Acionistas vão bem, já os consumidores…

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William Nozaki*

 

A Petrobras, como empresa estatal de capital misto e aberto, tem dupla missão: participar do esforço pela segurança energética do país garantindo produção, abastecimento e acesso de petróleo e derivados para o mercado interno, além de assegurar lucros e distribuição de dividendos ao conjunto dos seus acionistas. A boa governança depende do equilíbrio nessa sensível balança. Entretanto, na atual gestão esses pratos têm permanecido em flagrante assimetria.

 

A combinação entre o aumento de dividendos aos acionistas e a elevação no preço dos combustíveis para o consumidor final tem marcado o governo Bolsonaro. Em 2021, a petrolífera distribuiu R$ 63,4 bilhões em dividendos, mas os consumidores foram impactados com uma inflação acumulada de 47% no preço da gasolina, 46% no diesel e 36% no gás. Os acionistas nunca receberam tanto, e os consumidores de combustíveis nunca perderam tanto num ano.

 

Acionistas vão bem, já os consumidores

Sede da Petrobras, no Rio. Foto: Agência Brasil.

Há uma relação diretamente proporcional entre os lucros e dividendos da Petrobras, de um lado, e a inflação de combustíveis e energia, de outro. A atual gestão da Petrobras leva a cabo um plano de negócios e gestão que busca converter a empresa em mera produtora e exportadora de óleo cru, abrindo mão de agregar valor em derivados. Por conta disso, está reduzindo sua atuação no refino, mantendo capacidade ociosa e vendendo refinarias. E se desfazendo de sua atuação na distribuição, com a venda da Liquigás e da participação acionária na BR Distribuidora.

 

Com essa decisão, o país amplia sua dependência da importação de derivados, como diesel, gasolina e gás, e sofre as pressões para que o preço permaneça internacionalizado e dolarizado. O resultado: os acionistas vão bem, mas os consumidores do país vão mal.

 

O atual plano estratégico da empresa sinaliza manter a PPI e vislumbra que, nos próximos quatro anos, entre 2022-2026, serão pagos mais dividendos, cerca de US$ 70 bilhões, do que realizados investimentos, cerca de US$ 60 bilhões.

 

A atual gestão da Petrobras presta um desserviço efetivo à sociedade ao escamotear esse debate, lavando as mãos e eximindo-se de sua responsabilidade. Para atingir esse objetivo, há um enorme esforço de marketing apontando as contribuições da estatal para a sociedade em projetos socioambientais, culturais e esportivos. Todo esse esforço esconde a redução da atuação da Petrobras em diversos segmentos nos últimos anos.

 

De 2015 até 2020, os investimentos socioambientais, culturais e esportivos da empresa declinaram mais de quatro vezes, saindo de R$ 496 milhões para R$ 112 milhões. Somente no segmento cultural, os recursos destinados caíram de R$ 139 milhões para R$ 18 milhões no mesmo período. Inúmeros projetos foram cortados. Esse encolhimento de quatro vezes é proporcional à perda de importância que a sociedade — o principal acionista ordinário — teve para a companhia.

 

Cabe ressaltar ainda o pífio esforço da companhia no objetivo, um dos mais importantes para uma parcela significativa da sociedade, de garantir energia limpa. Recentemente, na divulgação de seu plano estratégico, a Petrobras anunciou que pretende investir US$ 2,8 bilhões em energia limpa até 2025. No mesmo período, a francesa TotalEnergies almeja investir cinco vezes mais do que esse montante, chegando até US$ 15 bilhões. A Petrobras é uma empresa cada vez mais menos ousada socialmente e ambientalmente.

 

Ao contrário do que sugere o atual presidente, para que a empresa volte a contribuir efetivamente para a sociedade e o desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico brasileiro, é necessária a revisão dos elementos que têm provocado a inflação de combustíveis, um dos problemas que mais afligem a população.


Artigo publicado originalmente no O Globo.

* Bacharel em ciências sociais (FFLCH-USP), mestre e doutorando em Desenvolvimento Econômico (IE-Unicamp); Diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos em Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep).