Nascente 1068
Editorial
Não era só mais um Silva
Ele estava na véspera da folga. Desembarcaria no dia seguinte. Seria recebido pela família naquela parte do mar que é acalmada pela areia, na praia de Marataízes, no Espírito Santo. Bem longe daquela outra que é só horizonte e “ilhas de ferro” ao alcance da vista, onde estava há 14 dias.
Para os burocratas, só mais um Silva, ou menos que isso, uma matrícula no contracheque. Sandro Ferreira da Silva, 43 anos, funcionário de uma empresa de nome fúnebre: RIP (Descanse em paz, em latim).
Os indiferentes dirão “vida que segue”. A deles, diga-se. Ou, se não indiferentes, mas cínicos, dirão “todo dia morre alguém”. Não foram eles, claro.
Mas a morte deixa de ser uma sequência natural e aceitável da vida quando ela flerta tão intimamente com o descaso. Viver é nossa tarefa essencial, e isso nunca foi uma missão individual. É coletiva. O fato de nos preocuparmos uns com os outros é que nos trouxe até aqui como espécie.
A morte de Sandro, na PNA-2, no último domingo, vítima de acidente de trabalho, é mais uma daquelas que provavelmente não poderão ser atribuídas a uma “fatalidade”. As investigações, das quais participará o coordenador geral do Sindipetro-NF, Tezeu Bezerra, como representante da entidade na comissão, hão de mostrar que aquele instante último poderia ter sido evitado se a segurança no trabalho fosse realmente prioridade entre os gestores. E isso é fácil de prever pelo simples motivo de que sempre é assim no mundo do trabalho, quando se leva a sério a investigação e não se tenta, como inúmeras vezes ocorreu, colocar a culpa na vítima.
Toda tragédia é precedida de uma sequência de avisos, que por sua vez são sintomas de uma série de decisões erradas. Podem ser economias sórdidas com pessoal, podem ser pressões exageradas por produtividade, podem ser treinamentos mal feitos ou deixados de fazer. As causas variam e nunca estão ao alcance do controle solitário da vítima final.
O Silva de Marataízes se foi. Muitos choram a sua partida e este final de ano não será o mesmo entre os seus e entre nós. Os burocratas fingem não ter manchas de sangue nas mãos. Aos que ainda têm coração resta conservar a subversão incômoda da sua memória e, independentemente do sobrenome que tenham, saberem ser Silvas também.
Espaço aberto
Serão dias duríssimos
Vitor Menezes*
Bolsonaro é um personagem tosco. Junto a ele também estão pelo menos uma dúzia de figuras patéticas. Mas se engana quem pensa que estes trapalhões estão agindo por conta própria. Está evidente que eles são manietados por um pacto conservador financista que viu nesta aventura irresponsável a oportunidade de implantar um modelo fracassado de ortodoxia econômica no qual foram doutrinados os filhos da Escola de Chicago. É possível até mesmo a esta altura que, em suas próprias hostes, sobretudo entre militares nacionalistas, haja quem já perceba que tenham ido longe demais no vale tudo para dizimar a esquerda brasileira.
Enquanto a maioria dos eleitores ludibriados por este esquema estão preocupados com pautas morais, aliviados por terem salvado o país do comunismo e por terem defendido a família tradicional brasileira, serão ainda mais solapados direitos trabalhistas, sociais e humanitários.
A Petrobrás, que é uma das mais expressivas sobreviventes do que restou de nacionalismo brasileiro, sofreu seus mais duros ataques nos governos FHC e por muito pouco não foi privatizada integralmente. Agora a ameaça é muito maior. Vão avançar com voracidade sobre tudo o que está ao redor da empresa. A intenção é transformá-la em escritório que sustente a marca apenas para não ferir o afeto que os brasileiros e brasileiras ainda a devotam. Na prática, a intenção é deixar toda a operação em mãos privadas.
O mais desafiador desse cenário é a possibilidade muito provável de que, a curto prazo, essas manobras produzam índices positivos na economia, pelo menos em um olhar superficial como aquele que a classe média habituou-se a ver na Globo News, pois a receita adotada será justamente aquela que o “mercado” gosta. Administrado com alguma inteligência maquiavélica, na continuidade do pacto nacional com supremo e tudo, esse modelo que tem Bolsonaro como fantoche tem potencial para durar muitos e muitos anos.
