Na economia brasileira, 2019 está perdido e 2020 já é dúvida

Vitor Nuzzi / Da RBA – Este já caminha para ser um ano perdido e 2020 é uma interrogação, avalia o consultor e professor-doutor Antonio Corrêa de Lacerda, diretor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) e ex-coordenador do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). “O Estado deveria estar investindo mais para ativar a economia. Está acontecendo o contrário. A economia fica sem vetores para reagir”, afirma.

Para Lacerda, o discurso do ministro Paulo Guedes não mudou desde a campanha eleitoral: a “reforma” da Previdência vai propiciar a retomada da confiança e, consequentemente, da atividade. “Isso não funcionou em nenhum lugar do mundo. Essa economia fragilizada é um nó para a área fiscal.”

O dado mais recente é o de certa alta da inflação. O professor lembra que isso atinge o poder de consumo das famílias e põe mais “lenha na fogueira” da estagnação econômica. Além disso, o governo não apresenta propostas para a indústria, para estimular investimentos ou reduzir a inadimplência. Assim, nada aponta para alguma reação. “A economia, ao contrário do que sugere o discurso oficial, que aposta muito numa retomada da confiança, está numa situação muito difícil.”

Os últimos dados de inflação, seja IPCA, IPCA-15, que saiu nesta semana, mostram alguma aceleração. os chamados analistas estão revisando suas projeções para o crescimento deste ano. O desemprego segue elevado. No que a gente chama de economia real, a sensação que dá é que nada está andando. Essa é também sua percepção?

É isso que ocorre. Essa novidade, vamos dizer assim, da inflação é mais lenha na fogueira desse quadro de estagnação. Imagine o seguinte: cerca de um terço da população economicamente ativa, pelos dados do IBGE, está fora do mercado de trabalho, se você juntar não só o desemprego oficial, que é de 12, 13 milhões de pessoas, mas os desalentados, geração nem-nem, subutilização… E quem está no mercado, o que está acontecendo? A classe média, que é uma grande propulsora do consumo, está com o seu orçamento bastante comprometido. Você tem o custo de vida crescendo de uma forma muito intensa, você tem condomínio, gastos com serviços em geral, mensalidade escolar, plano de saúde crescendo muito acima da inflação média. Isso afeta muito o orçamento inclusive dos que estão empregados. As empresas, assim como muitos consumidores, numa situação de inadimplência, com dificuldade de cumprir seus compromissos. Ou seja, o consumo, tanto das famílias como das empresas, encontra-se bastante restrito. Nestas horas, classicamente, o que você tem de ter é uma atuação do Estado para servir de política anticíclica. O Estado deveria estar investindo mais para ativar a economia. Está acontecendo o contrário.

O discurso é de retirada do Estado da economia.

Exatamente na contramão. O que acontece? A economia fica sem vetores para reagir. O primeiro trimestre está perdido, é zero, alguma coisa negativa, se for positivo é só marginalmente. O segundo também não aponta nenhuma reação. Então, muito provavelmente o primeiro semestre será perdido em termos de crescimento. Se a economia reagir no final do ano, vai ser um crescimento pífio. Nós vamos ter ou uma estagnação, ou no melhor dos casos um desempenho muito parecido com o que tivemos em 2018, 2017, mas muito em função do agronegócio, dos minérios, você tem algum crescimento residual. Mas a indústria vai muito mal, o comércio vai muito mal. A economia, ao contrário do que sugere o discurso oficial, que aposta muito numa retomada da confiança, está numa situação muito difícil. Isso vai agravar as condições do desemprego, das condições da atividade em geral.

