A informação vai muito além do que se vê na TV e se lê nos jornais

Alessandra Murteira*

Os veículos de comunicação de massa parecem que mandaram às favas definitivamente a ética e todas as normas de jornalismo que se ensina nas universidades. Além da espetacularização da notícia, através de coberturas esvaziadas e sensacionalistas, as redações do país instituíram de vez a nova ordem midiática dos últimos anos: primeiro, deve-se acusar e julgar e depois, se for conveniente ou não, investigar. Até as mais simples matérias informativas passaram a ter tratamento editorialista para tentar desqualificar o governo Lula. É o que o jornalista Luis Nassif denomina de “campanha sistemática de críticas, acusações e pré-julgamentos do governo, tentado instaurar um caos generalizado no país, que aponte como culpado o presidente Lula”. Em seu blog na Internet, o premiado comentarista econômico desvenda a intenção dos barões da imprensa: “Quando se cria essa zorra em que, aparentemente, nada funciona, a intenção não é resolver nada. Ao leitor, desnorteado por tantos problemas apresentados simultaneamente, sem nenhuma proposta de solução, a única alternativa que ocorre é mudar tudo. Como? Pedindo a cabeça do responsável maior pelo suposto caos: o Presidente da República”.

A manipulação da notícia

De um lado, a mídia desqualifica e encobre os fatos positivos, de outro, distorce e superdimensiona os acontecimentos negativos. A manipulação da informação tem por objetivo criar na opinião pública um sentimento de fragilidade, derrota, vergonha, inconformismo, revolta. “Há os veículos-âncora, que dão o tom e o toque. No momento, é o Jornal Nacional, jornal O Globo e a Veja. Depois, um subconjunto de grandes veículos que repercute: o Estadão e a Folha, que há alguns anos abriu mão de ser âncora para ir a reboque da Veja”, explica o jornalista Luis Nassif. “Parte relevante dos colunistas políticos, e até de Variedades, continua prisioneira da ‘síndrome da indignação’. É uma armadilha que sempre pega gente mais insegura. O sujeito quer se identificar com seu leitor. Para tanto, tem que demonstrar indignação, indignação e indignação. Não lhe ocorre trazer explicações, análises. Não existe nada mais fácil e demagógico do que a indignação reiterada”, comenta Nassif.

Lula é o culpado

Antes mesmo de investigarem as causas do acidente da TAM em Congonhas, os jornais, revistas, TVs e rádios foram unânimes no veredicto: Lula foi responsável por mais 200 mortes (além das vítimas do acidente com o avião da Gol).Enquanto a mídia especulava, a direita fazia de tudo para faturar politicamente a comoção que a tragédia causou no país. Durante duas semanas seguidas, jornalistas, cronistas, articulistas e todos os demais istas neoformadores de opinião pública viraram, da noite para o dia, especialistas em aviação. O noticiário se dividiu entre o acidente aéreo e os Jogos Pan Americanos, como se nada mais no país acontecesse ou tivesse relevância.

“O processo de seleção de notícias tem por trás ferramentas que podem ser usadas para distorcer uma cobertura jornalística. Quem está em casa vendo tevê, lendo jornal ou ouvindo rádio fica sem saber as notícias que não vão ao ar, não saem no jornal, nem são transmitidas pelo rádio. Seria interessante que alguém se dispusesse a estudar as notícias que não chegam ao público”, revela o jornalista Luiz Carlos Azenha, em seu blog Vi o Mundo. Ele vivenciou esse processo ao longo de mais de 10 anos de reportagens na TV Globo, onde pediu recentemente a antecipação do vencimento de seu contrato com a emissora.

”Os objetivos da mídia a gente já sabe: enfraquecer o Lula de olho nas eleições de 2008 e de 2010. É a única explicação razoável para tanto exagero, distorção, omissão e mentira. Estive envolvido de perto com a cobertura da política brasileira. Na minha opinião, tem sido um espetáculo da aplicação de dois pesos e duas medidas. Apesar da decepção causada aos eleitores do próprio PT e de ter adotado uma política econômica conservadora, Lula ameaça a hegemonia daqueles que se deram bem com a privataria, é vítima de ódio de classe e desprezado pela elite branca dos Jardins paulistanos e da faixa de terra que vai de Copacabana ao Leblon, no Rio de Janeiro”.

 

Mídia golpista

A mesma opinião é compartilhada pela socióloga Marilena Chauí, em entrevista ao jornalista Paulo Henrique Amorim, no blog Conversa Afiada: “A mídia e setores da oposição política ainda estão inconformados com a reeleição de Lula e farão durante o segundo mandato o que fizeram durante o primeiro, isto é, a tentativa contínua de um golpe de Estado… No dia seguinte às eleições, estava estampado nos jornais e nas TVs: o povo votou contra a opinião pública. Essa afirmação é o mais perfeito auto-retrato da mídia brasileira”.

 A atuação comprometedora da mídia a favor dos interesses econômicos da elite e do conservadorismo da direita não se restringe ao Brasil. Ao se contraporem aos governos de esquerda e progressistas da América Latina, os veículos de comunicação de massa tentam, mas não conseguem esconder o seu DNA golpista. “Os órgãos de imprensa pregaram as ditaduras militares no continente, foram seus instrumentos de divulgação, se calaram diante dos crimes com que esses regimes se afirmaram no poder e crêem no direito de julgar que governo é democrático ou não na América Latina”, ressalta o sociólogo Emir Sader, em artigo publicado pela Agência Carta Maior. “No Brasil, a Folha de São PauloO Globo, o Estado de São Paulo e a Veja são seus representantes mais evidentes. Todas empresas oligopólicas, de propriedade familiar, em que os filhos sucedem automaticamente aos pais na direção dos jornais, como se fossem fazendas ou heranças de casas. Todas comprometidas com o golpe militar de 1964, que destruiu a democracia e cometeu os maiores crimes contra o povo brasileiro”, afirma Sader.