Em contrapartida os pobres ficarão mais pobres. Os trabalhadores e trabalhadoras enfrentarão dias duríssimos.
* Jornalista do Departamento de Comunicação do Sindipetro-NF.
Capa
MAIS UM SILVA PAI DE FAMÍLIA QUE A EMPRESA NÃO VIA
Sandro Ferreira da Silva, que morreu em PNA-2 no último domingo, é mais uma vítima da insegurança no trabalho. Sindicato, que integra comissão de investigação, recebe relatos que apontam para histórico de decisões de gestão da Petrobrás que precarizavam condições da plataforma. O petroleiro, de 43 anos, estava na véspera do desembarque. Entidade solicita que categoria continue a enviar informações
Na véspera do desembarque, o petroleiro Sandro Ferreira da Silva tornou-se, às 14h30 do último domingo, a bordo da plataforma PNA-2, a mais recente vítima fatal da insegurança no trabalho das áreas operacionais. Funcionário da empresa RIP Kaeter, Sandro realizava manutenção mecânica em um guindaste e foi esmagado pelo equipamento.
O trabalhador morava em Marataízes (ES) com a esposa, um filho e um enteado. Seu corpo foi sepultado em Cachoeiro do Itapemirim (ES), na manhã da última terça, 27. Muito querido pelos amigos, religioso e músico, a morte do petroleiro causou grande comoção entre os colegas de PNA-2 e de outras unidades — inclusive entre diretores do NF que trabalharam com ele.
“Falta seriedade à gestão da Petrobrás com Segurança. Os gestores só querem saber de índices. Se preocupam com muito papel e na prática burocratizam tão excessivamente que deixam falhas na hora da execução dos serviços”, critica o coordenador geral do Sindipetro-NF, Tezeu Bezerra, que representa a entidade na comissão de investigação do acidente.
Informe ao sindicato
Embora não represente os empregados da RIP Kaeter, o sindicato atua no caso desde que foi informado da morte e colocou-se à disposição dos familiares e colegas de trabalho do petroleiro. A entidade orienta a categoria a enviar informações sobre as condições de segurança na PNA-2 e em outras áreas operacionais para [email protected] ou fazer contato pelos telefones da diretoria (disponíveis no site da entidade).
“Os petroleiros, independentemente da empresa em que atuem, são os nossos olhos a bordo e nas bases de terra. E são eles que mais conhecem a realidade. Por isso é muito importante que mantenham o sindicato atualizado sobre as condições de trabalho”, afirma Tezeu.
Segurança tem que ser prioridade
O Sindipetro-NF prioriza o tema da segurança no trabalho em sua atuação e denuncia há anos a precarização das condições de atuação dos petroleiros, especialmente daqueles que estão empregados em empresas do setor petróleo privado, que são as vítimas mais recorrentes de acidentes.
Uma das conquistas do sindicato na luta contra a insegurança do trabalho é justamente a participação de um representante da entidade nas comissões de investigação dos acidentes. Para Tezeu, esta presença é particularmente importante neste momento, quando os trabalhadores estão ainda mais vulneráveis.
“Vivemos um momento grave de perda de direitos e isso tem um grande impacto na segurança. Cada vez mais trabalhadores estão sendo tratados como números, como peças que podem ser trocadas, e não podemos jamais admitir isso”, afirma o coordenador do sindicato.
Gestão que não prioriza a vida
Todos os indícios sobre mais esta morte na Bacia de Campos apontam para a interpretação de que ela tenha sido consequência de mudanças de gestão na Petrobrás. Em toda a Bacia de Campos, incluindo a própria PNA-2, houve reestruturações que provocaram reduções graves no efetivo.
“Nos últimos dois anos virou uma obsessão da gestão da empresa retirar o máximo de trabalhos de bordo, o que gerou o fim da presença dos técnicos de Logística de transporte nas plataformas. Esses profissionais eram responsáveis por toda a área de guindastes e movimentações de cargas e eram conhecedores do equipamento. Além disso aconteceu o GT-220, onde a empresa acabou a figura do Supervisor de Mecânica (SUMEC) e Supervisor de Elétrica e Instrumentação (SUEIN) e colocou todas essas tarefas do TLT, SUEIN, SUMEC nas atribuições do Supervisor de Manutenção (SUMAN). Este que, por sua vez, tem a obrigação de liberar PT para os trabalhos nos guindastes da plataformas sem conhecer quase nada de guindaste em sua maioria, ou seja, inúmeras mudanças entre muitas outras feitas de qualquer forma”, afirma o coordenador geral do Sindipetro-NF, Tezeu Bezerra.
