Ineep alerta sobre a urgência de fortalecimento do regime de partilha de produção

Pesquisadores do Ineep alertam que a tentativa de alteração do regime de partilha de produção enfraquece a Petrobrás e reduz ainda mais a participação do Estado na gestão de um recurso estratégico, colocando em risco a soberania energética e o desenvolvimento econômico e tecnológico do país. 

Leia a íntegra do artigo de Francismar Ferreira e André Tokarski, publicado originalmente no Le Monde Diplomatique Brasil:

Lei nº 12.351/2010, que institui o regime de partilha de produção para as áreas do pré-sal e demais áreas estratégicas, completará 15 anos em 2025. Sua regulamentação foi introduzida no Brasil com a descoberta do pré-sal, tendo como objetivo promover a adaptação da legislação à nova conjuntura, marcada pela redução do risco exploratório e a confirmação da viabilidade econômica da produção e exploração nesta nova fronteira. Em 2016, essa lei sofreu suas primeiras alterações, resultando na flexibilização da atuação da Petrobras como operadora.  

Atualmente, o presidente da Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado tem reacendido o debate sobre uma possível nova alteração, que prevê a eliminação do direito de preferência da Petrobras nos leilões e a flexibilização dos limites das áreas de partilha. Trata-se de uma proposição que, ao mesmo tempo, enfraquece a Petrobras e implica em uma menor participação do Estado em um recurso energético e financeiro estratégico para a soberania energética, bem como para o desenvolvimento econômico e tecnológico do país. 

Até 2010, o regime de concessão era o único vigente no país nos contratos de exploração e produção. Com as grandes descobertas do pré-sal realizadas pela Petrobras, foi regulamentada uma nova forma de contrato, o regime de Partilha. Trata-se de um regime adotado em diversos países, especialmente aqueles em desenvolvimento, onde o Estado busca maior participação nas operações de exploração e produção e maior apropriação das rendas petrolíferas, o que não é plenamente garantido pelo regime de concessão. No quadro a seguir, podem ser verificadas as similaridades e diferenças entre os regimes de concessão e partilha adotados no Brasil. 

Org. Ineep / Fonte: Adaptado de Leão (2018)1 e PPSA (2023).

Inicialmente, o regime de partilha, estabelecido pela Lei nº 12.351/2010, possibilitava maior controle por parte do Estado, mediante a obrigatória participação da Petrobras, que deveria deter no mínimo 30% de participação nos contratos, além de exercer o controle de uma parcela significativa dos recursos extraídos por meio da PPSA. Além disso, a regulamentação definiu o polígono do pré-sal, que compreende uma área que abrange parte das bacias de Campos e Santos, situada entre os estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. Todos os blocos localizados dentro do polígono deveriam, a partir de então, ser regulados pelo regime de partilha. A lei prevê, ainda, que outras áreas de elevado potencial exploratório podem vir a ser classificadas como estratégicas pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) a fim de serem igualmente regidas pela lei da partilha. 

A lei também criou o Fundo Social do pré-sal, vinculado à Presidência da República, com a finalidade de constituir uma fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional, por meio de programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento. Logo, os recursos do fundo possibilitam que as rendas petrolíferas do pré-sal sejam convertidas em benefícios para o país, indo além das operações de exploração e produção em si e sendo investidos em áreas como educação, ciência e tecnologia, habitação de interesse social, mitigação e adaptação às mudanças climáticas entre outras.  

Em 2016, por intermédio da Lei nº 13.365, foi promovida a primeira modificação no regime de Partilha. Na ocasião, foi eliminada a obrigatoriedade da participação mínima de 30% por parte da Petrobras. A estatal ficou restrita ao direito de manifestar preferência para atuar como operador e possuir participação mínima de 30% nos blocos disponibilizados nas rodadas licitatórias da ANP.  Essa modificação abriu precedentes para que petroleiras privadas e estatais multinacionais formassem consórcios e adquirissem blocos no polígono do pré-sal sem a participação da Petrobras.  

