Investimentos em Etanol e o Trabalho Análogo à Escravidão

Petrobrás deve investir bilhões em mercado que ainda carrega sinais da escravidão

O mundo precisa mudar. Ciente disso, a Petrobrás anunciou que planeja investir cerca de 2,2 bilhões de reais na produção de etanol até 2029. O investimento no combustível renovável é uma alternativa importante na crise climática, mas esse setor que aponta para o futuro, ainda é carregado de retrocesso no que diz respeito ao mercado de trabalho. A matéria-prima mais usada na produção de etanol no Brasil é a cana-de-açúcar e os cortadores de cana estão entre as maiores vítimas do trabalho análogo à escravidão, segundo dados divulgados no Portal de Inspeção do Trabalho, do Governo Federal, por meio do Radar SIT.

O levantamento do radar SIT tem Campos dos Goytacazes (RJ) na liderança do ranking, levando em conta os números da série histórica iniciada em 1999. O município é conhecido pela produção de petróleo devido à Bacia de Campos. Mas não falta história também relacionada ao etanol e trabalho escravo. Na década de 60, Campos chegou a ter três destilarias do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), órgão que regulava a produção de açúcar e álcool no país. Atualmente o mercado sucroalcooleiro encolheu, contudo o ambiente nos canaviais continua insalubre. Foram registradas 198 autuações por trabalho análogo à escravidão até o ano de 2022. 

Em todo o país, dados da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), revelam um momento crítico. Em 2023, aconteceu o maior número de resgates de vítimas em condições análogas à escravidão em 14 anos, totalizando 3.190 pessoas, por meio de 598 ações fiscais. O cultivo de cana-de-açúcar (258) só perdeu o cultivo de café (302) resgates. Esse quadro nocivo encontrou um cenário favorável a partir de 2017, quando a Lei 13.429 removeu vetos, até então existentes, para a terceirização de diversas atividades rurais. Em canaviais, essa prática se tornou comum tanto no corte quanto no plantio. 

Justiça tardia

Após mais de 20 anos, o fazendeiro Norberto Mânica, condenado por matar três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho foi preso. O crime aconteceu durante uma fiscalização em Unaí (MG), em 2004. Ele foi encontrado no dia 15 de janeiro, em Nova Petrópolis (RS). O caso ficou conhecido nacionalmente como “Chacina de Unaí”.

Essa chacina aconteceu no dia 28 de janeiro. Desde 2009, a data entrou para calendário oficial como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Análogo à Escravidão. De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego de 1995 até 2023 foram resgatadas 63,4 mil pessoas em condicões análogas a escravidão. Em contrapartida, o MTE atua com apenas 2.000 auditores fiscais, o menor número desde que a profissão foi criada, há 30 anos. 

Em julho de 2024, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontou que o Brasil tinha um déficit de 3,5 mil auditores fiscais do trabalho. Em março de 2023, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT) informou que o país tinha 1.949 auditores na ativa, em um quadro de 3.644 vagas. Tamanha defasagem de profissionais aponta para um cenário preocupante de possíveis subnotificações. 

Investimentos, fiscalização e denúncia

Ano passado, foi inaugurada nos Estados Unidos a primeira fabricante de combustível para aviação à base de etanol. A empresa deverá usar principalmente matéria-prima brasileira e demanda de seus fornecedores uma certificação de sustentabilidade. Essa postura segue o que preconiza o objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8.7 da Agenda 2030 da ONU, que inclui medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado e acabar com a escravidão moderna. 

Este momento promissor para o combustível renovável, que inclui os investimentos anunciados no novo Plano de Negócios da Petrobrás, não pode excluir o trabalhador da base deste mercado. Existem dispositivos legais para que isso não aconteça. Em 2015, a petrolífera assinou o Pacto Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, do Instituto Pacto Nacional de Erradicação de Trabalho (InPACTO), que tem como objetivo o enfrentamento do trabalho escravo contemporâneo. Desde outubro de 2023, passou a exigir o mesmo de fornecedores antes de estabelecer qual relação comercial. 

Mesmo não representando a categoria de trabalhadores que mais sofrem com o trabalho análogo ao escravo no mercado de energia, o Sindipetro-NF segue atento a estas práticas criminosas e recomenda a denúncia. Os canais são o Disque 100 e o Sistema Ipê. Faça sua parte!