Plínio Teodoro / Da Revista Forum – Entregue ao mercado financeiro desde o golpe de 2016, quando adotou a política de paridade internacional de preços – mantida por Jair Bolsonaro (PL) -, a Petrobras deve anunciar nesta quinta-feira (5) mais R$ 27,6 bilhões de dividendos a acionistas, resultado de um lucro líquido de R$ 42,6 bilhões no primeiro trimestre de 2022, segundo projeções do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).
A nova distribuição de dividendos acontece menos de seis meses após a estatal brasileira enviar R$ 101 bilhões aos acionistas – resultado do lucro de R$ 106 bi da empresa em 2021 – e deve vir acompanhada de um novo reajuste nos preços dos combustíveis, de 12% na gasolina e 24% no diesel, segundo a Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis (Abicom). Há dois dias, a estatal já elevou em 19% o preço do Gás Natural Veicular, o GNV.
Segundo Mahatma Ramos dos Santos, Pesquisador do Ineep e do núcleo de estudos Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente (DTA-UFRJ), há uma relação intrínseca entre o aumento dos preços dos combustíveis e dos lucros dos acionistas da estatal brasileira.
“Como dito pela direção da empresa, hoje seu foco ou “pilar” é “gerar e distribuir valor” e, eu acrescento, em especial aos seus acionistas privados”, diz Santos, que participou do estudo que fez a projeção dos lucros e dividendos da companhia.
Santos diz ainda que a estratégia da empresa que beneficia o mercado financeiro e “marginaliza” investimentos na sociedade brasileira, como na educação e saúde, faz parte de uma política de Estado levada a cabo por Bolsonaro e Paulo Guedes, ministro da Economia.
“O que os últimos planos estratégicos da companhia revelam é a participação marginal dos investimentos de caráter social no total de investimentos da empresa”, afirma o pesquisador.
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Qual a influência da política de preços da Petrobras nos dividendos pagos a acionistas?
A política de preços de paridade de importação (PPI), adotada pela Petrobras desde outubro de 2016, sofreu diversas modulações ao longo dos últimos anos, mas segue sendo um fator nuclear da estratégia de negócios da Petrobras. Anunciada como elemento imprescindível para atração de investimentos e para ampliar a concorrência no segmento de refino, o PPI tem como principais efeitos concretos: por um lado, (i) incremento da volatilidade dos preços dos combustíveis com viés de alta no Brasil, em virtude de se ancorar na variação dos preços internacionais de petróleo (ponderado pela taxa de câmbio e custos de transporte); (ii) aumento dos índices de preços gerais e custo de vida da população brasileira; além de (iii) provocar movimentos de contestação política ao governo federal, como a greve dos caminhoneiros em 2018. E, por outro lado, ela segue garantindo a ampliação das receitas de vendas de derivados no mercado interno e ampliação das margens de lucro da companhia, elementos que ao lado da redução da estrutura de custo total de produção de petróleo da Petrobras (ancorada, sobretudo, no pré-sal), garantiram resultados extraordinários a empresa em 2021 (lucro líquido R$ 106,7 bi, o maior de sua história recente) e devem garantir no 1T22, mais uma vez, resultado positivo a Petrobras.
Quem são os acionistas mais beneficiados com essa distribuição?
A atual composição acionária da Petrobras, garante que parte majoritária dos lucros distribuídos se dirijam aos seus acionistas privados (não -brasileiros e brasileiros) e não ao grupo de controle (governo federal e BNDES). Enquanto o grupo de controle (a união) tem 36,61% do capital total da companhia, os investidores brasileiros detêm 18,27% e os investidores não-brasileiros (com ações em NYSE e B3) detêm 45,12%, maior participação na distribuição a riqueza gerada pela companhia.
Como a política de privatizações e desinvestimento em áreas como transporte e logística são usadas como álibi para manter essa política?
Sob o argumento de que a venda de ativos, sobretudo no segmento de refino, ampliarão a concorrência e evitarão distorções no mercado produção e exploração de petróleo e seus derivados, essa estratégia de desinvestimentos, de fato, amplia a vulnerabilidade da Petrobras quanto a choques externos de preços, além de reduzir sua capacidade produtiva de derivados e restringir o abastecimento do mercado interno.
Na sua visão, qual deveria ser a prioridade da Petrobras em relação aos lucros obtidos pela empresa?
A ampliação dos investimentos da companhia, que no último biênio esteve em seu menor patamar na última década. Em especial no segmento de refino, como objetivo de garantir o acesso e segurança de abastecimento energético ao consumidor nacional a preços justos. Assim como, no segmento de exploração e produção e no desenvolvimento de uma política de transição energética justa. Esse é o caminho para retomar o caráter integrado e verticalizado da empresa, recolocando-a como vetor positivo de um projeto de desenvolvimento nacional.
Remunerar acionistas em detrimento do investimento em programas sociais é uma política hoje da Petrobras?
O que os últimos planos estratégicos da companhia revelam é a participação marginal dos investimentos de caráter social no total de investimentos da empresa. A principal forma de retribuição a sociedade da riqueza gerada pela Petrobras nos últimos anos tem sido apenas através do pagamento de tributos e participações governamentais, além da distribuição de dividendos a União. Como dito pela direção da empresa, hoje seu foco ou “pilar” é “gerar e distribuir valor” e, eu acrescento, em especial aos seus acionistas privados.
A mudança no comando da empresa vai mudar algo nessa política de privilegiar acionistas?
A despeito das recentes mudanças na composição da direção e do conselho administrativo da Petrobras é provável que não ocorram mudanças nos três pilares que orientam a atual estratégia de negócios da companhia, que são a política de preços, continuidade dos desinvestimentos e distribuição de dividendos.
Acesse o estudo do Ineep
Leia o estudo na íntegra.
[Foto: Flávio Emanuel/Agência Petrobras]