Com Bolsonaro, brasileiros ficam dois anos ou mais procurando emprego sem encontrar

Rosely Rocha / Da Imprensa da CUT – Mariayde Veloso, de 38 anos, separada, mãe de dois filhos, de 18 e 15 anos, com curso superior de pedagogia incompleto, teve de deixar sua casa, na zona leste da capital de São Paulo, para morar de favor num quarto de uma ONG, na zona sul, após as contas se acumularem e o aluguel deixar de ser pago por causa do desemprego.

O último emprego com carteira assinada de Mary, como é conhecida, foi como camareira do hospital Albert Einstein, em março de 2019. Assim como ela, outras 3,487 milhões de pessoas (23,6%) dos 14,805 milhões de desempregados estão há dois anos ou mais tentando se recolocar no mercado de trabalho sem êxito, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostragem em Domicílio (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No ano passado o Brasil tinha 3,075 milhões de pessoas procurando trabalho há mais de dois anos. Em 2021, 412 mil trabalhadores (13,4%) a mais passaram a fazer parte dessa triste estatística.

O recorde anterior havia sido registrado no segundo trimestre de 2019, quando 3,347 milhões de trabalhadores estavam desocupados havia pelo menos dois anos.

O recorde atual demonstra mais uma vez que, apesar da pandemia, os governos liberais que lideraram o golpe contra Dilma Rousseff ( PT) em 2016, não entregaram a promessa de criação de emprego. Ao contrário, de lá para cá o desemprego só aumenta, levando mais pobreza e miséria à população.

Foi o que aconteceu com Mary. Desempregada e com seus dois filhos precisando de cuidados médicos – o mais velho tem problemas neurológicos e o mais novo sofre de obesidade mórbida infantil e precisa de tratamentos fisioterápicos e de dieta para diminuir as sequelas da doença, ela não conseguiu este ano receber o auxílio emergencial e até agora não entende a recusa do governo federal.

“Eu não recebi este ano e não consegui recorrer. O aplicativo do Caixa TEM diz que minha conta está vinculada a dois aparelhos celulares que não sei quais são. Estou vivendo da caridade dos outros”, diz desolada.

Para ela sua situação é um reflexo das mudanças de governo e da própria sociedade brasileira que está menos sensível ao sofrimento alheio.

“Antes a gente tinha mais oportunidades e até a empatia das pessoas era melhor. Hoje está muito mais difícil e desafiador para quem está desempregada como eu”, afirma, completando: “Com a pandemia nem faxina me chamam pra fazer e nem dá pra vender bala e água na rua. Minha vida se resume em sobreviver e manter a resistência”, conta.

Sem investimento público e sem vacina não se gera emprego

A dificuldade em se colocar no mercado de trabalho de Mary e de outros milhões de brasileiros parece não ter solução a curto prazo. Segundo o economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Gustavo Monteiro, sem investimentos públicos, sem vacinação para a retomada da economia, o desemprego só tende a aumentar.

Por isso, o recorde de tempo em procura de uma nova vaga também não surpreende Monteiro. Segundo ele, a pesquisa do Índice da Condição do Trabalho (ICT-Dieese) , indicador que usa os índices de inserção ocupacional, desocupação e rendimento dos trabalhadores já demonstrava que o quadro de procura por um emprego aumentou .

“Quando Bolsonaro assumiu, o número de desocupados que estava à procura por um emprego nos últimos cinco meses era de 53%. Hoje este índice chega a 61%. Para ser mais exato em dois anos de governo Bolsonaro, aumentou em 8,8% o número de trabalhadores que está há pelo menos cinco meses procurando uma nova oportunidade”, afirma Monteiro.

Outros dados do IBGE confirmam a tendência de mais tempo que o trabalhador passa em busca de um emprego. Segundo o órgão, existem 1,8 milhão de pessoas em busca de uma vaga há menos de um mês; acima de um mês a menos de um ano são 7,0 milhões; outras 2,6 milhões estão desempregadas, de um ano a menos de dois anos. Nesta última faixa a alta foi de 58,4% em relação a igual período de 2020 (1,614 milhão) – um aumento de 943 mil pessoas, durante a pandemia.

“Isto só mostra que antes mesmo da pandemia não estava havendo uma recuperação. A resposta para a crise, as reformas Trabalhista [2017] e da Previdência [2019], sequer resolveram a primeira crise de 2015”, afirma o economista do Dieese, Gustavo Monteiro.

