Passados 13 anos do caso P-36, petroleiros ainda convivem com “avisos” diários de que uma nova tragédia pode estar a caminho. Ato nesta sexta, 14, no Farol e evento no próximo dia 25, em Macaé, lembram o acidente e discutem a pressão sofrida pelos trabalhadores em um cenário de insegurança
Presentes!
Adilson Almeida de Oliveira
Charles Roberto Oscar
Emanuel Portela Lima
Ernesto de Azevedo Couto
Geraldo Magela Gonçalves
Josevaldo Dias de Souza
Laerson Antônio dos Santos
Luciano Cardozo de Souza
Mário Sérgio Matheus
Sérgio Santos Barbosa
Sergio dos Santos Souza
Todo ano Marilena escreve
Todo ano Marilena escreve. E incomoda com o seu luto público aqueles que gostariam de esquecer. No Departamento de Comunicação do Sindipetro-NF, quando se aproxima o Março da tragédia da P-36, todos sabemos: a poesia de Marilena virá. É um protesto literário, quase uma oração, que tem a perturbadora capacidade de materizar a existência de gente por trás dos números. Há Marilena, do Josevaldo que houve, e há outras dez viúvas da P-36, e filhos, e irmãos, e pais e amigos.
Todo ano Marilena escreve. Poesia rude de sentimento sincero, sem galanteios estilísticos de escritor profissional, que se assenta na crueza de instalações industriais, vazamentos, oleodutos, geradores, tanques e colunas. É conteúdo mais do que forma, porque é mais gente do que linguagem.
Em um universo predominantemente masculino e técnico, embora não necessáriamente desprovido de poesia, onde acidentes viram comissões e relatórios e providências e protestos que, forçosamente, precisam se materializar, Marilena escreve. Todo ano. E com seu texto fornece uma brisa insistente para denunciar a presença do que parece invisível, imponderável, mas se torna dolorosamente concreto todos os dias, nos recorrentes acidentes do setor petróleo, como mostra esta edição especial do Nascente.
Sua dor que não cala deve servir de energia para a luta. A que ela empreende e a que todos nós devemos empreender. Somente em 2013, foram registrados mais de 1.300 acidentes de trabalho no setor petróleo na Bacia de Campos, isso levando-se em consideração apenas os que tiveram o correto preenchimento da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) e seu envio para o sindicato — o que exclui todas as ocorrências perdidas no limbo da subnotificação.
Este insidioso volume de avisos diários mostra que a ocorrência de uma tragédia como a P-36 não é alarmismo sindical. Todos os especialistas da área sabem que qualquer acidente ampliado é precedido de acidentes considerados menores. É o que mostra a publicação “O acidente da Plataforma P-36: Naufrágio, agonia e morte na Bacia de Campos”, de Marcelo Figueiredo e Denise Alvarez, que tem um trecho reproduzido nesta edição.
Por isso, a militância diária pela vida é um dever ético de cada petroleiro. Em defesa própria, em memória dos que se foram, por compromisso com as futuras gerações.
E por mais que a empresa cultive a amnésia como método gerencial, não haverá como nos deter. Entre outros motivos, porque todo ano Marilena escreve. E seu texto, na página 4, é parte do que nos faz ter a certeza de que jamais esqueceremos.
Ato Público no Heliporto do Farol e evento no dia 25
O Sindipetro-NF realiza na manhã hoje ato público, a partir das 7h, no Heliporto do Farol de São Thomé, para marcar a passagem dos 13 anos da tragédia da P-36. AInda para lembrar a data, o sindicato vai promover evento na sede de Macaé, previsto para o próximo dia 25, para discutir a saúde mental do trabalhador em um cenário de insegurança e pressão pela produção.
Além disso, a entidade indicou, para as assembleias de avaliação da proposta de regramento da PLR, que a categoria realiza a partir de hoje, a aprovação de relatórios de pendências de saúde, segurança e habitabilidade nas áreas operacionais, para envio ao sindicato.