 Democratização da comunicação

A democratização da comunicação de massa é o que de fato garante a preservação e o fortalecimento da democracia. “O que torna a mídia tão perigosa é a sua capacidade de andar de mãos dadas com o Estado, enquanto vende a imagem de neutralidade, objetividade e democracia”, afirma o jornalista José Arbex Jr. em seu livro Shownarlismo, a notícia como espetáculo. Os riscos à democracia aumentam consideravelmente quanto mais frágeis forem as instituições e quanto mais forte for o controle sobre o povo. Quando os interesses da mídia são de alguma forma ameaçados, a retaliação é imediata. Vide o que tem acontecido no Brasil, na Venezuela e na Bolívia, onde a principal pauta das TVs, rádios e jornais é promover o linchamento moral de presidentes eleitos democraticamente pelo povo. A mídia não aceita legitimar os seus mandatos.

Na Venezuela, a emissora RCTV apoiou e ajudou a executar o golpe que chegou a afastar do poder por alguns dias o presidente Hugo Chávez. A emissora, que não teve a sua concessão pública renovada, agora posa de vítima e acusa o presidente de autoritarismo e censura. Na Bolívia, Evo Morales também é boicotado e perseguido pela mídia inconformada de ter um presidente que contraria os interesses das grandes corporações.

As rádios e TVs abertas são concessão pública, devem ser fiscalizadas e atuarem em benefício do público e não do privado. O que acontece, no entanto, é o contrário. O monopólio da comunicação é formado por meia dúzia de grupos econômicos que atuam a favor do mercado, mas são sustentados em grande parte pelo Estado, através de recursos públicos e de uma ampla rede de infraestrutura. A luta pela democratização dos meios de comunicação é, portanto, fundamental e deve estar na ordem do dia, em todos os fóruns de discussão.

O governo Lula tem contribuído para o debate, com alguns projetos relevantes. É o caso da TV pública, da classificação indicativa da programação, da TV e da rádio digitais, do Conselho Nacional de Jornalismo (que foi abortado por imposição dos donos da informação), das políticas de inclusão digital, entre outras ações que sofrem violento ataque da mídia. Em outubro, começa o processo de renovação das concessões dos meios de comunicação brasileiros. Como vamos reagir? 

O que a mídia tem escondido

 

  • A crise no setor aéreo e o acidente com o avião da TAM estão diretamente relacionados à maximização do lucro. O primeiro mandamento da TAM é “Nada substitui o lucro”.
  • Os sucessivos acidentes da TAM nos últimos anos. Já são mais de dez desde 1996, três deles em Congonhas e um em Paris.
  • Os interesses econômicos e as pressões políticas que pairam sobre Congonhas e todo o seu entorno.
  • A concentração de vôos no Aeroporto de Congonhas e a liberação da pista para aviões do porte do Airbus A-320 ocorreram no governo FHC.
  • As agências reguladoras foram criadas no governo FHC para satisfazer o mercado e dar sustentação à privatização. Essas agências têm se revelado fiéis servidoras das empresas privadas, as quais deveriam fiscalizar e disciplinar. 
  •  Pesquisas dos institutos de opinião comprovam que a popularidade do presidente Lula não foi afetada após o acidente com o avião da TAM.

O que a mídia tem distorcido

 

  • No acidente com o avião da TAM, a empresa aérea não tem culpa, mas o piloto e o presidente Lula têm.
  • A crise aérea, adjetivada de apagão e caos, é culpa exclusiva do presidente Lula, assim como a manutenção precária dos aviões das companhias privadas, a venda de passagens acima da capacidade de assentos, os atrasos nos vôos, etc
  • As vaias para o presidente Lula não são da elite e sim do povo brasileiro.
  • O “Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros”, que ficou conhecido como o “Cansei” das dondocas paulistas, é um movimento de massa e totalmente apartidário, apesar de ter sido gestado, organizado e bancado pela elite e pelo empresariado de São Paulo, que apóiam e contribuem financeiramente com os políticos tucanos.
  • A corrida desenfreada do Brasil para ultrapassar a “decadente” Cuba no quadro de medalhas. A Folha de São Paulo chegou a noticiar no dia 30 de julho: “Alinhados políticos encolhem no quadro de medalhas da competição” A matéria da Folha começa assim: “Alinhados na política, Bolívia, Cuba e Venezuela encolheram no Pan do Rio. A Argentina, que tem uma certa afinidade com esses países, também encolheu”.
  • A deserção de três atletas cubanos e a partida da delegação de Cuba durante os jogos pan americanos. Os atletas cubanos não foram obrigados a abandonar às pressas os jogos como informou a mídia. Parte da delegação cubana partiu antes e o restante após o encerramento do evento. O Comitê Olímpico autorizou a dispensa da equipe cubana de vôlei masculino antes da cerimônia de recebimento da medalha de bronze porque os atletas viajariam em seguida para uma competição na Europa.

 Onde encontrar algumas das informações citadas nesta matéria

Observatório da Imprensa – www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br

Observatório do Direito à Comunicação www.direitoacomunicacao.org.br

Agência Carta Maior – www.agenciacartamaior.com.br

Blog do Luis Nassif – www.luisnassif.blig.ig.com.br

Blog Vi o Mundo, de Luiz Carlos Azenha – www.viomundo.globo.com

Blog Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorin – www.conversa-afiada.ig.com.br

 

* Assessora de imprensa da FUP (Federação Única dos Petroleiros).