Boneco petroleiro feito com técnica japonesa vira febre na categoria

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Vitor Menezes / Da Imprensa do NF – Uma cena tem se repetido com cada vez mais frequência nos últimos anos: uma petroleira ou um petroleiro recebe uma caixa de presente, abre com a expectativa usual e, nela, encontra uma representação de si mesmo em forma de amigurumi, uma técnica de crochê japonesa utilizada para fazer bonecos. A responsável pelo crescimento dessa forma de presentear é a artesã Valeska Costa, 46 anos, moradora de Campos dos Goytacazes (RJ), que também trabalhou em plataformas de petróleo da região.

Valeska Costa, de petroleira a artesã que encanta adultos com seus bonecos em amigurumi – Foto: Acervo pessoal

“O que mais faço é boneco offshore. Eles acham muito interessante. Já vi adulto que quando abre o embrulho fica igual a criança, porque as pessoas gostam muito, não imaginam que elas vão receber um presente delas mesmas. Até eu me surpreendi, porque quando eu comecei a migrar para o artesanato, eu tinha o objetivo de fazer boneco para criança, para as mães que estavam tendo bebês, daí o nome ´crocheteria mimos de mãe´, porque era de mãe para mãe”, explica Valeska.

Machismo estrutural

A história dessa migração de petroleira a artesã começa em razão do desemprego no setor petróleo. Altamente capacitada, a técnica de química formada pela antiga Escola Técnica Federal de Campos (atual IFF), graduada em Biologia pela UENF (Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro) e com mestrado na mesma universidade na área de Bioquímica, embarcou como química há pouco mais de dez anos, mas acabou sendo mais uma vítima do machismo estrutural.

“Eu embarquei como química de 2006 a 2009, que foi o ano que engravidei, quando voltei fiquei em terra, mas me cortaram em 2011. Fiquei em casa com meu filho, como o pai também embarca meio que achei que era uma oportunidade de ficar mais tempo com ele, mas em 2014 veio a separação. Eu tentei voltar [a embarcar], mas com uma criança de 4 anos as portas não se abriram”, relata.

A artesã, que atuou como técnica de química nas plataformas P-31, P-48 e PNA-2, conta que quando começou a procurar uma oportunidade para retornar ao mercado de trabalho, nas empresas privadas do setor petróleo, ouvia inicialmente dos selecionadores frases como ´nossa, como vou contratar você com um currículo desse?`, mas depois começaram a ser mais explícitos: “´seu filho fica com quem?´. Então a gente vai ficando meio desalentada, sinceramente desisti de ficar procurando”.

Início com os amigurumis

Os bonecos surgiram de forma despretensiosa na vida de Valeska. “Eu comecei a fazer por acaso o amigurumi. Minha irmã estava grávida e me pediu para fazer um boneco. Eu fiz, coloquei no Face, uma pessoa viu e compartilhou, outras pessoas foram pedindo e aí eu comecei a fazer e a aprender por conta própria, vendo youtube, vendo receitas, e aprendi”, conta.

Após esse início com bonecos com vários designs para crianças, surgiu o primeiro petroleiro, em 2018: “Aí teve um dia dos pais. Perguntei ao meu filho se ele queria dar, no lugar do presente da escola, um boneco do pai dele [que é petroleiro]. Ele gostou da ideia. Então eu fiz o boneco do pai dele, que botou no Face dele, e uma pessoa que trabalhou comigo pediu para fazer para ela, e depois vieram outras”.

A partir de então a repercussão só cresceu, potencializada pela divulgação informal nos locais de trabalho e pela aparição em canais de influenciadores da categoria petroleira, como o Mundo Offshore e o OffshorELAS. Os pedidos aumentaram a ponto da artesã nem mais saber com precisão quantos petroleiras e petroleiros já fez em amigurumi. “Centenas”, afirma.

Petroleirinhos por toda parte

Hoje, os bonecos petroleiros de Valeska estão espalhados por todo o Brasil e até no exterior. Em um dos posts na página do Instagram onde divulga o seu trabalho (@crocheteria_mimos_de_mae), ela mostra um petroleirinho que estava pronto para embarcar para a Austrália.

“Como as pessoas que embarcam são de vários lugares do país, já mandei para todas as regiões aqui do Brasil. O pessoal, tanto de plataformas quanto de navios cargueiros, abraça a ideia muito bem”, orgulha-se.

Embora os bonecos e bonecas que representam trabalhadores e trabalhadoras do setor petróleo sejam a grande maioria dos amigurimis vendidos, a artesão não se limita a este segmento. Todas as demais profissões ou outras formas de caracterização podem ser encomendadas.

Adaptação brasileira

Uma curiosidade é a de que, pela técnica original, os amigurumis não têm boca, como boa parte dos bonecos e animações japonesas. O objetivo é permitir que a expressão facial fique mais na imaginação da criança do que concretamente no boneco, gerando mais empatia — a criança imagina o boneco sempre com o seu estado de espírito atual, o que proporciona conforto e identificação.

Mas com os adultos brasileiros foi necessária uma adaptação. Muitos clientes começaram a pedir para colocar a boca no boneco, justamente para ficar mais parecido fisicamente com a pessoa presenteada. O modelo original sem boca continua a ser feito, mas não é mais a maioria.

Em geral falantes e expansivos — características que, por sinal, proporcionaram o boca-a-boca que divulgou o trabalho de Valeska por toda a categoria petroleira —, não dava mesmo para imaginar uma representação de brasileiros e brasileiras que abrisse mão tão facilmente da boca, mesmo com tantas outras formas de expressão.