Manobra de representantes das confederações patronais e dos parlamentares da base aliada do governo Michel Temer levou à retomada da tramitação de um projeto de lei que está há 18 anos no Congresso Nacional e que, caso venha a ser aprovado, permitirá a terceirização de serviços em todos os setores e atividades. O texto é o PL 4.302, de 1998, que estava parado na Câmara, em função de um outro projeto sobre o tema se encontrar em apreciação no Senado – o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 30/15.
Na última quinta-feira (17), o relator da matéria, deputado Laércio Oliveira (SD-SE), apresentou parecer sobre a proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Após a votação desse relatório pela CCJ, que ainda não aconteceu, o texto poderá seguir direto para votação no plenário da Casa.
Caso seja aprovado, o PL será encaminhado para sanção presidencial, o que afeta a tramitação do PLC 30, cujo parecer está previsto para ser apresentado amanhã (23) no Senado pelo relator, senador Paulo Paim (PT-RS). A votação no plenário do Senado, se for mesmo votado o relatório de Paim, está prevista para quinta-feira (24), mas também pode ser adiada para a próxima semana.
A manobra é simples e passou pelo apoio da diretoria geral da Câmara. O PL 4.302 é considerado uma proposta que atende diretamente ao interesse das confederações patronais. Enquanto o PLC 30, que embora tenha sido resultado de várias alterações durante sua votação na Câmara e desagradado aos trabalhadores, tramita no Senado em meio a debates com centrais sindicais e demais entidades. E tem como relator um senador que tem origem no sindicalismo, que já anunciou que vai pedir a sua rejeição.
Já o texto que está sendo retomado e levou a toda essa confusão foi apresentado no governo Fernando Henrique Cardoso. Foi relatado na Comissão de Trabalho, Administração e de Serviço Público (Ctasp) pelo então deputado Sandro Mabel, que hoje é assessor especial do presidente Michel Temer, no Palácio do Planalto.
O deputado Laércio Oliveira foi designado como relator da matéria na CCJ quase um ano atrás, em 26 de novembro. Como o PL está no fim da tramitação na CCJ e já chegou à Casa depois de ter passado pelo Senado, não pode mais ser modificado: ou é rejeitado pelos deputados ou aprovado. E, claro, Oliveira deu parecer pela aprovação da matéria.
O deputado, que atualmente acumula a função legislativa com a de vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), fez tudo para que a elaboração do seu parecer circulasse na surdina. No relatório, ele autoriza o que chama de “terceirização plena”. Ao ser questionado, ele repetiu o discurso usado anteriormente pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela CNC de que o objetivo é “reduzir a insegurança jurídica existente hoje nas empresas em relação aos trabalhadores terceirizados”.
Esse texto chegou a ir ao plenário da Câmara em 2003, mas a votação foi deixada de lado no início do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio de um decreto presidencial encaminhado ao Congresso que pedia a sua retirada de pauta. O intuito do decreto era deixá-lo de lado para ser arquivado e permitir a consequente apresentação do projeto sobre o tema que foi aprovado na Câmara e está agora no Senado.
Mas por meio de uma articulação dos representantes do patronato, o PL voltou a tramitar depois que se descobriu que a mensagem presidencial de Lula pedindo o seu arquivamento nunca chegou a ser colocada em votação pelos presidentes da Câmara nem do Senado, desde então. Como não foi arquivado oficialmente, apenas deixado de lado, o texto pôde ter retomada sua apreciação.
Itens negociados
O projeto que está no Senado, embora fortemente criticado, tem alguns itens já negociados que nem o PL 4.302 nem o parecer de Laércio Oliveira abordam. É o caso, por exemplo, da exigência de ser cumprido período de “quarentena” entre a demissão de um funcionário no regime de CLT e a contratação deste funcionário como pessoa jurídica (PJ).
O PLC em tramitação no Senado também destaca a importância do recolhimento antecipado de parte dos encargos trabalhistas, com responsabilidade solidária da empresa contratante se estes não forem pagos, e a representação pelo sindicato da categoria – outra questão deixada de lado no projeto que está na Câmara.
Conforme avaliação do Dieese, em estudo elaborado na época de apresentação da matéria, o PL significa “maior incidência do trabalho temporário”, o que já é considerado uma forma de precarização do trabalho no país.
Entre as críticas técnicas feitas ao texto estão: a ausência de regras para evitar possíveis calotes por parte das empresas e, também, de normas que tentem reduzir a criação de empresas por trabalhadores – a chamada “pejotização”, nos casos em que os empregados são demitidos e recontratados como pessoa jurídica – quando deixam de ter direito a férias e 13º salário.
Na opinião de técnicos do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), como Neuriberg Dias, caso o PL seja aprovado no plenário da Câmara, terá impacto em milhares de ações judiciais. Neuriberg prevê que o governo Temer tem uma relação mais próxima com o empresariado e tende a apoiar o projeto.
Mobilização de centrais
No Senado, o presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL), confirmou esta tarde a inclusão do projeto que está na Casa na pauta do plenário de quinta-feira, caso o parecer de Paim seja apresentado e lido amanhã. Paim, que realizou audiências públicas em todas as unidades da federação para discutir o tema, disse que rejeitará o texto da forma como se encontra.
“Os dados apontam que esse segmento lidera acidentes de trabalho, com mortes e sequelas. O terceirizado não tem direito a higiene, ganha metade do que ganha o trabalhador da empresa matriz, não tem direito ao mesmo vale-transporte. É essa a realidade que nós estamos combatendo”, afirmou o senador.
Representantes de centrais sindicais combinaram de vir a Brasília para discutir com o senador sobre o relatório e também com Renan Calheiros. A intenção deles é adiar a votação da matéria no Senado, que corre o risco de, mesmo com a rejeição do relator, vir a ser aprovada. Mas mesmo que o parecer de Paim seja rejeitado, daqui por diante os defensores dos trabalhadores têm mais uma ameaça em relação à questão.
“Fomos informados que o governo Temer tentaria votar a terceirização para atividade- fim antes do final do ano”, contou a secretária de Relações do Trabalho da CUT, Maria das Graças Costa. Segundo a dirigente, o ritmo acelerado de votações é uma maneira de o Executivo evitar mobilizações populares contra a retirada de direitos dos brasileiros. Por causa disso, representantes do chamado Fórum Nacional em Defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização vão visitar os senadores e cobrar deles a rejeição ao PLC