Para o Sindipetro-NF, casos como o da SS-53, que passou por adernamento de 3,5 graus na madrugada do último dia 28 e provocou o desembarque de 79 petroleiros e a interdição da unidade, mostram que, mesmo mais de uma década depois do acidente da P-36, as empresas do setor petróleo não levam a sério a segurança da atividade.
Desde 1995, foram 330 mortes
Segundo dados da FUP, desde 1995 ocorreram 330 mortes de petroleiros por acidentes de trabalho no Sistema Petrobrás, sendo 266 de trabalhadores terceirizados e 61 de efetivos. Na Bacia de Campos ocorreram 126 óbitos de 1998 até 2013, sendo que 88 foram de terceirizados e 38 de empregados da Petrobrás. Apesar do grande número de subnotificações de acidentes, o Departamento de Saúde recebeu um registro de 1563 Comunicados de Acidentes de Trabalho em 2013, uma média de quatro acidentes por dia.
Confira abaixo alguns do casos recentes de acidentes em plataformas da região. Eles configuram, para a entidade, um conjunto de “avisos” de que uma nova grande tragédia pode estar a caminho, se a companhia não mudar a sua gestão de SMS.
Alguns dos casos mais recentes noticiados pela Imprensa do NF
P-20 : Problemas levam à interdição
Um incêndio atingiu uma área de injeção de produtos químicos da P-20 em 27 de dezembro. Um trabalhador inalou fumaça, outro torceu o tornozelo. A produção foi paralisada. Nos dias 3 e 4 de fevereiro, o diretor do Sindipetro-NF, Valdick Oliveira esteve a bordo da unidade, junto com três fiscais da SRTE (Superintendência Regional de Trabalho e Emprego) e uma procuradora do Ministério Público do Trabalho. O grupo entrevistou cipistas e gestores da companhia e depois foi até o convés principal, onde ocorreu o acidente. O local já sofreu alterações depois de algumas obras que estão sendo realizadas pela companhia. Os fiscais decidiram interditar a plataforma.
SS-86: Trabalhador morre no elevador
Um trabalhador britânico de 36 anos, morreu, no dia 6 de janeiro, em um acidente na sonda SS-86 da Sevan Brasil, em operação no poço 8-JUB-46D-ESS. Durante a manutenção do elevador de pessoal, localizado no casario, realizada por dois técnicos em eletrônica, um deles informou que havia ocorrido um acidente por volta das 20h. Logo a equipe de resgate foi mobilizada para acessar a parte superior do elevador, mas ao chegar a enfermeira da unidade constatou o óbito.
Uma comissão, que tem como representante do Sindipetro-NF o diretor Wilson Reis, apura as causas do acidente.
P-62: Incêndio próximo a tanque
Um incêndio em um dos geradores da plataforma P-62, no dia 10 de janeiro, próximo a dois tanques de óleo diesel, expôs os riscos da política da Petrobrás de levar para alto mar plataformas que não tiveram a construção concluída no estaleiro. Na dia 24 de janeiro, o coordenador geral do Sindipetro-NF, José Maria Ferreira Rangel, e o diretor Marcos Breda estiveram reunidos com Gerentes do SMS da UO-Rio, Setorial da Plataforma, Cipistas eleitos e outros profissionais da Plataforma para tratar do caso. No último dia 11, José Maria embarcou na unidade para acompanhar uma fiscalização da SRTE, marcada por solicitação do sindicato.
P-07: Vazamento de H2S não comunicado
Vazamento de óleo e gás no dia 20 de janeiro, na P-07, com presença de H2S (ácido sulfídrico), levou 30 minutos para ser controlado. Para o sindicato, a empresa tratou de forma banal um vazamento de H2S, inclusive em razão de a plataforma não ter sensores desse gás, que é tóxico e inflamável, instalados na área. Como ocorreu em outros acidentes neste mesmo período, outro fator agravante foi o fato de a companhia não ter comunnicado o sindicato sobre a ocorrência, descumprindo cláusula do Acordo Coletivo. Somente depois de obter informações dos trabalhadores, o NF pôde confirmar a existência do vazamento na unidade.
