EDITORIAL
Uma greve essencial
Há greves que não são de índices, não são de reajustes. Não são apenas do aqui e do agora. São brados para dizer que temos orgulho de quem somos e do que fazemos. Que temos qualidades o suficiente para não abaixarmos a cabeça para os desqualificados que comandam a entrega do país. A greve desta semana é uma delas.
A Petrobrás mentiu ao TST ao afirmar que a greve dos petroleiros iria comprometer serviços essenciais da empresa, a ponto de colocar em risco o abastecimento. Desde o início a FUP e os sindicatos se comprometeram a não causar desabastecimento. Essencial mesmo é a própria greve, em um momento de forte queda de braço dos trabalhadores contra um projeto que quer demolir tudo o que é público no país.
Esse é o espírito. E o governo sabe disso. A Petrobrás sabe disso. O TST sabe disso. E todos tremem, como é típico dos liberais de outrora e dos neoliberais contemporâneos, quando a massa se levanta. Mesmo quando os trabalhadores cumprem todos os protocolos do direito, os poderosos aliados do capital encontram um jeito de criminalizar o movimento.
Aí vem a categoria petroleira e dá uma resposta linda, solidária, soberana, altiva, mesmo diante dos coturnos togados. Vem com responsabilidade no local de trabalho, mantendo a produção e fazendo o que na verdade deveria ser rotina: levantar todos as pendências de segurança e da falta de efetivo. Básico. Obrigação da própria empresa. E vem com responsabilidade pública, mobilizando a sociedade por meio da doação de sangue em hemocentros espalhados em vários pontos do país e com ações de venda de gás de cozinha e gasolina com preços justos, para mostrar o quanto pagamos pela subserviência do Brasil ao preço internacional do barril.
Essa gestão bolsonarista na Petrobrás vai passar, junto com esse governo que está condenado a ser lembrado com o pior da história — por reunir o pior do fascismo da ditadura com o pior do antinacionalismo entreguista, algo que nem o regime civil-militar do pós 64 ousou. E os petroleiros e as petroleiras ficarão. Essa greve é para o futuro. E o futuro se constrói com coragem.
ESPAÇO ABERTO
O futuro do trabalho*
Daniel Gaio*
Em uma perspectiva de mudança radical de sistema de produção e das formas de emprego, um debate que apresenta certas semelhanças em relação aos impactos sobre a classe trabalhadora é o das mudanças climáticas e transformações em direção a uma economia de baixo carbono.
Tanto a indústria 4.0 quanto a economia de baixo carbono trazem mudanças fundamentais que implicam o alto uso de tecnologias com a substituição de modelos que afetam um grande número de trabalhadores, o que coloca desafios em termos de respostas necessárias e urgentes para os trabalhadores envolvidos.
Para uma transição justa, defendemos uma política que envolva os Estados, empresas, trabalhadores e comunidades afetadas, onde deve ser garantido que a classe trabalhadora não seja a única a suportar os ônus das transformações para uma nova economia, assim como as dívidas sociais de empresas que não estão dispostas a fazer uma transição socialmente justa.
Essa política deve envolver a requalificação, treinamento e inserção de trabalhadores para novas tecnologias, garantindo a participação plena dos sindicatos e comunidades na formulação de políticas desenvolvidas, incluindo a centralidade da perspectivas de gênero, raça e geração. Implica também a geração de novos e melhores empregos com base no trabalho decente e no respeito à organização sindical.
Se essa realidade não for observada, estamos seguros que as novas tecnologias ampliarão ainda mais o fosso social aprofundando a precariedade e a miséria sistêmica da classe trabalhadora e as condições mínimas para o desenvolvimento sustentável e a dignidade humana. Se conseguirmos ter controle social na implementação dessas novas tecnologias, seremos capazes de criar um trabalho de qualidade, com redução do horário de trabalho e melhoria nos parâmetros de saúde e segurança ocupacional.
GERAL
Categoria assombra governo
Após avaliação conjunta com os sindicatos, a FUP indicou ontem a suspensão da greve na Petrobrás e a continuidade das ações solidárias que os petroleiros estão realizando desde a segunda, 25, para denunciar as demissões em massa e o aumento da insegurança. No Norte Fluminense, os dois dias de greve foram marcados por forte mobilização da categoria e por grande presença em espaços públicos, com trancaço em Cabiúnas, ato no Heliporto do Farol de São Thomé e Doação de Sangue. Ontem, mesmo com a greve encerrada, houve venda de gás a preço justo para a população em Campos dos Goytacazes e há previsão de continuidade das ações solidárias e intervenções públicas.
