Evento reuniu arte, ancestralidade e potentes relatos femininos de resistência
Ao som vibrante dos atabaques comandados pelo mestre Dengo, um grupo abriu com jongo a emocionante comemoração do Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, realizada na noite de ontem, 24, na sede do Sindipetro-NF, em Macaé. O ritmo ancestral ecoou pelo teatro lotado e envolveu a plateia, que foi convidada a participar da dança, celebrando o corpo, a cultura e a resistência de um povo que luta em movimento.
O coordenador geral do Sindipetro-NF, Sérgio Borges, deu as boas-vindas ao público destacando a importância de espaços como esse para fortalecer a luta. “A cultura é instrumento de resistência, de formação e de luta da classe trabalhadora”, afirmou.
Logo após a apresentação, foi formada uma roda de conversa com seis mulheres potentes: Andrea Pessanha, Nívea Maria, Patrícia Jesus Silva, Mariúcha Corrêa, Ohana Lopes e Raíla Maciel. Cada uma compartilhou vivências, dores, conquistas e trajetórias de transformação que emocionaram o público.
Mariúcha Corrêa falou sobre a inspiração para sua obra Floresta Desencantada, nascida após a morte de sua mãe. A relação com uma árvore sagrada que nasceu em seu quintal guiou a criação de um personagem ligado ao orixá Oxóssi. “Não sou eu que cuido do quintal, é o quintal que está cuidando de mim”, afirmou, conectando espiritualidade, natureza e ancestralidade.
A jornalista e escritora Raíla Maciel falou sobre sua jornada de reconhecimento como mulher negra de pele clara. Seu livro, lançado com apoio da Lei Paulo Gustavo, é uma autobiografia poética sobre esse processo. “Esse livro é o compromisso de resgatar a minha história e me recriar em minhas potencialidades”, afirmou, citando a intelectual Lélia Gonzalez.
Já Ohana Lopes compartilhou relatos comoventes sobre maternidade e espiritualidade, incluindo um capítulo de seu livro inspirado em uma conversa com uma mãe que perdeu o filho. “Mães, ouçam seus filhos. Eles têm muito a dizer”, declarou, reforçando o poder da escrita como ponte entre gerações.
A também jornalista e escritora Andrea Pessanha emocionou ao relembrar sua história marcada por ancestralidade indígena, violência doméstica sofrida por sua mãe e sua superação por meio da educação. “Educação e conhecimento são o que me livraram daquilo que tentaram tirar de mim”, disse. Ela também apresentou trechos do seu novo livro Emoções Poéticas, ainda em finalização.
A professora e pesquisadora Nívea Maria trouxe uma fala profunda e crítica sobre a exclusão das mulheres negras nos espaços de poder, como universidades e centros de pesquisa. Falou sobre a discriminação sofrida na Academia, que não consegue enxergar uma mulher preta no lugar de cientista.
“O Julho das Pretas é esse lugar de luta. Mas a vida da gente é luta antirracista todo dia, toda hora, em todo lugar”, destacou. Ela ressaltou que não chegou onde está sozinha, mas sim com o apoio de muitas outras mulheres que a antecederam. “Cheguei aqui por causa das políticas públicas, das ações afirmativas, da força da minha mãe, das minhas tias e de tantas outras que abriram caminhos”, afirmou.
Nívea também fez um alerta sobre a necessidade de políticas públicas com recorte racial e de gênero: “Políticas universais por si só não resolvem. Se não considerarem raça e gênero, continuam a reproduzir a exclusão das mulheres negras”. Ao final de sua fala, deixou uma mensagem poética: “Que possamos ser lembrança, memória — mas também projeto de futuro.”
Fechando a roda, Patrícia Jesus Silva, doutoranda em Políticas Sociais, relatou episódios de racismo vividos no meio acadêmico e no mercado de trabalho. Em um de seus relatos, destacou: “É muito dolorido quando a sua fala não é legitimada, quando seu conhecimento é silenciado”. Com coragem, revelou a dificuldade de ocupar espaços e a importância de resistir, mesmo nos ambientes que se dizem progressistas.
O evento foi encerrado com um coquetel e o show vibrante da cantora Kynnie, uma das grandes apostas da black music nacional. Com sua presença marcante, a artista interpretou sucessos como “Linda, Chique, Sexy e Braba” — tema da personagem de Camila Pitanga na novela “Beleza Fatal” — e “Oro”, gravada em parceria com Preta Gil, encerrando a noite com música, força e celebração.
Mais que um evento, o encontro promovido pelo Sindipetro-NF foi um verdadeiro manifesto coletivo pela valorização da memória, do pertencimento e da potência das mulheres negras.









