O debate “Ditadura Nunca Mais – A CUT na Luta por Memória, Verdade, Justiça e Reparação”, realizado pela Secretaria de Políticas Sociais e Direitos Humanos nesta terça-feira (26) marcou a retomada dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade da central sindical.
Jandyra Uehara, que está à frente da secretaria, afirmou que objetivo principal a partir de agora é executar as recomendações feitas pelo relatório finalizado pela comissão em 2015, e que pedem reparação coletiva aos trabalhadores perseguidos pela ditadura militar.
“Queremos entrar com o pedido de reparação coletiva nas nossas bases sindicais. O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC já está se movimentando nesse sentido. Em abril, no dia 23, faremos um novo seminário com os sindicatos cutistas para discutir pedidos de anistia e reparação coletiva pelas empresas”, adiantou a secretária.
O golpe de 1964
O encontro também marcou os 60 anos do golpe militar de 1964, completos no dia 31 de março, data que jogou o país sob um regime político totalitário e antidemocrático por 21 anos. O ex-deputado federal e ex-presidente do Partido dos Trabalhadores José Genoino, que lutou na guerrilha do Araguaia e por isso foi preso e perseguido pela ditadura, afirmou que a “essência do golpe foi a relação capital e trabalho”.
O ex-deputado federal ocupou a segunda mesa de discussão e fez uma panorama do que representou o golpe de 1964. “O capitalismo brasileiro não fez uma revolução pela burguesia. O processo aqui é de acomodação, de conservação. Antes de 1960 vivíamos um período de movimentação de massa, e essa reacomodação precisava de um regime político, que foi a expressão da ditadura militar. O golpe foi de classe, feito pela burguesia e as empresas, mas o regime político foi o militar, com as Forças Armadas como elemento central”, explicou Genoino.
O vazio de memória e a repetição no 8 de janeiro
O valor da memória e das reparações dentro de um processo histórico foi um aspecto colocado em destaque tanto por Genoino quanto pelos outros debatedores. Há o consenso de que o vazio de discussões sobre o que representou a ditadura militar para o povo brasileiro, e, sobretudo, a falta de reparação, punição e espaços de memória, como museus e memoriais, foi o que levou a tentativa de golpe no dia 8 de janeiro de 2023, quando grupos da extrema-direita comandados por lideranças políticas e militares tentaram impedir a posse do presidente Lula.
“Isso (a ditadura) precisa ser discutida, senão ela vai para uma incubadora, e essa incubadora vai virar o golpe de 2016, vai virar o que aconteceu em 8 de janeiro. Um projeto político precisa dizer o que pensa e fazer sinalizações, ainda que não tenha força para mudar a correlação de forças. São essas sinalizações que calibram o jogo”, defende Genoino.
Como paralelo aos golpes de 1964 e os de 2016, e a tentativa agora em 2023, a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Jana Silverman, uma das responsáveis pelo relatório final da Comissão Nacional da Verdade da CUT, afirmou que hoje “não temos mais as salas de tortura, mas temos as fake news e o assassinato da imagem de políticos e figuras da esquerda”.
Para ela, a tarefa do movimento sindical neste momento é “não permitir que a esquerda em geral coloque a pauta das reparações da ditadura em segundo plano”, como feito em 2014. “O tema foi subestimado não pelo governo da época (da ex-presidente Dilma Rousseff), mas pelo campo democrático, e deu no que deu”, disse a professora.
Jana defendeu que a comissão busque espaços de exposição da memória em São Paulo no Brasil nos mesmos moldes do Museu da Memória e dos Direitos Humanos de Santiago, no Chile, e do Espaço de Memória e Direitos Humanos de Buenos Aires, na Argentina.
Durante o seminário, o Centro de Documentação e Memória Sindical da CUT (CEDOC) expôs na entrada do saguão central fotos do período da ditadura militar. Parte do acervo da CUT está organizado e pode ser acessado na página do CEDOC.
Reparação e anisitia
O resgate das discussões sobre os reparação e anistia deve ser a tônica dos trabalhos da comissão nos próximos meses, afirmou Jandyra Uehara, que comanda esse processo. Para a comissão, o processo de anistia é uma autocrítica do Estado, e o reconhecimento de que em determinado período histórico o Estado agiu mal com um setor da sociedade, ou mesmo com indivíduos.
“É o Estado dizendo que perseguiu, que torturou, que errou contra nós. É uma lei de caráter excepcional para pessoas que são perseguidas exclusivamente por motivos políticos. É por isso que acho equivocado dizer que não o Estado não deve dar anistia para os golpistas de 8 de janeiro. Eles não foram e não são perseguidos. A anistia não se aplica a eles. O mais correto seria dizer que não se deve dar o perdão a eles”, disse o ex-deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh, que também compôs a mesa de debate.
O ex-ministro dos Direitos Humanos nos governos Lula 1 e 2, Paulo Vannuchi, também presente no evento, se mostrou otimista com a retomada da Comissão Nacional da Verdade à luz dos julgamentos envolvendo as pessoas que planejaram e as que tentaram executar a tentativa de golpe em janeiro de 2023.
“A sociedade e o governo estão mais porosos a esse tema nesse momento. É uma oportunidade que não devemos desperdiçar. Estamos vivendo um período crucial para a democracia, ou defendemos ela sem concessões, ou podemos vê-la escorrer pelas mãos mais uma vez”, concluiu o ex-ministro.