheres — com eventos planejados para Santa Marta, em novembro, integrando políticas de clima e emprego.
Durante a reunião preparatória para a COP 30, representantes de diversos países destacaram a importância de colocar o trabalho e a transição justa no centro das discussões climáticas. Pablo Gisalde, do Uruguai, destacou que o país participa pela primeira vez de forma articulada em torno dessas questões, ressaltando a necessidade de empregos de qualidade, reconversão produtiva, linhas de crédito específicas e participação social nos fundos internacionais de financiamento — especialmente diante de eventos climáticos extremos recentes, como secas, incêndios e crises de abastecimento de água.
Outros participantes, como representantes do Paraguai e da Coreia do Sul, reforçaram a importância de regular o uso intensivo de energia e garantir que os trabalhadores participem de forma direta e proativa das decisões sobre a transição justa — não apenas como observadores, mas com influência real nas políticas e medidas implementadas.
O debate também destacou que, embora o Brasil, como presidência da COP 30, não possa resolver todos os problemas, deve criar mecanismos que garantam a continuidade e a efetividade do Programa de Trabalho da Transição Justa, assegurando que temas essenciais — como emprego, justiça social e proteção ambiental — avancem sem serem usados como obstáculos nas negociações consensuais.
Foi ressaltada a tradição da CUT, da CSA e da CSI de dialogar diretamente com negociadores e governos, garantindo que as preocupações dos trabalhadores sejam levadas às negociações internacionais. Além disso, a reunião tratou de questões logísticas da Pré-COP, como horários e vouchers para refeições, encerrando com orientações sobre o início das atividades do dia seguinte.
Marcos Paulo Lima (Maracatu)/CUT-DF
Sobre a COP 30
A COP 30, que acontecerá em novembro, reunirá líderes globais, sindicatos e movimentos sociais para debater a transição energética, o trabalho decente e a justiça social, garantindo que as decisões climáticas incluam a classe trabalhadora e as comunidades mais vulneráveis. A liderança do presidente Lula é considerada crucial nesse processo, pois seu governo tem priorizado a transição justa e a cooperação internacional, mobilizando recursos e esforços para que o Brasil desempenhe um papel ativo e de protagonismo nas negociações climáticas globais.