GEEP: Os desinvestimentos da Petrobrás e o atraso do Nordeste

Por Rodrigo Pimentel Ferreira Leão, economista que integra o Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas (GEEP) da FUP

Nos últimos anos, o Produto Interno Bruto do Nordeste cresceu a taxas superiores do que a média nacional. Além de políticas setoriais e econômicas importantes, os investimentos da Petrobras contribuíram do modo significativo para o crescimento econômico e a industrialização da região. As atuais medidas de desinvestimento adotadas pela gestão da estatal contribuem, porém, para desestruturação dessas políticas que resultaram na expansão da economia nordestina.

Mais um exemplo dessas medidas é a intenção de Pedro Parente, presidente da companhia, de vender 70% da refinaria Landulpho Alves-Mataripe (RLAM), localizada na Bahia, para a francesa Total. É apenas mais um passo dado pela petroleira de encerramento de um conjunto importante de atividades no Nordeste, pois além do refino, a empresa vendeu ativos em diversos setores, tais como como biodiesel, petroquímico, exploração e produção, termoelétricas e refino.

Os efeitos desse processo de desinvestimento da Petrobras no Nordeste vão muito além do que a redução de suas atividades na região, uma vez que isso provocará uma forte desarticulação do complexo industrial nascente, impactando negativamente (aumento do desemprego e redução da geração de renda) à sociedade local.

Entre o fim de 2015 e meados de 2016, a Petrobras colocou à venda nove campos de águas rasas de produção de petróleo e gás na Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte e Ceará, bem como divulgou a compra por parte da Mitsui de participação da Gaspetro nas distribuidoras estaduais de gás natural. No fim daquele ano, foi anunciado o encerramento das atividades da usina de biodiesel de Quixadá, no Ceará, além da venda do Terminal de Regaseificação da Bahia de Todos os Santos e duas térmicas para a francesa Total. No início de 2017, foi a vez da Petrobras aprovar a venda da Petroquímica Suape e da Citepe para a mexicana Alpek. Agora, o próximo alvo é a RLAM e ainda existe a possibilidade de venda de participação da Petrobras na Braskem, o que a tiraria completamente do setor petroquímico nordestino e nacional.

Esses ativos compuseram uma forte ampliação dos investimentos da Petrobras e do setor petroquímico, que, em parceria com a política de conteúdo local, tiveram um impacto central no processo de crescimento e industrialização, além de fomentar novos projetos de inovação no Nordeste.

Segundo a professora da Universidade Federal de Pernambuco, Tania Bacelar, duas políticas da empresa exerceram um papel fundamental na recente expansão produtiva do Nordeste, a de compras e a de expansão de refinarias: “A política de compras passou a ser usada para estimular o setor produtivo nacional, com destaque para a aquisição de sondas e navios, (…) que leva estaleiros para vários estados do Nordeste (Pernambuco, Alagoas, Bahia e Maranhão). No caso das refinarias, a empresa deixou de ampliar as existentes (concentradas no Sudeste e Sul) e partiu para construir novas unidades, três delas no Nordeste”.

Cabe ressaltar, por sua vez, que esses investimentos não apenas geraram um novo dinamismo econômico, mas tinham o intuito de atender um conjunto de demandas reprimidas na região. A construção de novas refinarias no Nordeste visou suprir a incapacidade de abastecimento local de derivados de petróleo. Segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, principalmente a partir de 2008 houve uma forte aceleração do consumo de derivados não atendida pelas refinarias locais. Entre 2009 e 2013, a produção das refinarias do Nordeste foi de 434,7 milhões de barris equivalente de petróleo (bep), enquanto que as vendas pelas distribuidoras foram de 524,5 milhões, ou seja, uma incapacidade de atender cerca de 90 milhões de bep.

Somado aos investimentos novos no polo petroquímico, a Petrobras sustentou grande parte de sua posição na produção terrestre nordestina até 2014, cujos efeitos locais foram historicamente imensos, diferentemente do que ocorre agora.

Como o setor petróleo historicamente teve (e tem) repercussões centrais para a industrialização e a urbanização dessa região, a saída da Petrobras nas atividades de terra deve impactar severamente as economias locais nordestinas. Em primeiro lugar, do ponto de vista fiscal, caso as atividades sejam encerradas, uma vez que os royalties e impostos ligados à atividade do petróleo tem grande participação na arrecadação dos municípios produtores.

Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), os royalties representaram cerca de 50% da arrecadação do município de Carmópolis (SE) e quase um terço do município de Madre de Deus (BA) em 2012. Em segundo lugar, do ponto de vista dos impactos sociais, há a possibilidade de ampliação dramática do desemprego, apenas em Sergipe são cerca cinco mil trabalhadores no setor, e a queda na renda provocada por esse encolhimento da atividade também será significativa.

Além das mudanças provocadas pelo complexo químico e de petróleo, a indústria de biocombustíveis, a partir da Petrobras, estabeleceu uma forte articulação local entre a produção de biodiesel, o desenvolvimento da logística local e dos pequenos produtores agrícolas.

A própria criação da Petrobras Biocombustiveis teve como uma de suas funções articular a cadeia de suprimento de biodiesel, logística local e desenvolvimento técnico da produção de insumos. Nesse processo, até 2012, cerca de 34 mil agricultores familiares firmaram contratos com a Petrobras para participar desse processo. Esses contratos auxiliaram os produtores em três frentes: fornecimento de sementes, apoio ao gerenciamento e desenvolvimento técnico da produção e garantia de venda dos produtos para as usinas. Ou seja, além das demissões provocadas pelo fim dessas atividades, milhares de agricultores locais perderam uma importante fonte de renda e desenvolvimento local.

Portanto, a saída da Petrobras do Nordeste é muito mais do que uma simples venda de empresas. Representa uma forte desarticulação e fragilização de uma estrutura industrial ainda incipiente. Desorganiza a produção de fornecedores locais, tanto da indústria quanto da agricultura, e a criação de clusters para o desenvolvimento industrial, reduzindo a autonomia que a região vinha criando do eixo industrial do Centro-Sul.

Certa vez, Celso Furtado ensinou que na industrialização do Nordeste, ao longo de sua história, as relações estruturais estabelecidas na região foram, “no essencial, uma prolongação do desenvolvimento industrial do Centro-Sul, e só secundariamente uma resposta aos requerimentos da população local”. Se ainda existe alguma política que busca modificar essa dinâmica, a Petrobras parece não mais fazer parte dela. 

O autor desse estudo, Rodrigo Leão, é economista (FACAMP) e mestre em desenvolvimento econômico (IE/UNICAMP). Foi gerente executivo de planejamento da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros). Atualmente, é pesquisador da Cátedra Celso Furtado/FESP-SP e um dos membros do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas (GEEP) da FUP