Economia não dá sinais de que desemprego vá diminuir

Segundo Monteiro, a economia não estava se recuperando pois melhorava um lado, piorava outro, tanto que houve um aumento no número de desalentados. Segundo o levantamento PNAD Covid do IBGE, divulgado no final de maio, o número de trabalhadores que deixaram de procurar emprego é de seis milhões e é novo recorde.

“O número de vagas abertas teve um pequeno aquecimento, mas não o suficiente para empregar esses milhões de trabalhadores. Quando a gente olha de 2017, ano da reforma Trabalhista, para cá, teve alguns solavancos, mas se vê claramente que situação do trabalho piorou muito, ainda mais com pandemia. O ICT mostra que a fila do desemprego está só engrossando”, afirma Monteiro.

Trabalhadores com maior qualificação relatam desemprego

Embora acredite que o trabalhador possa se qualificar para ter mais chances de conseguir um novo emprego, o economista do Dieese, diz que o problema do mercado de trabalho está na falta de recuperação da economia.

“Tem gente pegando qualquer trabalho mesmo com uma alta qualificação. Isto é mais uma demonstração de que sem investimentos públicos para a retomada do crescimento, a crise para o trabalhador vai se estender por mais tempo”, avalia Monteiro.

É o que vem acontecendo com a assessora de imprensa Niobe Cunha, de 62 anos, que por ter trabalhado a maioria dos anos como pessoa jurídica (PJ) não contribuiu com a previdência por tempo suficiente para se aposentar e está desempregada há seis anos, apesar da sua vasta experiência profissional.

Sobrevivendo com a ajuda da aposentadoria da mãe e do auxílio emergencial, Niobe conta que antes do governo de Bolsonaro ainda conseguia trabalhos como free lance, que a ajudavam a se manter economicamente, mas nos últimos dois anos a situação só piorou.

“Antes eu era indicada por amigos que trabalharam comigo e ex-chefes. Hoje eles estão na mesma situação que eu e de certa forma estamos concorrendo pelas mesmas vagas que aparecem”, conta.

Para ela, essa situação que considera indigna só tem piorado porque as exigências profissionais são cada vez maiores e os salários cada vez mais baixos.

“As empresas estão pedindo inglês fluente até para estagiários, mas os salários oferecidos não pagam nem as prestações do curso do idioma”, diz indignada.

Diante da crise, Niobe afirma que tem feito planos A, B, C e D para sobreviver. Por enquanto faz da paixão pelo jornalismo um hobby ao apresentar um programa pelo YouTube e ser comentarista em outros.

“Exerço jornalismo por prazer porque os canais não são monetizados, é um trabalho voluntário “, diz Niobe.

O trabalho voluntariado é o que dá forças a Patrícia Alves de Almeida, 48 anos. Sem filhos e solteira, ela mora num conjunto do CDHU em São Paulo, cujas prestações estão sendo pagas por outra pessoa, graças, segundo ela, pelo conhecimento que fez durante os seus 26 anos de trabalho voluntário.

Patrícia teve seu último emprego com carteira assinada de agosto de 2018 a maio de 2019, como auxiliar administrativa na empresa Chocolândia. Ela pediu demissão porque a sede mudou para a Via Anchieta, longe de onde mora na Mooca, zona leste de São Paulo. Ela só não esperava que o tempo para conseguir uma nova oportunidade demoraria tanto, mesmo tendo diploma superior em Administração de Empresas e de ter estudado sem concluir o curso de Gestão Pública.

Patrícia que tem uma deficiência física chegou a trabalhar numa outra empresa, mas foi demitida em um mês. Ela acredita que sua vaga foi usada apenas para que a empresa cumprisse a cota de trabalhadores deficientes definida em lei.

Para piorar sua situação, o governo federal está cobrando dela a devolução dos R$ 1.800,00 que recebeu no ano passado de auxílio emergencial. Conta que ela contesta, já que o emprego que teve no período foi de apenas um mês.

“Quando eu pedi o auxílio eu não estava trabalhando. Infelizmente este governo não pensa nos mais carentes que precisam da ajuda do Estado. A maioria vai pro olho da rua, sem condições de pagar um lugar digno. É um mundo em que a ganância impera”, diz.

Enquanto não consegue uma nova colocação, Patrícia não desiste de se qualificar e já fez seis cursos voltados à tecnologia para ter melhores oportunidades.

“ Continuo mandando currículos apesar do Brasil passar por uma fase difícil, sem resultados positivos na economia, mas não posso me dar ao luxo de desanimar, de escolher serviço”, finaliza Patrícia.