Normando Rodrigues*
O lugar comum posto pela Rede Globo, em qualquer discussão que envolva petróleo, é sustentar que o nacionalismo está ultrapassado, e não faz bem ao Brasil. O tamanho do estrago provocado por essa mentira pode ser medido na relação entre a “Operação Lava Jato” e o desemprego direto e indireto, nessa indústria. Talvez, porém, a alienação mental provocada seja um prejuízo ainda maior, pois cega a consciência dos lesados, para permitir o roubo, do mesmo modo que a saliva anestésica do morcego o permite morder sua vítima.
Do marfim do Congo ao gás natural da Bacia do Don, do ouro latino-americano ao Lítio boliviano, a história econômica dos recursos naturais é a da sua apropriação pelo capitalismo central, em detrimento dos países periféricos. Isso é não só constante como atual, seja no início do século XXI ou no século XIX. Mas, como em qualquer outra relação de dominação, só é possível se o dominado acreditar na visão social de mundo propagada pelo dominante. E é esse o papel do consórcio Globo-PSDB hoje, como o foi o da quadrilha Globo-UDN ontem.
Houve um momento em que a maior parte da humanidade se levantou contra isso. No período entre a 1ª Guerra Mundial e o fim da União Soviética, o número de nações soberanas pulou de pouco mais de 40 países para cerca de 180, e as formas jurídicas de exploração dos recursos naturais tiveram que ser revistas. O regime de concessão, do século XIX, no qual bastava pagar taxas para que o explorador se tornasse dono das jazidas, foi substituído pela partilha de produção, na qual o explorador é obrigado a dividir o produto da atividade com o explorado.
Primeiro retrocesso
Onde a soberania nacional foi ainda mais afirmada, o modelo jurídico ideal passou a ser o contrato de prestação de serviços, no qual o explorador é pago pelo trabalho, e o resultante da atividade é unicamente do Estado local. Paralelamente a essa evolução houve uma outra relativa à agregação de valor, desenvolvimento tecnológico, substituição de importações e geração de empregos, no país dono das jazidas, e não nos países dos exploradores. Esse foi o caminho da Coreia do Sul e é como a Rússia, hoje, enfrenta as sanções do “Ocidente”.
Todavia o Partido da Rede Globo, que tentou criar um monopólio privado para a Standard Oil na Constituição de 1946, impedir a criação da Petrobrás em 1953, e que se opôs à criação e expansão do refino, convenceu você de que o petróleo não era mais estratégico, e que o regime de concessão do século XIX era “moderno”. O resultado foi a quebra do monopólio estatal e a volta do mesmo conteúdo dos decretos imperiais de concessão para exploração de carvão assinados por D. Pedro II, agora sob o nome de Lei 9.478/97. Modernidade…
Foram anos de luta até restituirmos apenas uma pequena fração do monopólio estatal, com a partilha de produção da Lei 12.351/2010. Com ela vieram a defesa do desenvolvimento nacional, na forma do conteúdo local, da participação financeira, mínima de 30% da Petrobrás nos consórcios, e da operação única do Pré-Sal pela Petrobrás. Ainda assim, um enorme estrago já estava feito. Pouco menos de um terço das áreas do Pré-Sal já havia sido entregues sob a égide do oitocentista regime de concessão, num crasso erro estratégico.
Segundo retrocesso
Em 24 de fevereiro o Senado da República entregou a encomenda a seus donos, ao aprovar o projeto de lei de Serra que corrompe a Lei 12.351/2010. A emenda Jucá, negociada com o Planalto na última hora, fez um eufemismo do entreguismo, para envolver decisões do inócuo Conselho Nacional de Política Energética, e da neoliberal diretoria da Petrobrás, na chancela da entrega das jazidas aos exploradores. Alguém duvida que, hoje, a maioria da Diretoria da estatal tudo daria à Chevron ou Shell, em preço de liquidação, com o barril a 32 dólares?
A geopolítica do petróleo, como toda conjuntura, é um filme, e não mera fotografia. Deve ser acompanhada considerando-se suas tendências dinâmicas. E essas, hoje em marcha acelerada, insinuam modificações como a adoção dos padrões Roterdã e Golfo, em substituição a Brent e WTI. Retratos estáticos apenas servem de argumento às inverdades, como as esgrimidas pelos entreguistas. Corrompem a lei, e o futuro, sob o pretexto de um momento.
O pior do episódio, porém, foi a ação do Governo Dilma. Reafirmou o que se lê desde Dezembro de 2014: cada vez que a Direita sobe o tom de voz o Planalto não hesita em vender interesses dos trabalhadores, e reduzir direitos sociais. Dilma não aprendeu que nunca será aceita pela Direita e que, portanto, jamais existirão limites. Acumularia capital político se resistisse e fosse derrotada no Senado. Ao contrário, cedeu covardemente, mais uma vez escolhendo a desonra à guerra, sem perceber que, ao assim agir, terá a ambas.
* Assessor jurídico do Sindipetro-NF e da FUP.