Quando apenas o resultado financeiro guia o planejamento das empresas, as vidas de trabalhadores e trabalhadoras e a qualidade do meio ambiente deixam de receber a devida consideração e passam a contar mais com a “sorte”. Mas, nas operações de uma indústria de alto risco e alta periculosidade, como a de óleo e gás, contar com a “sorte” é certeza de vivenciar acidentes e até mesmo tragédias humanas e ambientais.
A Bacia de Campos vem sendo um exemplo claro disso. A suposta “otimização” de recursos e investimentos de empresas que vêm adquirindo áreas antes operadas pela Petrobras se traduz, na prática, em redução de custos e de pessoal. Resultado: menos segurança nas operações, mais risco para trabalhadores e ameaça permanente ao meio ambiente.
Além do corte de empregos e, consequentemente, queda da renda e de arrecadação dos cofres públicos, a privatização de campos de produção da Petrobras na região dá sinais de que a segurança operacional nos ativos adquiridos está em segundo plano. Apenas nos dois primeiros meses deste ano, em 17 de janeiro e 11 de fevereiro, as plataformas P-65 e PCE-1, da Trident Energy, que adquiriu os polos Enchova e Pampo da Petrobras, registraram vazamentos de gás e petróleo e de água oleosa, contaminada com petróleo.
ANP preocupada com segurança operacional
A situação é, de fato, preocupante. Até mesmo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) está preocupada com a segurança operacional das instalações adquiridas da Petrobras, muitas delas por empresas investidoras, sem qualquer experiência em operações no setor de óleo e gás.
Em novembro passado, em uma edição do Workshop de Segurança Operacional de Meio Ambiente, promovido pela ANP, o então diretor-geral interino da agência, Raphael Moura, disse que o aumento de petroleiras operando no Brasil traz novos elementos para a segurança no setor.
“Precisamos garantir que tenhamos as melhores práticas na adaptação, reutilização, extensão de vida útil e no descomissionamento de campos e instalações”, disse ele, na época.
Quase um mês depois, em meados de dezembro de 2020, a ANP interditou quatro plataformas da Trident. Além da PCE-1 e da P-65, a agência determinou a interrupção das atividades da P-8 e da PPM-1. Entre vários pontos relativos à segurança, a ANP também exigiu da Trident “avaliar um grande número de pedidos de demissão de funcionários relacionados às atividades principais da Trident em dois meses. A análise deve identificar a causa e avaliar o impacto da segurança das operações do Trident e propor um plano de ação (se aplicável) para implementar as medidas”.
Dias depois, contudo, a empresa reverteu a decisão e foi autorizada a retornar as operações das unidades, ainda que com a condição de apresentar soluções às exigências feitas pela ANP. Mas, na sequência, duas das plataformas que haviam sido interditadas registraram incidentes.
Lucros e exaustão em alta
De acordo com o coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, o perfil dos compradores de áreas na Bacia de Campos – assim como em outras regiões do país onde a Petrobras vem privatizando seus ativos, como na Bahia, no Rio Grande do Norte, no Ceará e no Amazonas, entre outros estados –, é de investidores estranhos ao setor petrolífero. Por isso, os novos donos acabam reduzindo o que vêm como meros custos aquilo que, na verdade, são gastos essenciais para uma operação segura.
Há cerca de seis meses, o Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF) alertava sobre uma situação que vinha acontecendo durante a pandemia: petroleiros do setor privado que passaram a trabalhar em escalas exaustivas em operações submarinas. Há casos de trabalhadores que ficam à disposição da empresa por 35 dias, contando o período de confinamento, com 21 dias de folga. Outras empresas apresentam quadro ainda pior: jornadas de 39 dias por 19 dias de folga.
Como é um tipo de trabalho que mexe com cargas e movimentações pesadas, acidentes em operações submarinas geralmente são graves, com alto risco de óbito. E à exaustão dos trabalhadores somam-se todas as ações do governo federal no sentido de simplificar regras e afrouxar protocolos de segurança do trabalho. Um prato cheio para quem quer maximizar lucros.
Em entrevista à Rádio NF, em setembro último, Solange Belchior, conselheira estadual de Saúde e membro da Associação Brasileira de Enfermagem do Rio de Janeiro, classificou a lógica das empresas que estão se instalando na Bacia de Campos como “canibal”.
“Elas não vêm aqui para plantar, vêm para comer e alimentar o seu capital. Esperamos um impacto muito grande nos indicadores de saúde. Há uma dificuldade de se entrar em empresas estrangeiras para o levantamento de dados sobre mortes e adoecimentos, fatos que gerariam custos com indenizações. O norte do estado já tem um índice de adoecimento alto do sistema respiratório, e essas empresas nos veem como animais para o lucro, e não como seres humanos”, comentou.