A irracionalidade dos desinvestimentos da Petrobras

Rodrigo Pimentel Ferreira Leão e Cloviomar Cararine* 

 

Na quinta-feira 11, a Petrobras divulgou os resultados financeiros e operacionais do segundo trimestre de 2017. Embora os principais analistas tenham destacado a redução do lucro líquido motivada pelos itens extraordinários, principalmente os gastos tributários oriundos do Programa de Regularização Tributária, poucos tem observado a evolução dos resultados operacionais.

Esse aspecto da análise é fundamental, em vista da atual estratégia da companhia de venda de ativos e redução de investimentos. Em termos operacionais, a produção de petróleo e gás natural no segundo trimestre de 2017 em relação ao trimestre anterior caiu cerca 1%. Ainda que pareça pequena, é uma queda relevante, uma vez que a produção do pré-sal, entre março e junho deste ano, cresceu 12%.

Ou seja, há uma forte redução da produção dos campos maduros, tanto offshore quanto onshore. Ademais, a produção de derivados apresentou nova retração entre o primeiro e o segundo trimestre (volume de 1,798 milhão de barris/dia), patamar do primeiro trimestre de 2010.

Com isso, a taxa de utilização do parque de refino, em um ano, caiu de 84% para 77%. Isso, evidentemente, ocorre em paralelo com o ingresso das empresas importadoras de derivados de combustíveis no Brasil, o que levou ao aumento da importação em 33% somente nos primeiros seis meses deste ano. Sem dúvida, o novo cenário reflete a estratégia de desindustrialização da empresa, estimulando o aumento da concorrência e a perda de mercado, e a venda indiscriminada de ativos.

Sobre o primeiro ponto, a Petrobras tem direcionado fortemente sua atuação para a exploração e a venda de petróleo cru e abandonado as atividades de processamento para produção de derivados e de produtos químicos. No caso do refino, o diretor da Petrobras, Jorge Celestino, afirmou em junho passado que a empresa estudava formas de desinvestimentos a partir de modelos de negócios que abrangem tanto um conjunto de ativos quanto ativos isolados. “Está em fase avançada e será apreciado pela diretoria e pelo conselho de administração e posto em marcha para parceria”, afirmou.

Na prática, isso significa uma menor participação da Petrobras no refino e uma menor utilização das suas refinarias. Nesse sentido, observa-se, por um lado, tratativas para a venda de refinarias, como a RLAM na Bahia, e, por outro, uma forte retração da utilização do refino, como aponta o último balanço trimestral da companhia. No caso do setor petroquímico, a Petrobras anunciou sua saída deste segmento.

Em suma, a estatal deixa de ser a empresa integrada do “poço ao posto” para se tornar uma produtora e exportadora de petróleo cru, ou seja, uma empresa do “poço ao porto”.

Sobre o segundo ponto, os resultados financeiros têm apresentado progressiva melhora, principalmente na geração de caixa, e com poucos recursos originados da venda de ativos. Somente nos seis primeiros meses, a Petrobras gerou 22,7 bilhões de reais em caixa, montante 70% maior que no mesmo período do ano anterior. O EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) subiu 6%, a 44,3 bilhões de reais. Mesmo sem incorporar os valores das vendas de ativos e diminuir o ritmo de suas atividades produtivas, a Petrobras permanece como uma empresa financeira rentável.

Desse modo, a venda de ativos, principalmente da sua principal área de negócio, a exploração e produção (E&P), não parecem fazer sentido do ponto de vista operacional e, menos ainda, do financeiro. Recentemente foram colocados à venda 30 áreas produtoras que respondem por cerca de 70 mil barris de petróleo/dia. A se considerar o atual preço do barril (50 dólares), significa que a Petrobras está disposta a abrir mão de uma receita diária de 3,5 milhões de dólares.

Ainda que sejam áreas de produção declinantes, a empresa tem se mostrado capaz de ampliar a taxa de recuperação de petróleo de tais áreas por meio de técnicas de recuperação secundária de petróleo. O recage, programa da Petrobras de revitalização de campos com alto grau de exploração, vale-se de novas técnicas de injeção de água para recuperar um volume maior de petróleo. Muitas vezes esses empreendimentos desse tipo exigem um capex muito alto para outras companhias e, além do mais, permitem a geração de receita extraordinária para a própria Petrobras.

Em resumo, a melhora da situação financeira da companhia em um cenário de estagnação da produção de petróleo e gás natural, bem como do abandono de suas atividades industriais, comprova que a atual gestão perde uma grande oportunidade e precisa urgentemente mudar seu plano estratégico. Há possibilidade de acelerar a produção do pré-sal, manter os investimentos nos campos maduros e reforçar a atuação no refino, principalmente em mercados como o nordestino, carente de produção local de derivados.

Isso permitiria maior geração de receita para a Petrobras, ganhos de economia de escala e, principalmente, manutenção da soberania nacional no campo energético. Além disso, para o País, trata-se de uma importante oportunidade para a estatal contribuir na resolução de suas diferenças regionais e problemas históricos de desigualdades de renda.

 

*Rodrigo Pimentel Ferreira Leão é economista, mestre em desenvolvimento econômico (IE/UNICAMP). Foi gerente-executivo de planejamento da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros). Atualmente é um dos coordenadores do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas (GEEP) da FUP e pesquisador da Cátedra Celso Furtado/FESP-SP. Cloviomar Cararine é economista, técnico do DIEESE na subseção da FUP e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas (GEEP) da federação. / Publicado originalmente pela Carta Capital em 14/08/2017, em http://bit.ly/2i3B8Kf