P-35: Acidente com sacos de Areia
Durante um procedimento de movimentação de sacos de areia de 10 kg, no dia 22 de janeiro, no deck de carga da plataforma P-35, uma das alças do bag se rompeu e um dos sacos atingiu o tornozelo esquerdo de um trabalhador da empresa Skanska, que foi afastado temporariamente de suas funções.
O diretor Valdick Oliveira, representa o Sindipetro-NF na Comissão de Investigação do acidente, que embarcou na plataforma no último dia 11 para apurar o caso.
Em 2010, a P-35 passou por uma interdição que durou 60 dias, após denúncias do sindicato sobre condições precárias de segurança.
P-55: “Sorte” evita nova tragédia
No dia 12 de fevereiro, às 18h40, ocorreu um flash (uma explosão rápida de menor proporção, que não provoca danos) na plataforma P-55, na Bacia de Campos. De acordo com relatos dos petroleiros, por pouco não houve uma fatalidade. “Por sorte os dois executantes não estavam no local durante o evento. Tinham saído para buscar umas ferramentas”, contaram. O serviço era de retirada de uma válvula PSV para calibração. Após as manobras, o operador liberou o equipamento para intervenção. No entanto, o flare apagou, sendo necessário seu acendimento. A hipótese é a de que o houve mistura de gás e ar.
SS-53: Unidade aderna 3,5 graus
Na madrugada de 28 de fevereiro, por volta de 1h, a plataforma SS-53 sofreu um adernamento de 3,5 graus. Foi determinado abandono da unidade, operada pela empresa Noble, a serviço da Petrobrás. Cerca de 80 trabalhadores tiveram que deixar a plataforma. Outros 36 ficaram a bordo para restabelecer o nivelamento da instalação, o que ocorreu ainda pela manhã. Ninguém se feriu, mas todos passaram por grandes desgastes durante o resgate e a de permanência em um rebocador, nas proximidades, antes de serem definitivamente desembarcados. A ANP interditou a plataforma. O diretor do NF Wilson Reis representa a entidade na investigação.
P-32: Petroleiro tem dedo amputado
Acidente grave, em P-32, envolveu um auxiliar de movimentação de cargas da Skanska e levou à amputação do seu dedo polegar, que precisou ser reimplantado. O caso aconteceu em 3 de março, durante operação com cabo de aço do guindaste. Um cabo solecado (frouxo) se projetou sobre o polegar do trabalhador, segundo a informação da Petrobrás.
O acidentado foi atendido na enfermaria e, em seguida, desembarcado, seguindo diretamente para um hospital no Rio de Janeiro, onde foi feito o reimplante.
A atividade de movimentação de cargas é uma das recordistas em acidentes com mãos e dedos.
Pesquisa
Uma luta que está longe de acabar
Leia trecho de publicação de pesquisadores que analisaram o caso P-36 e não viram razão para surpresa
Marcelo Figueiredo**
Em verdade, o acidente da P-36 não deve ser visto com grande surpresa quando se enfocam à lupa os mundos do trabalho globalizado e, mais particularmente, o setor petrolífero, pois mesmo no contexto desta indústria no Mar do Norte, que verificou avanços na esfera da saúde e segurança após a catástrofe de Piper Alpha, os desafios não são de pequeno alcance, como atestam Woolfson e Beck (2000). Em última instância, vale lembrar a epígrafe do livro “O petróleo” de Yergin (1992) – “uma história de dinheiro, ganância e poder”. Ou, se o leitor preferir, pode-se retomar a fala de um trabalhador – “já acontecera antes com a indústria do carvão mineral: também a indústria petrolífera se faz com o sangue e as vidas de seus trabalhadores”.
Em nosso contexto, apesar de a Petrobras alardear que seu programa de SMS (Segurança, Meio Ambiente e Saúde) é o mais caro do mundo, tendo consumido R$ 10 bilhões do ano de 2000 a 2009, os indicadores de acidentes graves e fatais ainda se mostram preocupantes, sobretudo em se tratando dos trabalhadores terceirizados. Tomando por base todo o Sistema Petrobras, o saldo não é nada abonador: 289 mortes de 1995 a 2010, sendo 232 de trabalhadores terceirizados, conforme levantamento divulgado pela FUP em março de 2011. Os casos recentes envolvendo petroleiros da empresa Brasdril, ou a serviço desta, é emblemático.