Hoje, às 17h, acontece audiência pública na Câmara de Vereadores de Macaé, na Câmara Velha (Museu do Legislativo, av. Rui Barbosa, 361, Centro), com o tema “Petrobras e os impactos da privatização nos empregos e na segurança”, promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores de Macaé, por solicitação do Sindipetro-NF.
A ação da venda de gás serviu para mostrar à população qual poderia ser o valor de venda do gás de cozinha — e também de outros combustíveis — se o governo Brasileiro utilizasse a Petrobrás para promover justiça social, e não para atender a interesses internacionais.
Luta continua
Para a FUP e os sindicatos, após essa grande demonstração de força da categoria petroleira, mesmo enfrentando reação antissindical e reacionária da gestão bolsonarista da Petrobrás e do ministro Ives Gandra, do TST (Tribunal Superior Eleitoral) — que considerou a greve ilegal antes mesmo de ser realizada, baseado em premissas equivocadas, e arbitrou multas milionárias impagáveis aos sindicatos —, a greve foi muito importante na sequência de uma luta que precisa continuar.
“A resistência à privatização deve ser daqui pra frente a pauta principal dos trabalhadores do Sistema Petrobrás. A mobilização desta semana apontou o caminho. A FUP e seus sindicatos começam agora a construção de uma nova greve. A Petrobrás é do povo brasileiro e cabe a nós, os trabalhadores da empresa, chamar à luta a sociedade organizada, para que juntos possamos defender esse patrimônio que é de todos nós”, afirmou o coordenador geral da FUP, José Maria Rangel.
A reação à greve dos petroleiros trouxe momentos de histeria do governo, que busca acirrar conflitos sociais para manter o seu projeto fascista — para o qual é indispensável a construção de inimigos imaginários. Na segunda, 25, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a afirmar que demitiria os grevistas se fosse o presidente da Petrobrás, demonstrando desconhecer tanto a legislação trabalhista e de greve — mesmo a que sobrou após tantos ataques — quanto a realidade da Petrobrás. Na mesma entrevista o mesmo ministro defendeu a volta da adoção do AI-5, Ato Institucional que fechou o Congresso e agravou o horror da ditadura, demonstrando o verdadeiro espírito autoritário dos liberais brasileiros.
HELIPORTO DO FAROL – Coordenador do NF, Tezeu Bezerra, informa a categoria sobre os passos do movimento, orienta o atraso nos embarques, a relação com o forte aparato de policiamento e conscientiza sobre o direito que todos têm de protestar contra o descumprimento de cláusulas do Acordo Coletivo. Os trabalhadores permaneceram juntos, em sintonia com o sindicato.
CRIMINALIZAÇÃO – Forte aparato policial que foi enviado para o Heliporto do Farol, durante o ato da terça, 26. Estado brasileiro continua a ver o trabalhador como inimigo, desconhecendo o direito de organização, protesto e greve. Como era previsto pelos petroleiros, a mobilização foi tranquila. As viaturas e os policiais poderiam ser destinados a locais de maior necessidade na região.
CABIÚNAS – Logo no primeiro dia da greve, a categoria realizou um trancaço em todas as entradas do terminal de Cabiúnas, em Macaé. Das primeiras horas da manhã até às 9h os trabalhadores permaneceram mobilizados nos portões, em protesto contra o descumprimento do ACT, os assédios e o desmonte da companhia. O protesto também enfrentou a tentativa da polícia de desmobilizar a categoria.
HEMOCENTRO – Grupo de petroleiros foi recebido na terça, 26, para doar sangue no Hemocentro de Campos dos Goytacazes. A atitude solidária foi repetida em vários pontos do país e estimulada pela FUP e sindicatos. Categoria, que dá o sangue pela Petrobrás, mostrou que também pode doar a quem precisa.
GÁS A R$ 30 – Uma das mais emocionantes ações da categoria petroleira da região nesta semana foi a venda de 200 botijões de gás de cozinha ao preço justo de R$ 30. A diferença para o preço cobrado no mercado pela distribuidora foi subsidiado pelo sindicato. Desde o início da madrugada uma fila se formou na praça São Benedito, em Goitacazes, distrito de Campos dos Goytacazes, mostrando a grande demanda social que poderia ser atendida por uma Petrobrás gerida para atender ao povo e não aos interesses internacionais. Mesmo com toda a procura, a venda ocorreu em ordem e foi muito elogiada pela comunidade.