Índices em lugar da vida
Colegas de trabalho contam que o próprio Sandro relatava que havia uma espécie de abandono dos executantes dos trabalhos de mecânica. A burocracia, fomentada pelos gestores da empresa, fazia com que fosse buscado mais atendimento às metas de serviços realizados do que o acompanhamento correto das atividades. O acidente anterior na unidade também ocorreu com um mecânico, que sofreu amputação de um dedo.
A categoria e o sindicato apontam que esta prática do “operador mantenedor/PCR”, que esvaziou a especificidade técnica dos profissionais, está na raiz de muitos acidentes e precisa ser revista. Além disso, não é admissível que, para a tender a índices de produtividade, as vidas dos trabalhadores sejam colocadas em risco.
Pré-sal
Mantida pressão em Brasília
Das Imprensas do NF e da FUP
Dirigentes e militantes da FUP e de seus sindicatos estão em Brasília desde a terça, 27, em mais uma semana de luta na tentativa de impedir a aprovação do Projeto de Lei da Câmara 78/2018, que tramita em regime de urgência no Senado Federal.
O projeto autoriza a Petrobras a abrir mão de 70% dos cinco bilhões de barris do Pré-Sal contratados pela empresa via Cessão Onerosa e viabiliza a licitação de outros 15 bilhões de barris de petróleo excedentes desta região.
Na semana passada, a brigada petroleira intensificou sua atuação junto aos governadores, prefeitos e senadores afim de demonstrar os prejuízos que a aprovação da proposta representa para estados e municípios. Estimativas da própria Petrobras indicam que há cerca de 15 bilhões de barris de excedentes, que valem cerca de R$ 500 bilhões.
Até o fechamento desta edição do Nascente, na tarde de ontem, o projeto não havia sido votado no Senado.
Entreguistas em ação
UNIDADES SÃO VENDIDAS NA BC
A Petrobrás divulgou, ontem, comunicado onde anuncia a assinatura de contratos “para cessão de nossa participação nos campos de Pargo, Carapeba e Vermelho”, no Polo Nordeste da Bacia de Campos. A empresa dá sequência a um plano de entrega de ativos iniciado após o Golpe de 2016 e já denunciado pelo sindicato como um crime lesa-pátria.
Em julho de 2017, a empresa havia anunciado “oportunidades de desinvestimento em sete conjuntos de campos de águas rasas”, que incluiam plataformas da Bacia de Campos.
A companhia afirma que receberá US$ 370 milhões com a venda dos ativos do Polo Nordeste. Estudos do Dieese, no entanto, mostram que o País perde com a operação, como explicou o economista Iderley Colombini, em artigo publicado no site do Sindipetro-NF (bit.ly/2P9zMbY).
“Abrir mão da presença da Petrobrás operando estes campos, reduzir as receitas dos municípios (em royalties) e não garantindo investimentos em compra de máquinas e equipamentos na região, poderá dificultar ainda mais a recuperação dos municípios do Norte Fluminense, pois impossibilitará a promoção de políticas públicas para o desenvolvimento local, ficando ainda mais dependente dos investimentos privados do petróleo”, afirmou Colombini em seu artigo.
O sindicato vai solicitar uma reunião com a gerência geral da Bacia de Campos. Para a entidade, houve falta de transparência nesse processo. O NF também exige que todos os trabalhadores sejam mantidos no mesmo regime de trabalho.
Normando
RMNR rumo ao STF
Um único processo – incidente de uniformização de jurisprudência – decidiu a sorte de todas as ações trabalhistas do País contra a Petrobrás e a Transpetro, que cobram a diferença no complemento da RMNR.
