“Assentamento do MST em Macaé (RJ) se opõe à ‘terra atrasada’ Bolsonaro”, aponta advogada

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou na última quarta-feira (8) a decisão do ministro Humberto Martins, que em dezembro do ano passado suspendeu a expulsão de mais de 60 famílias que promovem o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Osvaldo de Oliveira, em Macaé, no estado do Rio de Janeiro.

Em entrevista ao Brasil de Fato, a advogada Fernanda Vieira, do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular (NAJUP) Luiza Mahin, fez críticas à condução do julgamento anterior que pretendeu expulsar as famílias da área. Ela também argumentou que o projeto é a prova de que é possível produzir alimentos de forma sustentável e fora da lógica destruidora que vem tomando o país no governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

“O PDS é uma conquista para toda a sociedade porque ele se contrapõe a esse modelo de terra arrasada. Ele é uma vitória nesse grande embate em que o outro lado quer a todo custo eliminar as florestas por não haver nenhum reconhecimento do valor delas”, comenta a advogada que enumerou na entrevista as próximas etapas do processo. Confira.

Brasil de Fato: Você pode refazer o histórico das decisões judiciais nos últimos meses?

Fernanda Vieira: A ex-proprietária da área, a empresa Campos Difusora, agravou da decisão do presidente do STJ, Humberto Martins, que no final do ano passado compreendeu que havia muitos motivos para suspender a reintegração de posse. Primeiro porque havia um voto divergente que alertava para aquilo que chamamos de “extra petita” (quando o juiz concede algo diferente do que foi pedido originalmente pelo autor da ação).

Ou seja, ao determinar a expulsão das famílias, o desembargador Marcelo Pereira da Silva, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), argumentou que elas não poderiam continuar ali porque aquele local não apresentava condições ambientais.

E onde estaria o problema dessa decisão do desembargador do TRF-2?

Esse não era o pedido do Ministério Público Federal [MPF]. Ao entrar com essa ação civil pública, o MPF queria apenas que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária [Incra] apresentasse qual seria a configuração do assentamento que pudesse respeitar a questão ambiental.

E é justamente essa a modalidade de PDS, é o primeiro do Rio de Janeiro com território em um estado marcadamente degradado ambientalmente. Então, no voto divergente, no TRF, a juíza federal Helena Elias Pinto afirmou que isso não estava no pedido original.

O que aconteceu a partir daí?

Nos nossos recursos, colocamos a nulidade desse processo decisório. Há diversas decisões no STJ e no Superior Tribunal Federal (STF) colocando em questão essas decisões “ultra petita” (quando o juiz decide para além daquilo que foi pedido) e “extra petita” (quando o juiz aprecia pedido fora daquilo que foi pedido na ação).

Então, isso fez com que as famílias permanecessem, quando a Campos Difusora pressupunha já no ano passado expulsá-las. E há muitas razões para elas permanecerem. Fora as questões que relatei no processo, não se reconhece que em tempos de uma pandemia tão grave se decida expulsar famílias.

Qual é a dimensão dessa decisão para o PDS?

Essa decisão é bem importante para o PDS. Ainda não acessamos as motivações do STJ porque os votos ainda não foram disponibilizados. Mas podemos afirmar que um elemento fundamental que sustentou a decisão do ministro Humberto Martins, em dezembro do ano passado, foi ter reconhecido que ali estão famílias que produzem e produzem há muito tempo.

A Campos Difusora e o desembargador Marcelo Pereira da Silva apontaram que não produz, que é favela, inclusive com um olhar preconceituoso, dentro de uma lógica hegemônica, branca e urbana que não consegue compreender a relevância da produção social e cultural de uma favela.

São posições divergentes que demonstram o embate do qual você fala.

No contexto dessas duas narrativas conflitantes, a decisão de Martins reconhece que existe produção ali. O PDS alimenta escolas, já ganhou uma licitação no Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). O órgão especial do STJ é composto pelos 15 ministros mais antigos da Corte. Eles decidiram pelo papel social que essas famílias vem desempenhando dentro de um estado demarcado pela degradação ambiental.

Essa decisão não é final, mas é inegavelmente simbólica. 

O comitê gestor do Osvaldo de Oliveira fez um memorial mostrando a historicidade de produção, mostrou a partir de um laudo técnico da Associação de Geógrafos do Brasil que aquele território vem sendo recuperado desde a presença do PDS e das famílias. Essa recuperação fica, inclusive, ameaçada com o retorno da Campos Difusora, que jamais teve qualquer compromisso ambiental e que enquanto exercia a posse teve um comportamento de abandono e destruição daquele território.

Isso porque a empresa não vê outra funcionalidade que não a especulação e a degradação, o uso das madeiras como fonte de renda, como assistimos no contexto nacional.

Quais são as próximas batalhas a serem enfrentadas nessa ação?

Temos recursos especial e extraordinário a serem julgados no STJ e no STF. São dois recursos da decisão da apelação que ainda não foram apreciados. A decisão atual é referenciada à manutenção da decisão do presidente do STJ, ela ainda não é a decisão final. É uma decisão temporária, na medida em que ela se resolve com a decisão final, mas ela é importante porque sustenta a permanência das famílias.

O PDS continua com uma incrível capacidade de produção agroecológica.

A sociedade precisa compreender o momento histórico em que vivemos, de avanço do agronegócio, da transgenia, das queimadas, destruições ambientais. Conseguir construir um território como esse que é o PDS Osvaldo de Oliveira, com uma incrível capacidade de produção e diversidade de alimentos, sem nenhum uso de agrotóxicos, sem impacto ambiental, é algo fabuloso, é o que queremos.

É uma outra proposta que se apresenta ao Brasil atual, portanto…

A gente quer alimentar a nação sem que isso signifique passar o trator em grandes extensões territoriais, esse não é o projeto de vida do PDS, esse não é o projeto de vida que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) vem construindo. A percepção da finitude ambiental, do zelo que precisamos ter ao meio ambiente, deveria ser encampada por todos, porque o futuro da humanidade reside na nossa capacidade de preservar o ambiente.

Então, os próximos passos partem de um trabalho de convencimento social sobre um modelo de produção como o PDS. Esse, sim, é um modelo de referência, e não o modelo do “agro é pop, o agro é tudo”, porque o agro é golpe.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Mariana Pitasse