Entendemos que a maior exposição dos terceirizados aos riscos de acidentes, às inadequações da organização do trabalho, etc (Alvarez e Figueiredo, 2010) merece especial atenção, pois não devemos perder de vista que a partir do final dos anos 80 foi ganhando vulto a lógica de terceirizar não somente as atividadesmeio, mas também algumas das atividades-fim alterando, drasticamente, ainda nos anos 90, a proporção entre efetivos e terceirizados como demonstram os dados apresentados em Figueiredo et alii (2007). A provocação endereçada aos deputados, feita por um trabalhador presente a uma das sessões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigação do acidente da P-36, também serve de alerta nesta direção:
É oportuno ainda salientar, por um lado, que a aprovação do Anexo II (Plataformas e Instalações de Apoio) da Norma Regulamentadora nº 30 (NR 30), em maio de 2010, se apresenta como um instrumento importante na luta dos petroleiros pela melhoria das condições de trabalho no offshore brasileiro. E, de outro lado, que o acidente ocorrido cerca de um mês antes com a plataforma Deepwater Horizon, no Golfo do México, em águas ultraprofundas – no qual também onze trabalhadores perderam a vida, a unidade naufragou em chamas e os danos ambientais só são comparáveis às piores catástrofes do setor -, dá fortes indícios de que essa luta ainda está longe de acabar, considerando o horizonte que se descortina em nosso país com a exploração do petróleo da camada pré-sal.
Por fim, vale recuperar o que já frisamos em outra oportunidade (Figueiredo e Athayde, 2004), isto é, afirmar a gravidade do quadro atual neste campo é fundamental, por tudo que já constatamos em todos estes anos de investigação no setor, mas sem deixarmos nossa escuta bloqueada para os devires sempre presentes na potência da vida, permanecendo atentos à dinâmica entre poder (do capital) e potência (da multidão) (Negri, 2002).
* Trecho do livro “O acidente da Plataforma P-36: Naufrágio, agonia e morte na Bacia de Campos”, de Marcelo Figueiredo e Denise Alvarez. Íntegra do texto, com notas e referências bibliográficas completas em http://bit.ly/1fqOjqq.
** Professor do departamento de Engenharia de Produção da UFF.
Artigo
Lutar, Insistir, Vencer
Marilena Sousa*
Sangue, Óleo
Tudo misturado
Vida, Morte
Bailando no mesmo salão
Dia e Noite
Já não se sabe mais
Coragem, Medo
No mesmo chão
A vida segue
Não pode parar
Quem foi
Já não sabe mais
Mas nós aqui estamos
Precisamos continuar
Construir, escrever
Páginas desta historia
LUTAR INSISTIR VENCER
O aviso foi dado
O alarme soou mais uma vez
A morte blefou ufa!! Desta vez
O quadro parecia se repetir
A madrugada aprontando
Mais uma vez
Alerta, medo, pânico,
O desconhecido se agigantando
Mas contido aos poucos
As marcas, as angústias vividas
O terror, tudo misturado
O escape veio, tudo dependurado
A vida passa por um fio
A guerra é fria
Ninguém quer tocar no assunto
Mas a marcha é explorar, descobrir, abandonar o antigo
E seguir a qualquer custo na disputa pra produzir mais
A política é a mesma
A política do faz de conta
Faz de conta que informa
Faz de conta que contrata
Faz de conta que prepara
Faz de conta que se importa
Faz de conta que é seguro
Faz de conta que é nosso
Mas era pra ser!
Era pra ser nosso!
Era pra primeirizar
Era pra ser seguro
Era pra valorizar
Mas quem se importa??
[13 de Março de 2014,
a caminho de Macaé]
* Viúva de Josevaldo Dias Sousa, um dos petroleiros mortos na P-36.