Esse processo foi julgado em Junho, pelo Pleno (todos os ministros) do TST, e a tese dos sindicatos ganhou por 1 voto
(13 × 12). No entanto, há recurso da Petrobrás (Embargos de Declaração) pendente de apreciação no próprio TST, e em seguida a Petrobrás tentará recorrer para o STF.
Pior ainda: houve um inusitado “pré-recurso” da Petrobrás, no STF, no qual a empresa conseguiu liminar do ministro Toffoli (aquele do general), ampliada pelo ministro Alexandre de Moraes (aquele dos supostos “nudes” da 1ª Dama Marcela Temer), para suspender todo e qualquer processo de RMNR até que o STF julgue um recurso que sequer existe.
Processo circular
A liminar Toffoli-Alexandre, pró-empresas, gerou um inusitado despacho no processo de uniformização. Veja o circuito fechado que se formou:
– o julgamento da uniformização foi pró-trabalhadores;
– contra ele as empresas anunciaram um futuro recurso, e com isso ganharam liminar suspendendo todos os processos, até que o futuro recurso das empresas seja julgado no STF;
– e, por conta da liminar, o próprio processo de uniformização que a gerou, foi suspenso.
Resultado: com o processo de uniformização suspenso, nunca haveria o recurso das empresas ao STF, e a liminar se tornaria eterna.
A FUP e seus sindicatos agiram no TST, demonstrando o absurdo, e o processo de uniformização foi liberado, e terá seu prosseguimento.
Relembrando
A Constituição, a CLT, e a Lei 5.811/72, garantem o adicional de periculosidade, o adicional noturno, o AHRA, e o adicional de sobreaviso.
A RMNR, imposta pelas empresas na negociação de 2007 como condição para a implementação do novo Plano de Cargos (PCAC), criou um “Complemento”, o qual, na prática, incorporou esses adicionais.
Acontece que a cláusula da RMNR, nos acordos coletivos, não permite essa incorporação. Veja você mesmo:
“…sem prejuízo de eventuais outras parcelas pagas (adicionais), podendo resultar (a remuneração) em valor superior à RMNR”.
Perspectivas
Nada está garantido, e a consagração do fascismo pelas urnas piora ainda mais o quadro. Se antes o Golpe de Estado de 2016 já possibilitava as reviravoltas ajurídicas que mencionamos acima, imagine a partir de 2019, quando os sindicatos serão tratados como organizações criminosas.
Curtas
Comunicação
A CUT Rio promove, nos próximos dias 3 e 4, curso de atualização em Comunicação Digital, com foco em métodos, ferramentas e processos utilizados no período eleitoral. A proposta é preparar a militância para o duro embate político que está por vir na luta pelos direitos sociais e trabalhistas. Representantes do NF participarão da capacitação.
Setor Privado
Petroleiros da Champion e da Ecolab têm assembleia nesta sexta, 30, para avaliar a proposta de Acordo Coletivo apresentada pela empresa. A atividade está marcada para começar às 8h30 na porta da empresa, no Novo Cavaleiros. O sindicato destaca a importância da participação de todos os trabalhadores e todas as trabalhadoras neste momento de deliberação democrática.
Actemium
O Sindipetro-NF recebeu nesta semana denúncia dos trabalhadores da empresa Actemium, que tem sede em Macaé e atua na área de instalação industrial e projetos de manutenção. Há relatos sobre uma série de problemas, como falta de pagamento de horas extras e desvio de função. O sindicato está cobrando providências urgentes da gerência de contratos da Petrobrás na UO-RIO.
Voo abortado
O voo das 9h30, na manhã de ontem, para a plataforma P-51, na Bacia de Campos, não decolou em razão de ter soado alarme do sensor de freio do helicóptero. Operada pela Omni Taxi Aéreo, a aeronave PRCHT, com 15 passageiros e três tripulantes, partiria do heliporto do Farol de São Thomé. Verificou-se, em seguida, que o alarme foi indevido, mas o procedimento de prevenção é o correto.
FINANCEIRO
O NF realizou, do último dia 26 até ontem, na sede de Campos dos Goytacazes, curso específico sobre a atividade financeira com foco no Conselho Fiscal da entidade. Participaram os conselheiros fiscais titulares e suplentes, funcionários do departamento financeiro e parte do do Departamento Administrativo. O objetivo foi promover e aprimorar o controle e a fiscalização das contas do sindicato.