No caso da equipe econômica, a gente não vê propostas, para o desemprego, por exemplo. A única proposta clara é a da Previdência…

Eles apostam no seguinte: o discurso do Paulo Guedes desde a campanha, é esse. Eu vou fazer a reforma da Previdência, com isso retoma a confiança, e a confiança vai ser responsável pela retomada da economia. Isso não funcionou em nenhum lugar do mundo. É uma pauta, uma agenda, que foi basicamente definida pelo mercado financeiro, que coloca muita ênfase na questão fiscal, que você precisa fazer o ajuste. Só que é algo que não se sustenta. Por quê? Essa economia fragilizada que a gente está falando é um nó para a área fiscal, que vive da arrecadação de impostos. E o que acontece na crise? Cai a arrecadação. Não só porque a atividade econômica está fraca, mas porque também principalmente as empresas têm uma dificuldade enorme de pagar em dia os seus impostos. Você cria um ciclo vicioso. Na tentativa de fazer ajuste, você corta gastos, isso gera mais estagnação da economia e, portanto, compromete a arrecadação. Então, é uma pauta de governo muita limitada. A pauta econômica fica restrita a isso, não se fala em política industrial, em política de investimentos, em recuperação de inadimplentes. O resultado disso é péssimo para o desenvolvimento da economia.

No caso da inflação, até o ano passado aparentemente estava sob controle. Sempre há aumentos pontuais no início do ano, como na educação, mas está ameaçando desgarrar de novo?

Existem aí alguns fatores ligados a alimentos, fatores sazonais também pressionando. O Brasil, ao contrário de um discurso muito presente de presidentes do Banco Central, como todo país em desenvolvimento tem pressões inflacionárias. A inflação nada mais é do que a expressão da nossa desigualdade, das diferenças regionais, da oligopolização da economia, dos desbalanços entre oferta e demanda. Nós nunca vamos ser uma Suíça. Sempre vamos ter alguma inflação, que provavelmente gira em torno de 4%, 5%. Em algum momento…. mas é uma inflação estrutural, resiliente às políticas econômicas que são adotadas. Principalmente porque as verdadeiras causas não são enfrentadas, dentre elas essa oligopolização da economia, um poder de formação de preços muito grande. A inflação é mais um elemento a jogar contra neste momento a capacidade de reação da economia.

A política de preços de combustíveis pode ser um alimento?

A questão cambial, dos combustíveis, tem afetado também a inflação. E isso está a requerer uma política mais clara de fazer frente a esse desafio. É um monopolista num setor altamente concentrado mundo afora, que tem impacto muito grande sobre a atividade.

Sobre política industrial, tivemos um novo plano para o setor automotivo, mas o setor não ressente até de uma interlocução?

Falta uma política mais ampla, envolvendo o conceito de políticas de competitividade, industrial, comercial, ciência e tecnologia. Há uma visão ultraliberal por parte da equipe econômica, que ajuda muito pouco. Na verdade, vai na contramão, inclusive, do que está sendo feito no mundo. Os países têm adotado políticas industriais muito claras, inclusive Alemanha, Japão, Estados Unidos, para não falar da Coreia do Sul e da China. A nossa agenda econômica é muito restrita e também não colabora para a retomada.

No campo externo, ultimamente nosso chanceler anda mais calmo. Mas aquelas declarações sobre globalização, marxismo cultural, uma certa hostilidade com a China, não prejudicam o país no comércio internacional?

Prejudica, por misturar questão ideológica com comercial, que tem de ser mais pragmática. Evidentemente, muitas das ações de relações internacionais do governo Bolsonaro vão na contramão dos interesses comerciais e econômicos do Brasil. E isso afeta a nossa capacidade de inserção.

Havia projeções de até 2,5% de crescimento neste ano, já foi revisado para 1,7%, o sr. já falou que vai ser pífio. Pelo andamento da economia, neste ano já não vai ter recuperação. E no próximo?

Uma eventual recuperação não correrá pelas vias que o governo vem alimentando. Esse aposta na retomada da confiança não vai ser suficiente para faze a economia reagir. A prevalecer esse quadro, a estagnação perdurará. Corremos o risco de em 2020 também não ter um crescimento expressivo. Essa agenda não vai ser suficiente.

 

[Artes: RBA / Foto: Reprodução]