Flavio Gomes*
Nasci em 15 de julho de 1964. Portanto, depois do golpe que instalou a ditadura militar no Brasil. Vivi, na adolescência, a distensão iniciada por Geisel. Na juventude, o fim do regime, a luta pelas Diretas, a morte de Tancredo, os anos Sarney, a eleição e a deposição de Collor, a dignidade de Itamar, a farra privatista de FHC, a chegada dos trabalhadores ao poder.
Vivi, desde o início de 2003, num país melhor, num lugar em que pela primeira vez o andar de cima olhou para baixo.
Isso tudo acabou neste 31 de agosto cinzento e deprimente. É nisso que o Brasil se transformou: num país cinzento e deprimente. E, aos 52 anos de idade, vivi algo que jamais imaginei que poderia viver. Um golpe de Estado que derrubou uma presidenta honrada e eleita democraticamente.
Um país que apontou a proa para a modernidade, para buscar a redução da desigualdade, para atender às minorias, para oferecer oportunidades a quem nunca teve, mudou de rumo.
A direção é a pior possível. Perceber que o Brasil voltou às mãos de quem sempre se valeu da miséria alheia para enriquecer e subjugar os mais frágeis é algo que entristece profundamente aqueles que têm algum caráter humanista e solidário.
Tristeza talvez seja a única palavra que defina o que sinto agora. Meus filhos estão prestes a entrar na sua vida adulta num país que guinou violentamente para o conservadorismo, que sucumbiu ao poder de uma elite econômica, midiática, industrial e jurídica, elite que nunca engoliu um retirante operário como seu presidente. E que não pensou duas vezes para sabotar um projeto de país não combina com suas ambições e sua ganância desmedida.
Dias horríveis vêm pela frente. Os últimos dois anos serviram para revelar personalidades, trouxeram à tona uma clara divisão de pensamentos e visões de mundo.
Me decepcionei amargamente com amigos, colegas e parentes. E com centenas, milhares de desconhecidos. Saber, com nitidez, que pertencemos a lados tão distintos é algo doloroso. Não me refiro, aqui, a ideologias ou preferências partidárias. Seria reducionista pensar desse jeito.
Trata-se, sim, de escolher com quem ficar. Com quem alimenta o ódio de classe, exerce o preconceito e a misoginia, perpetra o desprezo, perpetua a ignorância, pratica o obscurantismo?
Jamais. Jamais.
Olhem para os lados. Vejam quem se decidiu por qual lado neste embate escancarado. Observem bem aqueles que discursam raivosamente contra aquilo que se fez no Brasil nos últimos 13 anos. Reparem na ira, no rancor, na fúria, na agressividade das palavras, das atitudes, do olhar.
As feridas abertas nos últimos meses não vão ser fechadas tão logo.
Este país se tornou um péssimo lugar para viver. Talvez tenha sido pior, em passado já levemente remoto. Mas de alguma forma, em algum momento, tivemos a impressão de que uma flor poderia brotar deste solo árido e lanhado. O sangue de muita gente precisou verter para que chegássemos a algo próximo de uma nação digna e decente.
Receio que tenha sido inútil. Porque aqueles que tinham inventado a tristeza, em vez de desinventar, reinventaram.
*jornalista, dublê de piloto, escritor e professor de Jornalismo.