A trans crucificada e a ofensiva conservadora

Rosane Bertotti*

Aconteceu no domingo (7) a 19ª edição da Parada LGBT da cidade de São Paulo. Ao contrário dos últimos anos em que, posteriormente a sua realização se estabelece o falso debate de quantas pessoas participaram do ato, o que virou motivo de discussão foi a performance realizada pela atriz Viviany Beleboni, que encenou uma crucificação para representar as LGBTs e, principalmente, travestis e transexuais que são assassinadas e crucificadas moralmente pela sociedade.

Assim que os meios de comunicação repercutiram a performance, alguns líderes religiosos e fundamentalistas correram para o Twitter e Facebook para revelar sua “indignação” perante à encenação e dizer que tal ato seria uma “blasfêmia”, um “desrespeito com a fé cristã”. Debates religiosos à parte, cabe lembrar que a crucificação era a pena capital utilizada pelo império Romano. Também vale lembrar que, geralmente, tal pena era aplicada àqueles sujeitos que eram rebeldes políticos e ousavam se levantar contra o despotismo romano.

No atual estado das coisas, a comunidade LGBT pode sim ser considerada rebelde política da sociedade, pois, apesar dos inúmeros assassinatos e agressões motivadas por discurso de ódio, o Congresso Nacional se recusa a debater a criminalização da homofobia, que hoje conta com o Projeto de Lei 7584/2014, de autoria da deputada federal Maria do Rosario (PT-RS), protocolado no fim da legislatura passada.

Porém, antes do PL da deputada Maria do Rosário, quem tentou, também, levar a discussão para o Congresso foi a ex-deputada federal Iara Bernardi (PT-SP), com o PLC 122/04, que tramitou durante dez anos, mas nunca foi discutido e, no ano passado, foi engavetado ao ser apensado à reforma do Código Penal. Apesar de todas as adversidades sócio-políticas, é um movimento que não deixa de ocupar as ruas e cada vez mais torna a sua incidência política mais forte.

Mas, o que devemos levantar aqui é o seguinte: a polêmica levantada por alguns líderes religiosos em torno da performance da atriz Viviany Beleboni é um falso debate que escamoteia o verdadeiro debate que envolve diretamente estes líderes: a utilização de concessão pública para rádio e televisão para disseminar discursos preconceituosos que vitaminam atitudes homofóbicas.

Pois, vale lembrar que os canais de TV e frequências de rádio são concessões públicas constitucionais, ou seja, todas devem ser pautadas pela promoção e defesa do Estado laico e da diversidade, marca do Brasil, país que historicamente acolhe povos do mundo inteiro com diversas manifestações culturais, religiosas e sexuais. Mas não é o que assistimos e ouvimos quando sintonizamos os programas destes líderes religiosos que, em sua maioria, utilizam concessões públicas para vender uma ideologia que visa impor uma única e irrestrita visão/ valor moral de sociedade.

A comunicação é um Direito Humano e não mercadológico. Este sim é o verdadeiro debate que temos que fazer e disputar no seio da sociedade.

Ofensiva conservadora

A falsa polêmica em torno da performance realizada durante a Parada LGBT da cidade de São Paulo também visa construir uma cortina de fumaça sobre outra questão a qual vivenciamos atualmente: uma ofensiva conservadora que consiste em uma aliança entre a bancada da bala, a bancada do boi e a bancada bíblica, tríade que hoje é conhecida com a “bancada BBB”.

A pauta LGBT é só mais uma que estes grupos, articulados nacionalmente, se organizam para derrubar no âmbito nacional, estadual e municipal. Não podemos esquecer que recentemente esta tríade conseguiu derrubar a obrigatoriedade dos alimentos transgênicos serem identificados, uma luta de décadas derrubada em questão de horas.

Mais recentemente, estes três grupos também impuseram aquela que pode ser a derrota mais amarga da classe trabalhadora: a aprovação do PL 4330, que visa destruir a CLT ao permitir a terceirização de todas as categorias trabalhistas, promovendo uma sociedade de “PJs”, onde os trabalhadores não terão mais direitos como férias e 13º salário. Sem contar a antirreforma política, que visa institucionalizar a prática do Caixa 2 ao tornar constitucional a contribuição financeira de empresas privadas a partidos políticos.

Outra questão articulada por este grupo, neste exato momento, é a redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos, que só vai resultar em mais punição para os jovens que vivem nas periferias do Brasil e superlotar ainda mais penitenciárias do Brasil. O que espanta é que, estudos realizados no mundo inteiro comprovam que a redução não resolve nada e, pasmem, países como o Estados Unidos, hoje estão debatendo o aumento da idade penal para os 18 anos. O que os jovens precisam é de mais escola, lazer e cultura.

E a “bancada BBB” não pretende parar por aí: no último dia 9 o deputado federal João Campos (PSDB-GO) entrou com representação no Ministério Público de São Paulo para que se investigue a performance da crucificação realizada durante a Parada LGBT da cidade de São Paulo… O parlamentar quer saber se houve “sarcasmo”. Na outra ponta, alguns deputados federais da bancada conservadora já estudam a construção de um Projeto de Lei que vise tornar crime a “cristofobia”.

Mas devemos perguntar: quantas pessoas sofrem ataques ou até mesmo morrem no Brasil por se declararem cristãs? E quantas pessoas são agredidas e ou morrem por serem LGBT? A resposta é de domínio público.

Nós, juntos com a CUT e outros movimentos sociais, somos contra esses ataques às minorias políticas, pois atentam contra os Direitos Humanos. Por conta disso e de outras questões é que defendemos a democratização dos meios de comunicação e a criminalização da homofobia.

 

Secretária Nacional de Comunicação da CUT