Rosane Silva*
Em setembro de 2013, a Plenária Nacional dos Movimentos Sociais aprovou a realização de um plebiscito popular cuja pergunta será “Você é a favor de uma constituinte exclusiva e soberana sobre o sistema político?”.
O plebiscito é uma forma de garantir que a participação e a opinião popular sejam levadas em consideração para além das eleições que ocorrem de 4 em 4 anos. Nesse sentido, o plebiscito popular é um instrumento que permite que os cidadãos e as cidadãs opinem e decidam sobre temas de interesse de todos e todas.
Nossa proposta é que nesse plebiscito seja realizada uma Constituinte, ou seja, uma assembleia para a qual escolheremos representantes que irão definir e modificar, exclusivamente, as regras e funcionamento do nosso sistema político.
Com a realização de uma Constituinte Exclusiva e Soberana teremos a oportunidade para transformar a política brasileira. Atualmente, nosso sistema político é dependente e serve as elites econômicas de nosso país.
As mulheres e o Estado: pautar a atuação das mulheres no espaço público
Nosso Estado é liberal e patriarcal. Liberal, pois se estrutura a partir da lógica de que o mercado é a esfera prioritária das relações sociais, invisibilizando o espaço privado e de reprodução da vida. Patriarcal, na medida em que parte do pressuposto que há um antagonismo entre homens e mulheres e uma superioridade masculina.
A estruturação do Estado não apenas separa os espaços de homens e mulheres entre público e privado, como também hierarquiza as relações, em que as mulheres devem tornar-se subalternas aos homens. Isso significa que nossa atuação no espaço público, da política e do mercado, foi ocupada e somente reconhecida a partir de muita luta das mulheres. Lembremos que na maioria dos países as mulheres só conquistaram o direito ao voto durante o século XX e a partir de mobilizações e passeatas.
Ainda que tenhamos ampliado nossa presença no mercado de trabalho, ainda recebemos menos que os homens exercendo as mesmas tarefas, mesmo as mulheres conquistando uma maior escolaridade em relação aos homens. As mulheres assumiram a Presidência da República de diversos países, porém o espaço privado e da família é ainda considerado como local prioritário e exclusivo das mulheres, recaindo sobre nós as responsabilidades domésticas da limpeza, alimentação, e o cuidado com as crianças, doentes e idosos. Todavia, falta o reconhecimento por parte do Estado de toda a nossa carga de trabalho e dedicação à manutenção e reprodução da vida, assim como o compartilhamento dessas tarefas com os homens.
Seja pela ausência de mais canais diretos de participação e consulta popular, ou pela pouca presença das mulheres em nosso Parlamento, o fato é que mesmo sendo indispensáveis para as tarefas do lar e do cuidado, continuamos excluídas da possibilidade de tomar decisões políticas. A ausência das mulheres nos espaços de poder significa que os homens conduzem as políticas e tomam decisões nas questões pertinentes a vida das mulheres.
Mudar o sistema eleitoral: mais mulheres nos representando
Em 2010 elegemos 594 representantes no Congresso Nacional (513 deputados e 81 senadores). Destes 273 são empresários, 160 fazem parte da bancada ruralista, 66 da bancada evangélica e apenas 91 são considerados/as representantes dos e das trabalhadoras. Nos chama a atenção o fato de que, mesmo sendo a maioria da população, os e as trabalhadoras estejam sub-representados no parlamento.
Na Câmara dos Deputados as mulheres ocupam apenas 9% das cadeiras e no Senado 12%. Nas eleições municipais de 2012 apenas 12% das vagas disputadas foram ocupadas por mulheres.
Precisamos mudar o sistema eleitoral brasileiro para que tenhamos um parlamento capaz de representar os anseios e demandas da classe trabalhadora. E se nós, mulheres, somos mais da metade da população brasileira temos que ter condições reais para garantir nossa representatividade no Parlamento.
A CUT defende que tenhamos financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais. Em 2010, 91% dos recursos para a campanha eleitoral vieram de empresas, fato que leva candidatos e candidatas a se aproximarem de empresários e se distanciarem das demandas do povo.
Nesse aspecto, o financiamento público de campanha garante a igualdade de acesso aos recursos financeiros entre homens e mulheres no momento de fazer a campanha política eleitoral, algo que não interessa às empresas, que preferem financiar homens e brancos.
Projeto coletivo versus projeto privado
No atual sistema eleitoral brasileiro votamos nominalmente, ou seja, num indivíduo, tornando a disputa muito mais centrada em propostas individuais ao invés de serem pautadas por projetos coletivos.
Nossa proposta é o “voto em lista fechada”, o que significa que os partidos realizam uma lista de candidatos dispostos a defender o mesmo projeto político, e assim a população vota num programa de governo e não em pessoas.
Para as mulheres essa proposta só faz sentido se houver paridade nas listas. Ou seja, metade dos candidatos são homens e outra metade é composta por mulheres. Ainda: a lista deve ter alternância de sexo, se o primeiro da lista fechada for um homem, a próxima será uma mulher e assim por diante.
Mulheres em todos os espaços
O “Plebiscito Popular por uma Constituinte Soberana e Exclusiva” é uma ação da qual devemos participar, colocando nossa visão sobre o Estado que queremos. Só teremos democracia representativa quando houver igualdade na participação entre homens e mulheres nos postos de poder e decisão.
Essa será uma importante conquista, mas mesmo assumindo as tarefas legislativas e executivas em nosso país, continuaremos denunciando o machismo toda vez que formos rotuladas pela maneira como nos vestimos ou pelo corte de cabelo, e até mesmo com quem nos relacionamos afetivamente, em detrimento de nossa atuação política.
Precisamos atuar em todos os espaços para defender os nossos territórios levando em conta os bens comuns como a moradia, água e a terra. Somos nós, mulheres, que devemos estar à frente das decisões referentes à nossa vida sexual e reprodutiva, construindo e propondo políticas que levem em conta a autonomia sobre nossos corpos e uma saúde integral e pública, defendendo o aborto legal e seguro. Assim como, queremos ter representantes que reconheçam que a luta por creches e a garantia de uma educação infantil para nossos filhos, é uma política pública essencial e determinante para a autonomia das mulheres, portanto uma luta de todas as mulheres.
Queremos um Estado forte com investimentos em políticas públicas que possibilitem o rompimento com o machismo e o patriarcado, que reconheça nossas atividades para o bem estar de todos, e exigimos o compartilhamento das tarefas domésticas e familiares.
Se queremos construir uma sociedade justa, igualitária, livre dos preconceitos e discriminações, devemos nos engajar com muita determinação, garra e feminismo neste processo de construção do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva para mudar o sistema político brasileiro, pois teremos a oportunidade de dialogar com as mulheres trabalhadoras sobre qual projeto de sociedade queremos e acreditamos que é possível construir.Mulheres trabalhadoras, neste 8 de março vamos reforçar nossa luta dizendo que o espaço público é o nosso lugar!
* Secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT. Publicado originalmente em www.cut.org.br.