Juiz que pede reintegração de posse com a justificativa de preservação local é o mesmo que flexibilizou leis ambientais
No município de Macaé, no norte Fluminense, 63 famílias que vivem no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Osvaldo de Oliveira estão sob ameaça de despejo. O argumento usado pelo desembargador Marcelo Pereira da Silva, para pedir a reintegração de posse do assentamento organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), foi a preservação ambiental da área.
A medida é contraditória, principalmente, porque o mesmo juiz, em uma decisão no último mês de outubro, flexibilizou a proteção de manguezais e restingas e permitiu a queimada de lixo tóxico, acatando o recurso movido pela União.
O julgamento da ordem de despejo do assentamento está marcado para o próximo dia 25 de novembro. Até lá, as famílias seguem na incerteza sobre o futuro, mas dispostas a lutar em defesa da área que foi desapropriada pelo Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incra) em 2014.
O assentamento existe há 10 anos na cidade de Macaé e possui um relevante papel econômico e social na região. Ele ocupa um território de 1,6 mil hectares e é referência na produção familiar e agroecológica. Com três áreas de produção coletiva, os camponeses plantam abóbora, aipim, banana, verdura, batata-doce e feijão e escoam as produções para feiras dentro e fora do município e escolas que participam do Programa Nacional de Apoio à Alimentação Escolar (PNAE).
De acordo com Nelson Freitas, da direção nacional do MST e assentado no PDS Osvaldo de Oliveira, somente em 2019 foram repassados para a Prefeitura de Macaé 10 mil quilos de aipim produzidos pelos camponeses.
“Há três anos ofertamos essa produção para a merenda escolar, participamos do PNAE, vendemos para as feiras, nos espaços de comercialização do MST. Estamos construindo em parceria com a UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro] uma casa de farinha. Até então, a nossa farinha é produzida na farinheira municipal da prefeitura em Serra da Cruz”, relata.
Unidade Pedagógica
A parceria com as universidades é um dos diferenciais do assentamento. A professora Camila Laricchia, do curso de graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) de Macaé, coordena o projeto de extensão Laboratório Interdisciplinar em Tecnologia Social que está desenvolvendo, desde 2018, a casa de farinha no assentamento.
De acordo com a pesquisadora, o PDS Osvaldo de Oliveira é um espaço importante para o intercâmbio de conhecimento entre estudantes e camponeses, e também uma oportunidade para os alunos colocarem em prática o conhecimento teórico das disciplinas de engenharia.
“Na disciplina tínhamos estudantes de engenharia civil, mecânica e produção que nunca tinham pisado em um território de reforma agrária. O PDS passou a ser uma unidade pedagógica onde os estudantes aprofundam seus conhecimentos teóricos e colocam em prática junto com o PDS Osvaldo de Oliveira, e, além das habilidades de engenharia, eles desenvolvem outras habilidades como o diálogo, a construção coletiva, a troca de saberes, o reconhecimento dos saberes dos camponeses”, detalha.
Meio ambiente
Na avaliação da professora, o assentamento desempenha um papel relevante no município com a produção de alimentos livres de veneno e também a preservação do meio ambiente, principal questão colocada em xeque no pedido de reintegração de posse do desembargador Marcelo Silva.
“Eles [camponeses] têm papel fundamental na sustentabilidade ambiental e no fornecimento de alimentos para a cidade. O PDS é de suma importância. Em 2019 foram fornecidas mais de nove mil toneladas de alimentos saudáveis para a merenda escolar pelo PNAE. O PDS tem um potencial para ampliar isso. Os camponeses produzem de forma agroecológica e protegem o ambiente”, ressalta.
“Estamos iniciando a mobilização na sociedade para desmascarar esse seguimento da justiça que quer favorecer o latifúndio e os ricos neste país. Estamos prontos para lutar e vamos resistir”, afirma o assentado Nelson Freitas.
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