Vitor Menezes / Imprensa do NF – Tudo começou quando a prática já era questionável mas a palavra até fazia algum sentido: afretamento. No início, há várias décadas, era de navios para transportar o petróleo que a Petrobrás produzia. Um frete, portanto. Em anos recentes, no entanto, tanto a prática quanto o nome não fazem mais sentido. Começou-se a “afretar” até plataformas para produzir petróleo. O coordenador geral do Sindipetro-NF, Sérgio Borges, prefere chamar de outro modo: terceirização da atividade fim.
Nesta entrevista, que abre uma série de matérias da Imprensa do NF sobre os impactos nocivos do afretamento, Borges explica o que o movimento sindical petroleiro tem feito sobre este tema e porque ele deve ser priorizado pelos trabalhadores e pelos governos. Confira:
Imprensa do NF – Como o Sindipetro-NF debate a questão dos afretamentos? O que a entidade já fez em relação ao tema?
Sérgio Borges – A gente entende os afretamentos desde a sua origem como um processo de terceirização da atividade fim da Petrobrás. Para a gente, afretar é terceirizar o principal negócio da companhia que é operação e exploração de petróleo. Não tem como, na nossa visão isso é um desvio muito grande da companhia, um verdadeiro absurdo sob o ponto de vista estratégico a empresa entregar o seu negócio para que outras empresas toquem. É como se uma empresa de construção de veículos, a Volkswagen, a GM ou a Ford, contratasse uma outra empresa para fabricar o próprio carro dela. Não faz sentido nenhum. Essa questão do afretamento é terceirização na veia. E a gente tem feito uma série de ações políticas, muitas manifestações, contra essa política de afretamentos. Levamos essa pauta para todos os atos que a gente participa, plenárias, para a gente estar sempre debatendo estratégias de como combater esse afretamento através de mobilização política. Também entramos com ações na Justiça contra o afretamento e, recentemente, a partir da eleição do presidente Lula temos feito algumas articulações políticas para sensibilizar o governo federal a respeito da pauta, mostrando o quanto é prejudicial o afretamento por essa questão da terceirização da atividade fim.
Imprensa do NF – Uma destas iniciativas, a do envolvimento das prefeituras da região, tem surtido efeito? Você avalia que as prefeituras da região estão conscientes da urgência do tema?
Sérgio Borges – Foi tentado. Teve uma iniciativa aqui do Sindipetro-NF de procurar as prefeituras locais, as prefeituras afetadas aqui no estado do Rio de Janeiro, através da Ompetro [Organização dos Municípios Produtores de Petróleo], onde a gente pautou a necessidade de discutir um pouco mais essa questão do afretamento, tendo em vista o impacto que isso tem sobre o recebimento dos royalties para as prefeituras. Infelizmente isso não avançou muito. Vou procurar entender direito o que aconteceu. Mas a primeira impressão que eu tenho é que os prefeitos não se sensibilizaram porque não estão tão cientes do impacto que isso tem no recebimento de royalties, que impacta diretamente nos orçamentos das prefeituras. Eles estão preocupados com outras questões. De qualquer maneira é um tema que vou voltar a abordar, só que agora envolvendo um pouco mais a sociedade. A gente vai pautar os prefeitos, mas envolvendo um processo de mobilização. Porque aí a gente pauta a Ompetro e dá ciência à população de que o prefeito precisa se mexer para que o resultado chegue. Para isso a gente precisa também explicar, de forma um pouco mais objetiva, como que a população vai ser impactada positivamente caso essa política de afretamento venha a cair, e negativamente caso a Petrobrás insista em só aprovar, daqui pra frente, investimentos afretados. Eu acredito que tenha espaço ainda para avançar nessa articulação com os prefeitos, porque a curva de produção aqui no Rio de Janeiro tem se concentrado cada vez mais na Bacia de Santos, Niterói, Maricá, então os prefeitos aqui do Norte Fluminense têm recebido cada vez menos participação dos royalties. Então sensibilizá-los neste momento pode ajudar nessa luta nossa de combate ao afretamento e pelo retorno dos investimentos da Petrobrás na região.
Imprensa do NF – E por que o afretamento é ruim para os trabalhadores?
Sérgio Borges – Porque quando você terceiriza, você precariza a relação de trabalho. Uma plataforma da Petrobrás geralmente trabalha com um nível salarial mais alto, um nível de benefícios melhores, um nível de segurança mais alto, com padrões e protocolos de segurança mais apurados, você tem requisitos de contratação que conseguem dar um pouco mais de dignidade ao pessoal do Setor Privado e quando você passa isso para uma plataforma afretada você geralmente reduz a quantidade de trabalhadores a bordo, ou seja, afeta também a geração de empregos diretos, o efetivo das plataformas afretadas é bem menor do que o efetivo de uma plataforma própria, você tem acúmulo de função e sobrecarga de trabalho para os trabalhadores que ficam. Então um operador começa a ter que dar manutenção, ter que pintar e limpar a área, geralmente os trabalhadores acumulam muitas funções, o que sobrecarrega os trabalhadores, faz com que exerçam funções para as quais não são treinados. E você tem, com isso, benefícios menores ou faltando e o nível salarial mais baixo. Fora que o processo de mobilização e organização dos trabalhadores numa plataforma afretada tem um grau maior de dificuldade, porque até agora a gente não conseguiu resolver a questão da representação dessas plataformas. É um ponto que está pegando e que a gente precisa se debruçar sobre ele.
Quais são os impactos do afretamento a médio e longo prazos?
Sérgio Borges – Alguns deles já comentei nas respostas anteriores, a questão da precarização do trabalho em todos os seus aspectos, seja na remuneração mais baixa, ou nos benefícios, a saúde e segurança dos trabalhadores, porque são plataformas um pouco mais precárias, sobrecarga e acúmulo de função, e, para fora e para a economia, você tem uma redução dos investimentos, são plataformas que requerem investimentos menores, queda de geração de emprego. E na maioria das vezes são empresas que não têm a responsabilidade social e ambiental que a própria Petrobrás tem com relação à sociedade no entorno da qual está inserida. São vários impactos. A produção também é reduzida porque os investimentos são menores. São produções menores por menor tempo, o que impacta na receita royalties e participações especiais do petróleo, o que afeta as prefeituras e o estado como um todo.
Quais os próximos passos jurídicos e políticos a serem tomados para resistir aos afretamentos?
Sérgio Borges – A gente vai ter que rever toda essa política de enfrentamento ao afretamento. Devem sair algumas campanhas que a gente vai fazer de conscientização para todas as partes envolvidas, sejam os trabalhadores, seja a Petrobrás, o Governo Federal, a sociedade do entorno, precisam estar cientes do que é o afretamento e qual o seu custo político e econômico, financeiro que isso tem para toda a sociedade. Isso se faz por meio de uma campanha de conscientização direcionada. Convencer a população é diferente de convencer os trabalhadores que é diferente de convencer um prefeito ou um ministro. Temos também que analisar uma estratégia jurídica junto ao corpo jurídico especializado em direito empresarial, envolvendo essas leis das estatais e do petróleo, o quanto a Petrobrás pode ou não fazer. E tem uma questão política, que eu acho que a gente tem a maior chance de sucesso, com mobilização que envolve muito a capacidade do sindicato de estar o povo em prol da luta, e tem a política de articulação, que também envolve a capacidade do sindicato de articular com o Governo Federal e os atores necessários para que a gente consiga reverter esse quadro que a Petrobrás vem adotando nos últimos anos. Vai ter um debate na Diretoria Colegiada que deve seguir com novos encaminhamentos para priorizar essa luta.