André Accarini / Da Imprensa da CUT – Dados de diferentes fontes, todos relacionados à segurança pública e à violência de gênero evidenciam a realidade uma realidade que não quer calar. Apesar de campanhas, legislação, protocolos, pactos internacionais e décadas de mobilização feminista, o país ainda convive com recordes nos casos de estupro, feminicídio, violência doméstica, perseguição e violações psicológicas. Por isso, esta data, o 25 de novembro – Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher – o chamado é não somente para a reflexão e consciência sobre o tema, mas – efetivamente – para a ação.
A data faz parte é parte do calendário dos “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra Meninas e Mulheres”. A ação, que segue os moldes da campanha dos “16 dias de ativismo” idealizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), tem início no Brasil no Dia da Consciência Negra, e vai até 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Em 2025, a campanha – que mobiliza entes públicos movimento sindical, movimentos sociais e diversos setores da sociedade – destaca o tema “Una-se para Acabar com a Violência Digital contra Todas as Mulheres e Meninas”
Dados: O Portal da CUT reuniu os principais dados e levantamentos para mostrar a alarmante realidade da violência contra a mulher. O panorama revela um cenário de alta gravidade, especialmente em crimes sexuais e letais, e expõe a persistência do ciclo de agressões, muitas vezes invisibilizado no ambiente doméstico. Veja:
Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher
Realizada pelo DataSenado, Instituto Natura e Gênero e Número, a pesquisa ouviu 21.641 mulheres por telefone.
- 3,7 milhões de mulheres brasileiras vivenciaram um ou mais episódios de violência doméstica ou familiar nos 12 meses anteriores à pesquisa de 2025.
- Para 58% das entrevistadas, a situação de violência é recorrente, ocorrendo há mais de um ano, o que indica a dificuldade em romper esses vínculos.
- Cerca de 71% das mulheres agredidas foram na presença de outras pessoas.
- Em 70% desses casos de agressão com testemunhas, havia criança no ambiente, correspondendo a 1,94 milhões de agressões testemunhadas por menores.
- Em 40% das situações com testemunhas, a vítima não recebeu ajuda.
Acolhimento e Denúncia: a maioria dos casos ainda é tratada na esfera privada. Após a violência, as mulheres buscaram apoio em:
- Família: 58%.
- Igreja: 53%.
- Amigos: 52%.
A busca por órgãos formais é menor: apenas 28% registraram denúncia em Delegacias da Mulher e 11% acionaram o Ligue 180.
19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública
O 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em 2025, reúne e analisa dados oficiais sobre segurança pública. O estudo destaca que todas as modalidades de violência contra as mulheres continuam em alta.
Estupros e Estupros de Vulnerável (Dados de 2024):
- 87.545 estupros e estupros de vulnerável foram registrados em 2024, sendo o maior número já contabilizado desde o início da série histórica em 2011.
- 88% das vítimas eram do sexo feminino.
- 77% das vítimas tinham menos de 14 anos. As faixas etárias mais atingidas são: 10 a 13 anos (33%) e 5 a 9 anos (18%).
- 66% dos casos ocorreram dentro de casa;
- 46% são familiares e 20% são parceiros ou ex-parceiros íntimos
- 56% das vítimas são negras
Feminicídios e Violência Letal (Dados de 2024)
- Foram registrados 1.492 feminicídios em 2024, o maior número de casos registrados desde 2015. Quatro mulheres foram vítimas de feminicídio por dia no Brasil.
- Houve 3.870 tentativas de feminicídio, um aumento de 19% em relação à edição anterior (2023).
- 64% das vítimas são negras
- 71% tem entre 18 e 44 anos
- 8 em cada 10 foram assassinadas por companheiro ou ex-companheiro;
- 97% dos assassinos são homens
- 64$ foram mortas dentro de casa
Outras Violências
- Acionamentos ao 190: Foram 1.067.556 acionamentos em 2024, o que equivale a 2 chamadas por minuto.
- Violência Psicológica: 51.866 casos registrados em 2024, um aumento de 6% em relação a 2023.
- Stalking (Perseguição): 95.026 casos registrados em 2024, um aumento de 18% em relação a 2023.