Vale ressaltar que logo após a retirada da obrigatoriedade da Petrobras nos contratos de partilha, foi realizada uma aceleração das rodadas licitatórias de blocos no pré-sal. Das seis rodadas licitatórias sob o regime de partilha realizadas pela ANP entre 2013 e 2019, cinco foram realizadas somente em dois anos entre 2017 e 2019 onde as multinacionais arremataram seis blocos sem a participação da Petrobras, conforme dados da ANP. Soma-se a isso, outras duas rodadas licitatórias do excedente da Cessão Onerosa em 2019 e 2021 e outras duas no sistema de oferta permanente sob o regime de partilha entre 2022 e 2023. 

A produção de petróleo dos contratos de partilha representou aproximadamente de 30% da produção nacional de 2024, de acordo com dados da ANP e da PPSA. A tendência é que essa participação seja ampliada em função do desenvolvimento de novos projetos e também de novas descobertas decorrentes de trabalhos exploratórios em blocos já contratados. Dessa forma, fica evidente que a União já retém e continuará retendo uma parte significativa das receitas provenientes da exploração do pré-sal no curto e médio prazo, situação essa que não poderia ocorrer sob o regime de concessão. 

Recentemente, a Presidência da Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado pautou e posteriormente retirou de pauta o Projeto de Lei (PL) 3.178/2019, que propõe mudanças no regime de partilha do pré-sal. Em síntese, o PL busca eliminar o direito de preferência da Petrobras nos leilões sob o regime de partilha e prevê a possibilidade de realização de licitações sob o regime de concessão em áreas localizadas no interior do polígono do pré-sal. Tal proposta desconsidera as importantes singularidades do pré-sal, como sua alta produtividade, grandes acumulações de óleo leve, de excelente qualidade e alto valor comercial. Essas características ainda singularizam a região mesmo após quase duas décadas desde a primeira descoberta no pré-sal. Somente em 20252, a Petrobras em suas atividades exploratórias informou duas descobertas em ativos do pré-sal, o que reafirma o potencial da região.  

Essas medidas representam riscos à segurança energética do país e podem comprometer o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Empresas privadas e multinacionais, que atuam de acordo com interesses particulares e não alinhadas ao interesse público, terão liberdade para acessar esses reservatórios estratégicos sob o regime de concessão. Assim, uma parcela significativa de recursos essenciais ao desenvolvimento nacional poderá ser direcionada para o exterior. Além disso, a longo prazo, tal medida tende a reforçar a lógica de exportação de óleo cru pelo Brasil, uma vez que as empresas que atuam na exploração do pré-sal, exceto a Petrobras, não possuem unidades de refino no país. 

Por outro lado, o PL representa, em certa medida, o enfraquecimento da Petrobras. Em nome da ampla concorrência proposta pelo texto do PL, a estatal pode ter sua participação na região reduzida, o que pode impactar de forma negativa a reposição de suas reservas, seus níveis de produção e sua capacidade de investimentos.  

Ao completar seus 15 anos, o regime de partilha deve ser objeto de reflexão e debate. Não com o propósito de descaracterizá-lo, mas de fortalecê-lo. A atuação coordenada da Petrobras e da União no pré-sal, alinhada ao interesse público, representa importante medida para a manutenção da segurança energética nacional bem como para a conversão da riqueza do pré-sal em benefícios para o desenvolvimento econômico e social do país. Logo, é fundamental fortalecer o regime de partilha e consequentemente a condição estratégica do pré-sal. 

Contudo, embora seja fundamental, o pré-sal não é eterno. Assim, torna-se essencial ampliar a concepção e a delimitação de áreas estratégicas no país visando expandir o regime de partilha, especialmente em fronteiras exploratórias com elevado potencial como a Margem Equatorial Brasileira.  


Francismar Ferreira é Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo e pesquisador da área de Exploração e Produção do Instituto Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep). 
André Tokarski é Professor do curso de mestrado em Direito Constitucional Econômico (MADIR) da UNIALFA, coordenador do curso de Direito da UNIALFA, doutor em direito econômico e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).