Movimentos do campo dão início a manifestações contra Temer; entenda as pautas

BRASIL DE FATO – Desde a última quarta-feira (8), a Frente Brasil Popular (FBP), que reúne mais de 60 entidades e movimentos populares, promove uma série de atos e mobilizações pelo país contra o governo do presidente interino Michel Temer (PMDB). Os atos fazem parte da Jornada Nacional de Luta contra o golpe e pela defesa de direitos.

Os atos ocorrem até sexta-feira (10), quando haverá uma grande mobilização nacional, junto à Frente Povo sem Medo, além de uma greve geral convocada pela CUT e pelo PT.

Denunciando também a retirada de direitos adquiridos, as ações da Jornada chamam a atenção também para pautas específicas, como o posicionamento contra a Reforma da Previdência e a extinção do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e pelo fortalecimento do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV).

Segundo os organizadores, essas medidas “devem ser combatidas por meio de ações unificadas entre movimentos populares do campo e da cidade”.

Entenda quais são as pautas dos movimentos que estão nas ruas:

Reforma da Previdência

Ocupações em agências do Banco do Brasil, da Caixa, do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e de superintendências do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) têm como objetivo a defesa do atual sistema previdenciário.

O Ministério da Fazenda, que agora engloba a antiga pasta da Previdência, já sinalizou que deve realizar uma reforma até o final deste ano, que passará a ter efeitos já em 2017,  segundo Eliseu Padilha.

A proposta é que vigore a idade mínima para a aposentadoria de 65 anos para homens e mulheres do campo e da cidade, e que a renda seja desvinculada do salário mínimo. Hoje, no campo, os homens podem se aposentar aos 60 e as mulheres, aos 55 anos.

A professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Denise Gentil, cuja tese de doutorado desmonta o mito de déficit para a Previdência, garante que não existe hoje, no Brasil, necessidade de reforma no sistema previdenciário, e que o governo “espanca a lógica” ao aprová-la.

Para ela, a medida é “contraditória”, tendo em vista as desonerações e a desvinculação de receitas da União, sobretudo da Seguridade Social. “O governo reformulou completamente o Ministério da Previdência e colocou a pasta dentro do Ministério da Fazenda. O Ministério da Previdência sofreu ordem de despejo no governo Temer”, lamentou.  

A professora calcula que a Seguridade Social (conjunto de políticas sobre as áreas da Previdência, da saúde e da assistência social) teve um superávit de R$ 20 bilhões, ao contrário do que afirma o senso comum.

“Não é minimamente razoável mandar o sacrifício desta conta aos cidadãos, quando o governo está fornecendo uma ampla margem de lucro para as empresas com as desonerações e está pagando uma elevadíssima taxa de juros. Hoje, o orçamento público está à disposição do capital financeiro. É claro que a população tem que reagir”, analisou Gentil.

Entre entre 2011 e 2015, acredita-se que governo tenha desonerado cerca de R$ 157 bilhões de receitas, sobretudo da Seguridade Social, o que equivale a aproximadamente 3% do PIB em um ano. Tramita ainda no Congresso a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 87/2015, de autoria da presidenta afastada Dilma Rousseff (PT), que amplia o percentual da Desvinculação das Receitas da União (DRU) de 20% para 30%.

Na semana passada, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou a proposta em primeiro turno, com o apoio da base de Temer. “Quem acha que está faltando receita não desonera nem faz desvinculação, certo?”, questiona a professora.

Gentil acredita que a reforma não obterá sucesso porque resultará no empobrecimento da população e no aumento do número de pessoas carentes e pobres. “É uma reversão de tudo o que conquistamos nos últimos 10 anos. E o pior é que isso não vai resolver o problema fiscal do governo, porque os impactos de uma reforma da Previdência só vão aparecer em dez ou 15 anos”, afirmou. Segundo ela, os motivos da reforma não são fiscais.

“É uma exigência do setor financeiro. Quanto mais o governo precariza seu sistema de Previdência, mais ele empurra as pessoas a comprarem plano privado de Previdência. É um grande acordo entre o Estado e o setor financeiro. Vai muito além de uma situação demográfica ou uma questão social. É isso que chamamos de financeirização dos serviços públicos. Grande parte da renda das famílias hoje é sugada por previdência privada e plano de saúde, que são direitos assegurados na Constituição Federal e que o governo deveria estar ofertando para todos, de forma universal”, disse.

Minha Casa Minha Vida – Rural

Uma das primeiras medidas do novo ministro das Cidades, Bruno Araújo, foi cancelar duas portarias  do Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) que haviam sido assinadas anteriormente por Dilma. Após pressão dos movimentos populares, ele voltou atrás.

Mesmo assim, as manifestações desta semana estão pautando o fortalecimento do programa e a reivindicacão de que as promessas de campanha da presidenta sejam plenamente atendidas, com destaque para o âmbito rural.

Em abril deste ano, Dilma já havia sinalizado uma redução de 3 milhões para 2 milhões de casas entregues na nova fase do MCMV até 2018. Michel Temer, por sua vez, anunciou mais um corte, para 1,5 milhão de unidades, ou seja, para metade da previsão anunciada em 2014. Desenhado em três grupos, a Faixa 1 do MCVM, que é praticamente toda subsidiada pelo governo, é a que mais sofrerá cortes.  

Para Daniel Vieira, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Paraná, é crítico que estes cortes impactem diretamente os mais pobres.  “O que o Temer está fazendo é pior do que a não-operalização do que havia no governo Dilma: é o corte do recursos da União. O programa continuará existindo, mas sem o subsídio do governo federal. Do jeito que está sendo apontado, será um programa de crédito. Nessa condição, ele corta assentamentos, agricultura familiar, quilombolas, indígenas, porque praticamente todos estavam na faixa 1”, disse.

O déficit habitacional brasileiro caiu entre os anos 2007 e 2012. O déficit habitacional rural representa 15% do total e caiu cerca de 25% no período,  tanto em termos absolutos quanto relativos, segundo estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicado (Ipea). No entanto, segundo Vieira, não há  como afirmar que o déficit vem sendo reduzido. “O número de projetos protocolados há um ano totalizava cerca de 230 mil pedidos de casas nas áreas rurais. De lá para cá, contratou-se em torno de 20 mil casas. Tem um número enorme de projetos parados protocolados”, afirmou.

Além disso, os movimentos populares pedem mudanças no programa para melhor atender às populações do campo, que hoje têm acesso restrito ao programa. “A lei permite que posseiros, por exemplo, acessem o programa. Mas as normativas internas dos bancos não lhes dão condições, porque eles não têm os documentos exigidos”, disse o militante.

Vieira afirma que a autorização para que parentes de até terceiro grau construam no terreno dos assentados, desde que o proprietário autorize, e a desburocratização para as reformas de moradias do campo através do MCMV estão entre “uma série de pequenas coisas que precisam melhorar no programa para o acesso do nosso público”.

Ele lembra ainda do pagamento das obras atrasadas e da liberação de recursos financeiros para os projetos que já foram contratados, mas cujas construções ainda não foram iniciadas.

Fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário

No final do mês passado, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou que o governo estuda a possibilidade de criar a Secretaria de Desenvolvimento Agrário, que seria vinculada à Presidência. 

Padilha enfatizou que o possível rearranjo não terá impacto de “um centavo”. O Desenvolvimento Agrário era um ministério autônomo até a entrada de Temer, que fundiu os ministérios do Desenvolvimento Agrário e do Desenvolvimento Social.