O engenheiro de petróleo Jorge Nascimento, que completa hoje 70 anos, participou ontem do programa NF ao vivo e emocionou a todos com o seu testemunho sobre as lutas pela segurança do trabalho no setor de petróleo no Brasil. Ele atuava no Sindicato dos Engenheiros quando, em 16 de agosto de 1984, aconteceu a tragédia de Enchova, que deixou 37 mortos e acaba de completar 38 anos.
Recusando o título de “aposentado” para os seus créditos, ele lembrou Barbosa Lima Sobrinho, para quem “ em defesa da Petrobrás não existe aposentadoria”. E não há mesmo que se falar em aposentadoria no seu caso. Atualmente ele se dedica a produzir um livro para registrar a verdade sobre o caso Enchova, para que não prevaleça a versão dos poderosos da época, na Petrobrás e no governo militar.
Confira abaixo alguns dos trechos da entrevista:
Contexto da tragédia
“Era difícil fazer sindicalismo dentro da Petrobrás. E o acidente de Enchova vem nesse contexto. Na época não existia o sindicato de Macaé ainda e os engenheiros davam apoio. Ele [o sindicato dos engenheiros] tinha uma direção composta por vários companheiros como Jorge Bittar, Eliomar Coelho, muitos outros, que [entendia] que a gente deveria dar apoio aos Sindicatos dos Trabalhadores. Dentro desse contexto que houve o acidente de Enchova.”
Precedentes
“Antes mesmo do acidente de Enchova houve o acidente com 18 jornalistas que foram fazer a cobertura dos 500 mil [barris de produção diária]. Na época o presidente da Petrobrás era o Shigeaki Ueki e quem era o Presidente da República era o João Batista Figueiredo, o general. Então imagina a dificuldade que era participar das investigações, não tinha acesso. E o sindicato dos Engenheiros formou uma comissão, antes desse acidente, porque já tinha havido o acidente em Vila Socó, em São Paulo, em fevereiro, em junho veio o acidente com os jornalistas e nós demos solidariedade aos jornalistas e alertamos aos jornalistas, no sindicato dos jornalistas, que poderia ocorrer novo acidente a qualquer momento. E foi esse o alerta que nós demos. Em menos de dois meses, porque o acidente com os jornalistas foi em junho de 84, em 16 de agosto veio esse trágico acidente de Enchova.”
Os responsáveis
“Infelizmente morreram 37 trabalhadores fruto da irresponsabilidade da direção da Petrobrás, porque perfurava poços sem cuidado. A Pozzos Internacional, que era uma empresa americana, é uma das principais responsáveis por aquele acidente. Infelizmente perdemos 37 companheiros.”
Entrevista à Folha de S. Paulo
“Olha, essa entrevista que foi dada foi dada na sede do Sindicato dos Petroleiros, aqui na Presidente Vargas ainda, à Folha de São Paulo, que na época até também estava lutando pela democracia. A Folha de São Paulo estava na campanha das Diretas na época tinha interesse na democratização do país, inclusive da Petrobrás que era uma das principais empresas, né? Inclusive é bom lembrar aqui o Serviço Nacional de informação começou a funcionar dentro da sede da Petrobrás. Isso foi denunciado pela própria Federação Única dos Petroleiros. Então era muito difícil de participar. Tanto que, que quando houve o acidente, foi dada entrevista, a direção da Petrobrás tentou nos ameaçar, ameaçou, mas nós continuamos firmes.”
Solidariedade
“A solidariedade é a arma mais poderosa que os trabalhadores têm. E nada melhor do que ser engenheiro com consciência de classe. Os engenheiros começaram a participar também e nós demos total solidariedade aos companheiros de Macaé. As famílias se reuniam no sindicato dos engenheiros, me lembro como se fosse hoje de um pai de um companheiro da Bacia de Campos, que morava em Campos, que disse para mim uma frase que foi fundamental: disse que a Petrobrás era uma caixa preta. E ele não era engenheiro, mal conseguia ler, mas perdeu o filho aí na Bacia de Campos, nesse acidente. Então nós começamos a criar uma unidade com os trabalhadores, muitos trabalhadores nos procuraram, e a partir daí acho que uma das coisas mais importantes foi a criação do sindicato de Macaé [Sindipetro-NF].”
Impunidade
“Eu tenho companheiros que chegaram para mim depois, contanto, que se não fosse essa entrevista talvez eu não estivesse vivo. Então só isso já justifica eu ter me formado em engenharia, ter feito concurso na Petrobrás, feito o curso de engenharia de segurança, por minha conta, quando eu ainda trabalhava na Bahia, na RPBA, e a gente tem a engenharia para ser usada a favor da verdade. E a verdade vai prevalecer nesse acidente. Até hoje não foram punidos os principais responsáveis, só quem foram punidos foram os trabalhadores, os familiares que até hoje sofrem com isso. Essa data aqui é uma data que eu tenho certeza que as famílias estão em luto, e caminhando a gente vê que, hoje, a Petrobrás continua com a mesma política de não valorizar a segurança em primeiro lugar e a vida dos trabalhadores.”
Marco histórico
“Então acho que foi um marco histórico na luta dos companheiros da Bacia de Campos, na luta dos trabalhadores da Petrobrás aquela entrevista. Eu me sinto hoje tranquilo, é por isso que eu não quis dizer a palavra aposentado, porque Barbosa Lima Sobrinho falava que em defesa da Petrobrás não existe aposentadoria. Só tem sentido à vida, e só tem sentido a engenharia, se ela tiver como meta a defesa da vida, dos valores humanos, da defesa da Petrobrás enquanto empresa a serviço do povo, esse foi o objetivo para o qual a Petrobrás foi criada.”
Programa também está disponível na íntegra
O programa, que também trouxe as mais recentes informações sobre as negociações do Acordo Coletivo de Trabalho, os Acordos Regionais e sobre o papel dos sindicatos na campanha eleitoral, está disponível na íntegra. Confira:
Versão em Podcast
No dia seguinte à exibição ao vivo, uma versão editada em forma de podcast também é disponibilizada na Rádio NF: