Aceleração da venda de refinarias impede debate sobre consequências, diz Deyvid Bacelar

por Deyvid Bacelar, publicado em Poder 360

 

O julgamento sobre a possibilidade de venda das refinarias da Petrobras sem autorização do Congresso, que ocorrerá no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta 4ª feira (30.set.2020), tem dividido especialistas do tema. De um lado, há um debate jurídico que trata da necessidade de o Congresso autorizar esse tipo de venda e, de outro lado, há um debate econômico sobre os ganhos com a privatização das refinarias.

No debate jurídico, o centro da discussão é se a criação das subsidiárias para a venda das refinarias seria uma forma da gestão da Petrobras dar celeridade ao processo de privatização, saltando etapas importantes da venda. No debate econômico, a análise se concentra nos impactos para o endividamento da Petrobras e para a sociedade, em termos de redução de preços e ganhos de eficiência de mercado.

Aqueles que defendem a alienação das refinarias da Petrobras argumentam que a criação de subsidiárias não altera em nada o processo de venda. Todavia, esses especialistas omitem que a decisão do STF, ocorrida em 6 de junho de 2019, assentou que a alienação de empresas-matrizes das empresas estatais só pode ser realizada com autorização do Parlamento, e desde que precedida de licitação. Ou seja, caso as subsidiárias não fossem criadas, a venda das refinarias teria de passar, obrigatoriamente, pelo Congresso e pelo Senado. Isso sem se esquecer que o refino ainda é um monopólio da União, e sua venda deveria ter o aval da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

A necessidade de passar pelo Congresso, do nosso ponto de vista, é fundamental, porque fortalece o debate público de uma empresa estatal, na qual, segundo a última pesquisa do DataFolha, no final de 2019, a maior parte da população (65%) é contrária à sua privatização.

Embora não caracterize a privatização completa da Petrobras, a venda de metade do parque do refino reconfigura de maneira decisiva o foco de atuação da petrolífera brasileira. Antes uma empresa com forte integração nas atividades upstream e downstram e de outras fontes de energia, incluindo as renováveis, agora se tornará definitivamente uma companhia fortemente concentrada em exploração e produção.

A Petrobras tem um papel muito importante no desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico do país. Por isso, mudanças estratégicas dessa magnitude precisam ter a validação do Congresso Nacional, mandatado para representar a soberania popular.

A petrolífera brasileira, atuando como empresa integrada, foi a grande responsável pelos investimentos nos ativos que criaram as oportunidades que hoje estão sendo disputadas pelos atores privados e internacionais do setor. Como se sabe, é fácil demandar os retornos da concorrência depois que o mercado já foi criado; difícil é assumir os riscos empresariais quando o mercado ainda está por ser construído.

A privatização do refino promove e acelera a descaracterização da Petrobras, que deixa de ser uma indústria nacional e integrada de transformação e corre o risco de passar a ser apenas uma indústria regional e enxuta extrativa.

Um dos aspectos sempre mencionados pelos analistas favoráveis à venda das refinarias é a possibilidade de redução da dívida da Petrobras. Na realidade, esse argumento tem o “outro lado” da moeda que, na maior parte das vezes, não é mencionado.

São ativos como as refinarias que gerarão receitas futuras para a Petrobras e permitirão que a empresa realize investimentos no longo prazo. Segundo um estudo do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), em 2018 e 2019, as refinarias do Nordeste – Landulpho Alves (RLAM) e Abreu e Lima (Rnest) – geraram mais de R$ 5 bilhões de receita operacional para a Petrobras. Ou seja, embora a venda de ativos forneça recursos imediatos para a estatal, esse processo limitará a geração de caixa futuro.

Além do mais, nos momentos de queda do preço do petróleo, é exatamente a atividade de refino que permite as grandes petrolíferas a atenuarem perdas com o segmento de exploração e produção. Aliás, cabe ressaltar que, na crise do coronavírus, a exportação de derivados, principalmente do óleo combustível marítimo, produzidos nessas duas refinarias foi fundamental para a Petrobras reduzir os impactos negativos da queda de demanda.

No primeiro trimestre de 2020, por exemplo, o crescimento das receitas de vendas com as exportações de óleo cru e derivados foi fundamental para a Petrobras alcançar bons resultados operacionais. As receitas com exportações de derivados cresceram 113,5% no primeiro trimestre de 2020 em relação ao mesmo período de 2019, de acordo com levantamento do Ineep.

Junto à questão da dívida e da baixa rentabilidade do refino, os especialistas favoráveis à venda argumentam que a transferência do patrimônio da Petrobras para o setor privado resultaria numa maior eficiência de mercado e em queda de preços. Todavia, estudos realizados até o momento apontam para uma tendência inversa.

Um recente documento produzido por engenheiros da PUC-Rio mostrou que a venda das oito refinarias gerará, na maioria dos casos, a formação de monopólios regionais. Isso evidentemente impedirá a formação de um mercado mais competitivo nas regiões onde as refinarias serão privatizadas.

Adicionalmente, o Ineep elaborou uma análise demonstrando que as unidades de processamento da Petrobras têm perfis de especialização bastante distintos, ou seja, cada refinaria é especializada em alguns tipos de derivados. Isso também dificultaria a concorrência entre elas. Um exemplo: a Lubnor, no Ceará, tem uma elevada concentração da produção de asfalto, enquanto a Rnest em óleo diesel. Isso impediria que ambas as refinarias concorressem entre si.

Por fim, uma matéria publicada pelo jornal “O Estado de São Paulo”, as lembra que “a venda de metade do parque de refino da Petrobrás pode provocar ‘apagões’ temporários de combustíveis líquidos, como gasolina e óleo diesel, em algumas regiões do País, segundo especialistas que acompanham as mudanças no setor. (…) Com a alienação de oito das treze refinarias estatais, a companhia petrolífera passa a ser apenas mais um agente do setor e deixa de responder pela coordenação do mercado”. Essa ausência de coordenação pode gerar apagões pontuais nas regiões que terão as refinarias vendidas para a iniciativa privada.

Por todos esses motivos, do nosso ponto de vista, a venda das refinarias necessita ser discutida em todos os poderes da União, não apenas no Executivo e nem tão somente na Petrobras. Os impactos econômicos, jurídicos e a própria característica da empresa – uma estatal – demandam uma ampliação dos debates. Diante do que pesquisas já comprovaram, que a maioria da população é contrária à privatização da Petrobras, seria ainda mais correto a promoção de um plebiscito para aferir a opinião da sociedade brasileira. De certa forma, a tentativa de acelerar e “pular” etapas para a venda impede esse exercício tão importante numa democracia.