Eleição do líder social representa um tsunami político em um país que exige mudança de regime após duas décadas de alternância entre os principais partidos
El País – Andrés Manuel López Obrador, também conhecido pelas iniciais AMLO, será o novo presidente do México. Pela primeira vez, um político com experiência como líder social e olhar voltado para a esquerda governará o mais populoso país de língua espanhola, a segunda maior economia da América Latina, o vizinho meridional da grande potência mundial. Segundo a apuração preliminar do Instituto Nacional Eleitoral, ele obteve entre 53% e 53,8% dos votos, bem à frente de Ricardo Anaya (22%-22,8%) e José Antonio Meade (15,7%-16,3%). Em outras palavras: López Obrador será o presidente com maior respaldo na história do México. Não foi preciso nem esperar os resultados oficiais. Depois da divulgação das pesquisas de boca de urna, seus dois rivais reconheceram a derrota e parabenizaram o vencedor. O México escolheu não só um presidente, mas também um futuro diferente. A vitória significa um tsunami político. O Morena, partido de López Obrador, governará também a Cidade do México e obtém o poder em vários Estados. Se há 18 anos o país decidiu pôr fim à hegemonia de sete décadas do PRI, agora exige uma transição, uma mudança de regime após duas décadas de alternância entre os partidos tradicionais.
O triunfo de López Obrador é a constatação de que o país exige aos gritos uma mudança. O esgotamento e a irritação com o sistema atual falaram mais alto que qualquer outro fator. O eleitorado do México dá uma chance a AMLO após fechar-lhe a porta em duas ocasiões. Aos 64 anos, o líder do Morena promete uma transformação histórica à altura da Independência (1821), da Reforma (1857-61) e da Revolução (1910). Mas a partir de agora, as propostas grandiloquentes precisarão ser estacionadas. López Obrador terá de especificar como acabará com a corrupção, indo além de uma vaga promessa de honestidade, e definir um plano para reduzir os níveis de violência.
Neste domingo, o México deu as costas ao legado de Enrique Peña Nieto, encarnado no candidato José Antonio Meade, e rechaçou a mudança que Ricardo Anaya propunha. Foi um resultado esmagador, numa jornada democrática como poucas na lembrança deste país: quase sem incidentes e sem acusações mútuas de fraude. Uma tranquilidade até espantosa, em comparação ao turbulento cotidiano do México.
Um dos maiores desafios de López Obrador até 1º. de dezembro, quando tomará posse – cinco longos meses de transição – será superar a polarização gerada durante uma campanha eleitoral tensa. Sua figura, apesar de contar agora com um respaldo muito maior do que nas duas primeiras tentativas, continua sendo motivo de confrontação. O líder do Morena soube incorporar críticos ao seu projeto, mas continua tendo furiosos detratores que não confiam nele. Consideram que a aparente moderação do seu discurso é uma fachada. Se durante a campanha ele conseguiu eliminar a ideia de que seria um perigo para o México, a partir de agora deverá mostrar que governará para todos os mexicanos, desmentindo aqueles que veem nele o fantasma do autoritarismo. Em seu primeiro pronunciamento depois da vitória, López Obrador defendeu “a reconciliação de todos os mexicanos”, ao mesmo tempo em que lançou uma mensagem de tranquilidade para os investidores e o empresariado.
A contundente vitória de López Obrador, ligado a uma agremiação fundada especificamente para esta eleição, deixa o sistema partidário mexicano de pernas para o ar. Desde 1988 a política do país girava principalmente em torno do hegemônico Partido da Revolução Institucional (PRI), ladeado pelo conservador Partido Ação Nacional (PAN) e pelo progressista Partido da Revolução Democrática (PRD). Tudo isso pode agora ser reduzido a cinzas. A vitória do líder do Morena é tão significativa quanto a derrota do resto dos partidos. A irrupção do Morena como principal força no Congresso põe a esquerda perante um enorme desafio, pois esse triunfo foi obtido em coalizão com um partido, o Encontro Social, que fica no polo ideológico oposto. Essa pequena formação evangélica se prepara para ter um peso parlamentar com o qual jamais havia sonhado.
Mais incerto será o caminho para o PRI e o PAN. O primeiro não só deixará o Executivo em 1º. de dezembro como também terá de digerir o mau resultado de Meade e a mais que previsível perda de poder em nível local. Com isso, o partido que está há décadas no imaginário de todos os mexicanos terá de iniciar uma travessia pelo deserto. Nunca antes o PRI se viu frente a este cenário. A aposta em Meade, um tecnocrata com ampla trajetória no Governo, com quem Peña Nieto esperava conter o desgaste da sua administração e do seu partido, acabou sendo um fiasco. O ônus era pesado demais. Além disso, as divisões internas tornaram inviável esta campanha condenada ao fracasso desde o início.
O final de mandato marcado pela violência e a corrupção, junto com os resultados desta eleição, complicam fortemente a imagem do atual presidente – ainda passará cinco meses no cargo – e deixa muito fragilizado o grupo que o apoiou ao longo destes seis anos. Espalha-se entre muitos dirigentes do chamado velho PRI o temor de que, se não houver uma rápida transição de poder no partido, a estrutura poderá ser absorvida pela ascensão do Morena.
O futuro da direita tampouco é muito alentador. O PAN se vê agora numa encruzilhada. Ricardo Anaya condiciona seu capital político ao sucesso da Frente, uma aliança com a esquerda, que ele articulou como presidente da agremiação conservadora. A aposta, porém, gerou uma divisão no PAN. Os adversários internos do candidato consideram que, se tivesse se lançado sozinho, o tradicional partido mexicano de oposição teria tido mais chances de enfrentar López Obrador. Os gestos contra Anaya se multiplicaram desde o momento da sua indicação. Também a direção do PAN se mobilizou quanto a isso. Horas antes da eleição, a formação expulsou vários dirigentes outrora relevantes, o que muitos interpretaram como a aceitação antecipada da derrota, um esforço em conter uma crise que parece ser inevitável.
O México vive uma nova era a partir desta segunda-feira. Um desafio que transcende um país de 120 milhões de pessoas, que decidiu abrir as portas do poder à esquerda.