Mortes anunciadas : E agora Petrobrás?

Compartilhar no facebook
Compartilhar no twitter
Compartilhar no whatsapp

O gerente da BW Offshore, responsável pela FPSO Cidade de São Mateus, onde em fevereiro deste ano uma explosão matou nove trabalhadores, feriu 26 e deixou outros 39 traumatizados, foi indiciado pela Polícia Federal por homicídio doloso e lesão corporal grave, que podem lhe render até 20 anos de prisão. A decisão é resultado da investigação do acidente, que constatou que o gerente sabia da possibilidade de explosão na plataforma e, mesmo assim, permitiu a continuidade da operação, sem que nada fosse feito para garantir a segurança dos trabalhadores. O inquérito foi enviado ao Ministério Público Federal na quinta-feira (17), para que o órgão se posicione se vai ou não oferecer a denúncia.

Segundo a Polícia Federal, um detector portátil, encontrado na roupa de uma das vítimas, alertou sobre o grau de explosividade da casa de bombas da FPSO, onde ocorreu o vazamento de gás. A investigação revelou que, próximo ao momento do acidente, o detector já havia sinalizado 100% do limite máximo de risco, o que foi registrado por rádio e chegou ao conhecimento do gerente da plataforma que, mesmo assim, continuou enviando trabalhadores para o local da explosão.

Na quinta-feira (17), a ANP divulgou o seu relatório sobre o acidente e responsabilizou também a Petrobrás pelas mortes no navio plataforma. A estatal, apesar de ser a contratante da BW e operadora do campo onde a empresa prestava serviços, descumpriu 28 itens do Sistema de Gerenciamento de Segurança Operacional. O relatório da ANP revelou que “decisões gerenciais tomadas pela Petrobrás e BW Offshore, ao longo do ciclo de vida do FPSO Cidade de São Mateus, introduziram riscos (…) que  criaram as condições necessárias para a ocorrência deste acidente maior”, como destaca a página 13 do documento.

A investigação constatou ainda que a principal causa da explosão foi a estocagem inadequada de condensado, que não estava prevista no contrato assinado entre a Petrobrás e a BW.  Entre outras falhas de gestão apontadas pela ANP como causas do acidente estão degradação do sistema de cargas, equipes de trabalhadores despreparadas, operações equivocadas, equipamentos impróprios, exposição dos trabalhadores ao risco, além da adoção de materiais inadequados em uma atmosfera explosiva. Tudo isso sob as barbas da Petrobrás, que permitiu que a FPSO se transformasse em uma bomba relógio, com 74 trabalhadores a bordo. Até quando os gestores da empresa continuarão impunes, enquanto crimes como o da FPSO continuam ocorrendo sem que nada seja feito?

ANP responsabiliza gestão da Petrobrás por acidente que matou 09 trabalhadores no Espírito Santo

Ao longo das 288 páginas do relatório da ANP, fica explícito que o que aconteceu na FPSO Cidade de São Mateus foi praticamente um assassinato. Há anos, pelo menos 28 itens do Sistema de Gerenciamento de Segurança Operacional vinham sendo descumpridos, com a conivência dos gestores da Petrobrás.  

A investigação feita pela ANP apontou que “a falta de requisitos mínimos de gestão de riscos, tal qual apresentada neste relatório, causou o acidente do FPSO”. Na conclusão do relatório, a Agência é categórica:  “não estabelecer métodos para a identificação de falhas latentes do sistema de gerenciamento de segurança e nem estabelecer suas respectivas ações de melhoria contínua consistem em mera passividade da gestão que, portanto, aguarda a ocorrência de acidentes e opera em desacordo com a legislação vigente no país”.

No relatório, a ANP destaca que as nove mortes ocorridas na FPSO poderiam ter sido evitadas, pois “os cenários identificados nos estudos de risco eram efetivamente reais e a implementação de salvaguardas e recomendações de análises de risco teriam sido úteis para atingir o objetivo de controlar os riscos operacionais”.

Para evitar que acidentes semelhantes voltem a ocorrer no país, a Agência elencou 60 recomendações para toda indústria de petróleo e gás offshore, cuja implementação é mandatória. “Ficou demonstrado que a postura burocrática de identificação e registro de riscos sem a adoção dos requisitos de um sistema de gerenciamento de segurança operacional não se ajusta às demandas da cultura de segurança para as operações em águas jurisdicionais brasileiras”, apontou o relatório.

Conselheiro eleito exige que estatal corrija o seu relatório

Apesar de vários depoimentos de funcionários da BW terem evidenciado a responsabilidade dos gestores no acidente, a Petrobrás ignorou e ainda desqualificou os alertas feitos pelos trabalhadores. O relatório da estatal, divulgado em maio, além de isentar a BW, chegou até mesmo a elogiar a política de segurança da empresa, insinuando que a culpa do acidente foi dos trabalhadores mortos.

O conselheiro eleito, Deyvid Bacelar, que coordena o Comitê de SMS do CA da Petrobrás, denunciou a manipulação do relatório e exigiu que seja corrigido. Sua atuação firme no Comitê tem apontado para os acionistas e diretores da empresa a irresponsabilidade dos gestores com a segurança dos trabalhadores e a urgência de mudanças estruturais na política de SMS.