Paulo Donizetti de Souza / Da Rede Brasil Atual – Morreu nesta quinta-feira (3) a médica e pesquisadora Margarida Maria Silveira Barreto, professora do curso de Pós-graduação em Medicina do Trabalho da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. E conhecida no meio científico e sindical por seu pioneirismo nos estudos que identificaram e conceituaram o assédio moral no trabalho. Doutora em Psicologia Social e integrante pesquisadora do Núcleo de Estudos Psicossociais de Exclusão e Inclusão Social da PUC-SP, a médica foi também precursora dos estudos sobre assédio sexual. Assim, ajudou a identificar o impacto das diversas formas de assédio na vida dos trabalhadores.
Margarida lutava há mais de um ano contra um câncer no estômago. Mas, imunodepressiva, acabou perdendo a energia para prosseguir o tratamento ao contrair o coronavírus no início deste ano. O que torna este 3 de março particularmente um dia de grandes perdas para a ciência brasileira, já que morreu também o físico Luiz Pinguelli Rosa.
“Para nós foi muito impactante constatar que o trabalho nos últimos anos esteja sendo tão duro, exigindo tanto, e que as pessoas estejam tão sobrecarregadas a ponto de, além dar o sangue e o suor, dar a vida em determinados casos”, afirmou Margarida em entrevista à Revista do Brasil de junho de 2011. “Falta um pouco de amor, de respeito e de fraternidade”, dizia a médica. E não apenas no ambiente propriamente de produção laboral, mas até dentro dos espaços sindicais, das ONGs, entre outros relacionados ao mundo do trabalho. “Falta também o indivíduo ver o outro como um igual em direitos.” Na ocasião, a médica participou da publicação do estudo Do Assédio Moral à Morte de Si – Significados Sociais do Suicídio no Trabalho.
O trabalho resultou de uma pesquisa com 400 trabalhadores das indústrias químicas de São Paulo em 2010. Para se ter ideia da gravidade das pressões e humilhações decorrentes do assédio moral, cerca de 71% dos entrevistados declaravam já não sentir prazer no exercício do trabalho. Além disso, 27% diziam ter ideias suicidas relacionadas ao trabalho. Ou seja, quase três em cada 10 trabalhadores já pensaram em dar fim à vida motivados por condições a que são submetidos. A organização do livro é assinada também por por Lourival Batista Pereira, então coordenador da Secretaria de Saúde e Meio Ambiente do Sindicato dos Químicos de São Paulo, e pelo psicólogo Nilson Berenchtein Netto, mestre em Psicologia Social pela PUC-SP.
Durante a pandemia de covid-19, Margarida Barreto prosseguiu atualizando seus estudos, identificando uma nova forma de hostilidade aos trabalhadores. Segundo ela, a forma negligente com que governos e empresas abordaram a gravidade da situação criou um ambiente de resignação e passividade, formando, assim, um “pacto de silêncio” que contaminou toda a sociedade. “Vivemos uma crise econômica sem precedentes. Crise política profunda e sanitária devastadora. A pandemia vem acompanhada de uma desinformação acentuada. As decisões políticas são influenciadas pelo ambiente social. O próprio governo não se cansa de destruir direitos. Eu não sou otimista frente à passividade e ao pacto de silêncio que se formou e as pessoas aceitam”, disse, durante live realizada pela Agência Sindical em setembro de 2020. Assim, na ocasião, ela reiterava a importância de as empresas abrirem os olhos.
Margarida escreveu também, com Roberto Heloani, Assédio Moral – Gestão por Humilhação (Juruá, 2018). Seu trabalho precursor na área é Violência, Saúde e Trabalho. Uma Jornada de Humilhações (Educ, 2003).
Ao mesmo tempo, reforçava a importância de os sindicatos terem sua estrutura atuante na defesa da saúde do trabalhador. “Quando o trabalhador procura o sindicato é necessário que seja ouvido. O sindicato deve cuidar daquele caso, mas buscar conhecer o contexto da empresa. Sindicato deve ter médico que possa conversar com o trabalhador. Este precisa passar com um médico do trabalho, de preferência que tenha experiência em psiquiatria.”
A médica Maria Maeno, também incansável ativista da ciência em defesa da saúde no ambiente do trabalho, lamenta a perda da companheira. “Minha vida ganhou mais sentido por ter tido a oportunidade de ter conhecido Margarida Barreto”, afirma. “Nossos caminhos se cruzaram várias vezes e nosso último encontro presencial foi numa atividade na Zona Norte de São Paulo, com mulheres da União Brasileira de Mulheres. Virtualmente conversamos algumas vezes nesse período e ela sabia de sua condição difícil. Perdemos uma pessoa maravilhosa. Porque apesar de tudo o que temos testemunhado, tinha fé no ser humano. Margarida sempre presente!”
Uma de suas persistentes causas era conscientizar os trabalhadores para que denunciassem as práticas do ambiente laboral que desestruturavam suas vidas. “Combater a violência é uma longa luta. Mas aprendemos que a única luta que se perde é aquela que se abandona”, dizia. Coerente, Margarida Barreto nunca abandonou sua luta.
[Foto: Divulgação / UFSC]