- Medidas Protetivas de Urgência (MPU): 555.001 MPUs foram concedidas em 2024. No entanto, 101.656 MPUs foram descumpridas pelos agressores, um aumento de 11% em relação a 2023.
Relatório Anual Socioeconômico da Mulher
O Relatório Anual Socioeconômico da Mulher – Raseam 2025, lançado pelo Ministério das Mulheres, utiliza indicadores de diversas bases de dados oficiais, incluindo o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN/MS).
Prevalência de Violência Sexual e Letal
- Entre 2015 e 2024, mais de meio milhão (591.495) de ocorrências de estupro de mulheres foram registradas no Brasil;
- Em 2024, o Brasil registrou o equivalente a 196 casos de estupro por dia, totalizando 71.892 casos;
- Entre 2015 e 2024, foram registradas 41.309 casos de mortes violentas de mulheres, somando feminicídios, homicídios dolosos e lesão corporal seguida de morte
Recortes de Violência Notificada (SINAN/MS e Ligue 180)
- Agressores: Homens são os principais agressores das mulheres, sendo responsáveis por 76,6% dos registros de violências domésticas, sexuais e/ou outras.
- Local de Risco: Cerca de 71,6% das notificações de violência contra mulheres em 2023 ocorreram dentro de casa.
- Raça/Cor: A maioria dos registros de violência contra mulheres adultas (20 a 59 anos) é contra mulheres pretas e pardas (60,4%), evidenciando a sobreposição de vulnerabilidades, em comparação com 37,5% de mulheres brancas.
- Tipo de Violação (Ligue 180): A violência psicológica foi o tipo de violação de direitos mais registrado pela Central de Atendimento do Ligue 180, em 32,6% dos casos, seguida pela violência física (29,7%).
Violência que atinge famílias inteiras
Mesmo quando a mulher sobrevive, a violência atinge toda a comunidade:
- 71% das agressões são presenciadas por outras pessoas.
- Em 70% desses casos, havia crianças no ambiente, totalizando 1,94 milhão de meninas e meninos que testemunharam violência.
- Em 40% das situações, a vítima não recebeu ajuda.
As medidas protetivas mostram tanto avanço quanto fragilidade:
- 555.001 medidas protetivas concedidas em 2024.
- 101.656 foram descumpridas, aumento de 11%.
Reação urgente
A secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Amanda Corcino, reforça que os números revelam a urgência de uma mudança cultural extrema. Não é mais possível naturalizar ou se omitir em relação às agressões.
“Uma sociedade que mesmo com todas as campanhas e ações pelo fim da violência contra a mulher ainda continua apresentando dados alarmantes e crescentes de feminicídio e outras formas de violência é uma sociedade que precisa, de uma vez por todas, rever suas posturas. Não podemos generalizar, claro. O ‘todo’ da sociedade não é assim, mas é preciso que todos e todas que abominam a violência contra a mulher se unam ainda mais para que essa tragédia cesse”, diz a dirigente.
Amanda destaca a importância da rede de apoio. “É preciso que vizinhos, parentes, amigos, todos que presenciam, têm conhecimento ou conhecem potenciais vítimas de violência, se manifestem, manifestem apoio, façam parte de uma rede de proteção à mulher, antes que o pior aconteça.”
Amanda ainda enfatiza que enfrentar o machismo exige ações públicas e coletivas. “Punir é essencial, mas para isso é preciso que os casos sejam denunciados, que a mulher tenha essa rede de apoio. E, paralelamente, que haja ainda mais políticas públicas e conscientização para acabar de vez com o machismo e a misoginia”, ela afirma
A CUT e seus sindicatos mantêm ações de conscientização, levam o tema às mesas de negociação e, em diversas categorias, constroem medidas concretas como o projeto Basta, dos bancários, que garante acolhimento e apoio às vítimas
Ela reforça que é preciso denunciar. “Quem presencia ou tem ciência de qualquer caso de violência contra menina ou mulher – seja em casa, na casa do vizinho ou no trabalho – deve denunciar ligando para o 180.
Mulheres negras – a violência é ainda maior
A Marcha das Mulheres Negras, que tomou Brasília neste 25 de novembro, sintetiza a realidade que os dados confirmam: a violência contra a mulher no Brasil tem cor. Uma síntese dos dados mostra que:
- 64% das vítimas de feminicídio são negras.