CURTAS
Assembleia Petros
O NF está convocando todos os participantes (Ativos e Assistidos) do Plano Petros1 (PPSP-R e PPSP-NR) a participarem de Assembléia Geral Extraordinária nesta sexta, 29, às 10h na sede de Campos e às 17h na sede de Macaé, para deliberar sobre a “Aprovação da proposta alternativa que irá substituir o atual plano de equacionamento (PED)” e a “Autorização para a Direção do Sindipetro-NF assinar o denominado “Termo de Compromisso e outras Avenças”. Para votar, é obrigatória a apresentação de contracheque e documento de identidade.
Posse
Os petroleiros Norton Cardoso e André Araújo tomaram posse como conselheiros deliberativos da Petros, na terça, 26, no Rio. Cardoso é titular no Conselho e Araújo é suplente. A dupla integrou a chapa Unidade em Defesa da Petros, apoiada pela FUP e sindicatos, e venceu a eleição com 11.181 votos. Norton Almeida é diretor do Sindipetro-NF, enquanto André Araújo é diretor do Sindipetro-BA.
Repúdio
O presidente da CUT, Sérgio Nobre, reagiu à fala do ministro Paulo Guedes que escandalizou o mundo democrático na última terça, 26. O autoproclamado liberal sugeriu a volta do AI-5 no Brasil, impedir no País a realização de protestos como os que têm ocorrido na Bolívia, no Chile e Equador. “Em qualquer país do mundo que preza minimamente pela democracia, o ministro Paulo Guedes seria afastado do governo pelo presidente da República”, disse Nobre.
NORMANDO
Machismo é Fascismo
Normando Rodrigues*
Em 6 de abril deste ano Eliane foi assassinada em Lídice, distrito de Rio Claro, RJ, pelo companheiro com quem vivia há 19 anos e tinha 5 filhos.
Mais um episódio do quadro onde 12 mulheres são vítimas de feminicídio a cada dia, em nossa machista América Latina, metade delas no Brasil. Banalizamos a vida de mulheres, assim como a de negros, pobres, homossexuais e – “Aliança Pelo Brasil” – a de opositores ao governo.
Por que o feminicídio aumentou em mais de 44%, de 2018 para 2019, quando o índice geral de homicídios caiu 20%? A resposta passa por uma ideologia, o Fascismo, e por um nome de localidade.
Lídice
Em 10 de junho de 1942 a vila de Lídice, próxima a Praga, foi erradicada pelos fascistas alemães. A população masculina acima de 18 anos foi fuzilada, e mulheres e crianças mandados para a matança industrializada dos campos de extermínio. Todas as edificações foram demolidas, e esmagadas pelas lagartas dos tanques.
A brutalidade foi tamanha, em Lídice, que o nome se tornou sinônimo de resistência ao Fascismo, e inúmeras localidades foram batizadas ou rebatizadas com seu nome, mundo afora. Inclusive a Lídice de Rio Claro, RJ, onde Eliane foi assassinada.
O pressuposto da selvageria fascista é a desigualdade: “uns” são melhores do que “outros”. “Uns” têm direitos, incluído o direito de escravizar e matar, e devem mandar. “Outros” devem servir e obedecer. Se os “uns” são definidos por etnia, religião ou ideologia, riqueza ou poder, gênero ou orientação sexual, pouco importa. Importa a distinção, e a consequente violência, em substituição à política.
Violência contra a mulher
As mulheres nunca foram coadjuvantes na luta contra o Fascismo. Na República Dominicana de Trujillo (ao qual muitos militares brasileiros serviram como mercenários), as irmãs Patria, Minerva e Antonia Mirabal tinham militância ativa contra os “bolsonaristas” de então, e foram trucidadas a pauladas e facadas, em 25 de novembro de 1960. O escândalo levou à queda da ditadura, um ano depois, e à declaração da data como o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher.
A passagem do dia, este ano, foi marcada por protestos em toda a América Latina e Europa, e até no Sudão.
Enquanto isto, aqui em Pindorama, o governo acredita que a mulher deva ser submissa e obediente ao homem, e propõe lei para dar imunidade criminal a militares, na repressão a protestos.
Lídice é aqui! E renasce e torna a ser massacrada a cada dia.
* Assessor jurídico do Sindipetro-NF e da FUP.
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