INEEP explica perda de fôlego nos leilões brasileiros

Por Rodrigo Leão, Coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (INEEP)

Nos dias 6 e 7 de novembro foram realizadas duas rodadas de licitação de áreas do pré-sal. Ao todo, foram ofertadas nove áreas, e somente três foram arrematadas – todas com grande participação da Petrobras.

A empresa brasileira participou dos consórcios vencedores, sendo operadoras em todos eles. Na área de Búzios, no leilão do excedente da cessão onerosa, a Petrobras se associou às chinesas CNOOC e CNODC, e, na região de Aram, na sexta rodada da partilha, somente à CNODC. Na área de Itapu, também da Cessão Onerosa, a Petrobras garantiu, sozinha, o direito de exploração.

Embora envolvesse um volume gigantesco de recursos e tenha garantido um horizonte exploratório relativamente longo para a Petrobras, o resultado gerou grande frustração nos analistas do setor.

Logo após o encerramento dos leilões, o governo levantou a hipótese de que tal frustração estaria relacionada ao modelo de exploração de partilha e à preferência dada à petrolífera brasileira para decidir a sua condição de operadora ou não.

Ora, dentre as nove áreas ofertadas, quatro estavam abertas para receber propostas de outras operadoras sem a participação da Petrobras (Atapu, Sépia, Bumerangue e Cruzeiro do Sul). Portanto, se o problema estivesse associado a este aspecto, seria esperado que, nesses casos, as demais empresas formariam consórcios visando arrematá-las – o que não aconteceu.

Outro argumento utilizado seriam os elevados dispêndios com que as empresas vencedoras são obrigadas a arcar no regime de partilha. No entanto, o volume de óleo-lucro mínimo solicitado era relativamente baixo. Os valores mais elevados de gastos estavam associados à indenização exploratória que deveria ser paga à Petrobras – algo específico do leilão do excedente da Cessão Onerosa – e ao bônus de assinatura – que está presente em todos os leilões de petróleo, seja de concessão ou de partilha.

Recentemente, ao analisar a estratégia da petrolífera britânica BP, para o setor de energia, lembrei que há um crescente nível de incerteza das majors em relação aos investimentos de longo prazo no segmento de exploração e produção (E&P) de petróleo, em função da volatilidade de preços e das mudanças de estrutura e financiamento do setor de energia. O próprio Diretor de Finanças da BP, Brian Gilvary, afirmou que, desde a forte desvalorização do petróleo em 2014 as empresas, como a BP, têm priorizado projetos mais baratos e mais rápidos.

Uma estimativa realizada pelo Financial Times, em 2016, já sinalizava a perda de fôlego das majors nos investimentos em E&P. De um pico de mais de US$ 100 bilhões em 2013, as estimativas na época eram que, em 2020, os investimentos caíssem para um patamar inferior a US$ 50 bilhões.

Além do menor apetite, várias dessas empresas estão comprometidas com grandes investimentos exploratórios em novas fronteiras. A Exxon, por exemplo, anunciou que deve realizar, nos próximos cinco anos, um investimento médio anual, de US$ 4 bilhões na região offshore da Guiana e na Bacia do Permiano. A BP também sinalizou uma ampliação dos seus investimentos nas áreas offshore da Angola. Mesmo as grandes petrolíferas chinesas têm aumentado os investimentos no Mar da China, seguindo sua estratégia de diversificação e menor dependência de recursos energéticos do exterior. A CNOOC, por exemplo, anunciou investimento de US$ 2,3 bilhões por ano, até 2025, para explorar as recentes descobertas de gás no Mar da China.

Esta é uma lição importante: as majors e as maiores estatais de petróleo veem o pré-sal como uma das fronteiras exploratórias mais relevantes, todavia ela é parte de uma carteira ampla e globalizada de investimentos em E&P. E o crescimento dessa carteira depende muito menos das condições ofertadas pelos leilões no Brasil que do ritmo de investimento global dessas empresas e da sua disciplina de capital, que é cada vez mais determinada pela visão de curto prazo do mercado financeiro.

Isso significa que essas empresas serão cada vez mais cautelosas para ingressar nos leilões do Brasil, na medida em que suas carteiras de investimentos estiverem repletas de ativos a serem explorados, inclusive no Brasil. Deve-se lembrar que, com a aceleração dos leilões dos últimos anos (foram nove rodadas de licitações entre 2015 e 2019 e “somente” treze entre 1999 e 2013), diversas majors e as estatais chinesas aumentaram significativamente o volume de recursos a serem explorados no Brasil.

O próprio diretor-geral da ANP, Décio Oddone, segundo reportagem da Folha de São Paulo, reconheceu, após o leilão da cessão onerosa, que “as petroleiras estão com a carteira cheia de projetos do pré-sal e devem focar agora na exploração e desenvolvimento das reservas”.

Segundo estimativas do Instituto Nacional de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep), com as aquisições realizadas nos últimos anos, a Exxon assegurou áreas com um potencial estimado de reservas provadas de 11 bilhões de barris; a CNOOC e a Total, de 6 bilhões de barris; e a BP, de 4 bilhões. Todas esses ativos demandarão grandes investimentos para empresas que tem atuação em fronteiras exploratórias espalhadas pelo mundo.

Essa postura das majors, associada ao extremo conservadorismo da Petrobras – cuja agressividade nos leilões recentes se limitou ao excedente da cessão onerosa – tem uma espécie de “efeito-manada” para as operadoras menores. Com menos capacidade financeira e maior seletividade de projetos, tais empresas se tornam extremamente refratárias a participarem de leilões em que a Petrobras e as majors não demonstram grande apetite.

Isso tudo deixa claro que o problema não está no modelo de exploração, mas na aceleração dos leilões e na redução do apetite da Petrobras. Por isso, torna-se fundamental entender os movimentos estratégicos de médio prazo da majors para o E&P e (re)avaliar a demasiada austeridade da petrolífera brasileira.

O cronograma dos próximos leilões deveria se concentrar nessas questões e não nas necessidades fiscais de curto prazo no governo brasileiro ou numa espécie de “fé-cega” da concorrência perfeita. Caso contrário, as chances de novas frustrações serão imensas.

[Artigo publicado originalmente na Revista Brasil Energia]