- 56% das vítimas de estupro são negras.
- 60,4% das notificações do SINAN registram agressões contra mulheres pretas ou pardas.
Esses números demonstram que, para as mulheres negras, a violência é atravessada pela desigualdade econômica, pela insegurança habitacional, pelo racismo institucional, pelo menor acesso a serviços públicos e pela menor confiança no sistema de justiça.
A pauta racial segue sendo ignorada em muitas políticas de segurança, de prevenção e proteção, o que reforça a importância da mobilização nacional das mulheres negras no mesmo dia em que o mundo inteiro debate a eliminação da violência.
“A marcha é um momento histórico. Essas milhares de mulheres negras estão aqui, em Brasília, ‘o centro do poder’, para exigir seu lugar de direito na sociedade. Estão aqui para mostrar que não é mais possível naturalizar a violência contra elas, que são as maiores vítimas, que não dá mais para naturalizar que elas tenha piores condições de vida, salários mais baixos, menos formação, menos acesso a políticas públicas”, diz a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Amanda Corcino.
É uma marcha para exigir reparação histórica, justiça e reconhecimento
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O Dia Internacional pelo Fim da Violência contra a Mulher
A data internacional tem origem na resistência das irmãs dominicanas Mirabal — Patria, Minerva e María Teresa, assassinadas em 1960 pela ditadura de Rafael Trujillo. Em 1999, a ONU oficializou o 25 de novembro como dia global de mobilização. Passados 25 anos, a própria Organização Mundial da Saúde alerta que a violência contra a mulher permanece praticamente no mesmo patamar em todo o mundo: 840 milhões de mulheres entre 15 e 49 anos já sofreram violência sexual ou doméstica, o equivalente a uma em cada três.
Políticas públicas: Convenções 190 e 156 e o combate à misoginia
O enfrentamento à violência passa também por medidas estruturais ligadas ao mundo do trabalho:
- Convenção 190 da OIT: combate violência e assédio no trabalho.
- Convenção 156 (integrada à Lei 14.611/2023): trata da igualdade salarial entre homens e mulheres.
- Ambas são pautas históricas da CUT.
A manutenção das desigualdades econômicas, incluindo a diferença salarial e a precarização, amplia a vulnerabilidade das mulheres, sobretudo negras, ao ciclo de violência.
O que é misoginia?
A definição mais comum para o termo misoginia é o é o ódio e aversão às mulheres. Mas é preciso observar que ela se apresenta de várias formas – o desprezo, o desrespeito, o menosprezo, além da violência e objetificação do corpo da mulher. Isso significa a sexualização do corpo feminismo.
O que é feminicidio?
Trata-se de um crime de ódio baseado no gênero, amplamente definido como o assassinato de mulheres. É a intenção ou o propósito do ato que está sendo dirigido às mulheres especificamente porque são mulheres.
Tipos de violência contra a mulher são:
- Violência física: qualquer ato que ofenda a integridade do corpo da mulher> São os tapas, os socos, os empurrões, pegar pelo braço ou outras partes do corpo, de maneira a coagir a vítima, entre várias outras formas.
- Violência emocional: qualquer ato que cause dano emocional à mulher. É a ofensa, o grito, a forma autoritária e agressiva de diálogo. Mas é também a humilhação, o desprezo, o descrédito de sua palavra.
- Violência sexual: condutas que forcem a mulher a manter atos sexuais sem consentimento ou desejo, entre eles o próprio ato sexual. Acontece mediante intimidação, chantagem, etc. Engloba também a prática do ato sexual sem ela poder fazer o uso de métodos contraceptivos ou preservativos.
- Violência patrimonial: é quando o agressor confisca, retém, ou proíbe a mulher de usar seus objetos pessoais, instrumentos de trabalho e até cartões de crédito e documentos. Inclui-se cercear a mulher de ter domínio de seu próprio patrimônio financeiro, ou seja, o seu dinheiro.
- Violência moral: é a calúnia, a difamação, a injúria.
Mulheres com deficiência
A violência contra a mulher atinge pessoas de todas as idades, raças, níveis sociais, etnias e atinge também as mulheres com deficiência. Desde 2019, a Lei 13.836 obriga a informação dessa condição da vítima nos boletins de ocorrência. E isso agrava a pena do agressor.





