Por Emir Sader
O Brasil e a Argentina tem uma série de similaridades na história dos seus países. Getulio e Peron, JK e Arturo Frondizi, os golpes de 1964 e 1976, os governos de Sarney e de Alfonsin, os neoliberais de Carlos Menem e de FHC, os governos posneoliberais de Lula e Dilma e dos Kirchner.
Mas tem também diferenças, que explicam as particularidades de cada país. Uma delas foi o fracasso do golpe de Ongania em 1966, correspondente diretamente ao nosso de 1964, o que mudou a temporalidade deles, fazendo com o golpe que finalmente triunfou em 1976 ja tenha pego o capitalismo internacional em seu ciclo longo recessivo. Enquanto a ditadura brasileira se aproveitou da fase final do ciclo longo expansivo, identificando com um ciclo de expansão econômica, a da Argentina se identificou já com a hegemonia do capital especulativo e com recessão.
Outro aspecto distinto foi a existência da indexação no Brasil, o que conteve e camuflou a hiperinflação aqui, enquanto a Argentina a viveu de forma profunda e traumática. A tal ponto que Menem introduziu a profilaxia da paridade, decidindo por decreto que a moeda argentina teria cotação igual ao dólar. Uma lua de mel de consumo artificialmente inchado, como uma bomba de tempo da dívida pública, que acabou explodindo, na pior crise da história do pais, em 2001/2002, passando da paridade a 4 por 1 e levando ao empobrecimento a camadas imensas da população.
Outro aspecto diferenciador foi que Menem levou o peronismo ao governo, fazendo com que setores do sindicalismo até participassem dos processos de privatização. Ficou esvaziado, em grande medida, o campo popular e a resistência ao neoliberalismo. Com isso Menem pôde levar a privatização a níveis de radicalidade de desmonte total do antes forte Estado argentino.
Nesse marco, Menem privatizou em uma semana a YPF, a empresa estatal de energia argentina, que havia permitido que o país tivesse autossuficiência em petróleo. Dessa situação, o país passou a ser totalmente dependente das empresas privadas – da Repsol, antes de tudo – e da sua descapitalização. De nada adiantaram as provas claras de que esse processo foi feito com corrupção e compra de parlamentares – Menem foi preso, mas por outras acusações -, a privatização foi irreversível, com graves danos que até afetam a situação econômica da Argentina.
Os resultados foram catastróficos e se fazem sentir até hoje de forma dramática. O país passou a ficar refém da compra de gás do exterior – um consumo gigante, que aumenta ainda mais no inverno –, que afeta diretamente a balança comercial do país. Além de que o governo subsidia esse consumo, para tentar conter a inflação, o que representa o principal elemento dos gastos estatais, o que desequilibra as finanças públicas.
Apesar do governo ter reestatizado a YPF, a reconstrução de uma empresa sucateada pela Repsol demanda grande quantidade de investimentos e depende de acordos com grandes monopólios internacionais do petróleo.
O Brasil pôde brecar o mesmo processo, que começou a ser levado a cabo pelo governo FHC com a quebra do monopólio estatal do petróleo e com a mudança do nome da Petrobras para Petrobrax – que durou apenas um dia, diante do escândalo que produziu. O campo popular, composto por movimentos sociais, por forças partidárias de esquerda, conseguiu impedir que FHC privatizasse a Petrobras, o BB, a Caixa Economica, projeto já desenhado pela equipe econômica do seu governo – de que Pedro Malan e Arminio Fraga (atual guru do Aecio) eram os próceres mais importantes.
Essa diferença produziu uma diferença enorme. O Brasil pôde manter uma capacidade estatal de produção de energia e um sistema de bancos públicos, com os quais reage à crise econômica internacional e ao papel estratégico que as questões energéticas passaram a ter no mundo.
Os destinos da Petrobras e da YPF bastariam para explicar o destino e a situação atual diferentes das economias do Brasil e da Argentina. Lá, os danos gravíssimos produzidos ao país pela privatização da YPF, aqui, a preservação e o extraordinário fortalecimento da Petrobras. O que quer a oposição hoje é que seguíssemos o mesmo caminho desastroso da Argentina, entregássemos nas mãos de grandes empresas privadas internacionais a Petrobras e ficassem reféns dos grandes monopólios internacionais da energia. O ódio que tem aos governos do PT e à Petrobras provem de que fomos e somos capazes de evitar aqui a repetição da tragédia argentina em termos de politicas energéticas.