Iderley Colombini*
O FGTS foi originalmente concebido para ser uma poupança do trabalhador em caso de demissão sem justa causa e aposentadoria, podendo ser também uma fonte de recurso para financiar a habitação de interesse social e infra-estrutura. A Medida Provisória 889, que implementa o saque-aniversário, muda as regras do FGTS, alterando de forma significativa seu funcionamento e seus objetivos. Individualmente, a maior parte dos trabalhadores tem pouco recurso no fundo – 80% têm menos do que R$ 200 –, mas se observado coletivamente, os recursos são expressivos e têm sido usados para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, dando acesso à casa própria, saneamento básico, transporte, o que em larga medida será impossibilitado pelas novas mudanças.
As duas principais mudanças com a MP 889 se referem: i) a liberalização de R$ 500 uma única vez e para todos os cotistas e ii) a criação de uma nova modalidade opcional de saque, o saque-aniversário. Sobre a cota única de R$ 500 por conta, a medida tem potencial para favorecer o trabalhador de baixa renda que está com dificuldades financeiras e tem recursos retidos em conta do FGTS. Já para o trabalhador que não tiver urgência do valor ou não tiver outro tipo de poupança, o mais indicado é manter o recurso no FGTS. Isso porque o rendimento em conta poupança é menor que o rendimento na conta do FGTS.
O saque-aniversário será de valor parcial, proporcional ao saldo das contas e baseado em uma tabela. Ao optar pelo saque-aniversário, o trabalhador fica impedido de resgatar o FGTS pelos motivos originais da modalidade convencional, ou seja: a) o saque-despedida sem justa causa, inclusive culpa recíproca ou força maior e rescisão por acordo; b) extinção da empresa, fechamento de unidades ou falecimento do empregador individual; c) extinção do contrato a termo, inclusive temporário; d) suspensão do trabalho avulso por mais de 90 dias. Ficam mantidas as prerrogativas de saque para casa própria, motivos de doença e desastre natural. O trabalhador que optar pelo saque terá ainda mais prejuízos na hora da demissão.
A MP 889 do governo abre uma verdadeira Caixa de Pandora de um fundo cobiçado pelo mercado, que disputa a alocação e a gestão do seu patrimônio.A retirada de recursos do investimento em habitação, por exemplo, um dos setores que mais geram emprego e com maior retorno social, pode afundar ainda mais a economia brasileira.O trabalhador de menor renda, alocado em empregos precários e com alta rotatividade, não se beneficiará da nova modalidade de aniversário.Este trabalhador geralmente terá saldos muito baixos. Quem se beneficia são os trabalhadores mais estáveis, ou seja, uma porcentagem pequena das contas. Dessa forma, o mais provável é que a medida não gere empregos e reduza o financiamento habitacional, atingindo principalmente os trabalhadores de baixa renda (formais e informais).
* Pesquisador DIEESE, graduado em economia pela FEA-USP, com mestrado e doutorado em economia no PPGE-UFRJ.