EDITORIAL
Estratégia infernal
A gestão bolsonarista da Petrobrás tem como “política” de RH transformar a empresa em um lugar infernal para trabalhar. O objetivo é coagir os trabalhadores e trabalhadoras a aceitarem as condições precárias de trabalho ou aderirem ao programa de demissão. A estratégia tem como meta deixar a companhia com relações trabalhistas favoráveis à privatização.
Este comportamento sempre fez parte das investidas neoliberais na companhia. É um ítem clássico do receituário. Pressionar a força de trabalho à exaustão, estimular a competição, a desunião, o salve-se quem puder, o “pede pra sair”. Para que fiquem apenas os mais cordatos, os mais cegos obedientes a qualquer diretriz da empresa, por mais humilhante e indigna que seja.
No governo Bolsonaro, no entanto, essa receita ganhou condições ainda mais favoráveis para execução, dado o cenário de acentuação de ataques aos direitos trabalhistas e a falta de cerimônia com que o autoritarismo vigente dispensa a necessidade de diálogo com os trabalhadores.
A pandemia do novo coronavírus tornou-se, para estes neoliberais genocidas, a “janela de oportunidade” que potencializa essa possibilidade de aplicação do receituário. E eles não estão brincando em serviço. O cinismo com que a Petrobrás está fazendo marketing de cuidados para fora e praticado negligência para dentro é algo de uma vileza, de uma falta de escrúpulos, que assombra a qualquer um com o mínimo de senso ético.
O Sindipetro-NF tem recebido centenas de contatos diários de trabalhadores apreensivos com os riscos de contaminação. A empresa tem silenciado criminosamente em relação às cobranças que a entidade faz – que também estão sendo encaminhadas a órgãos fiscalizadores como a Anvisa e o Ministério Público do Trabalho.
Neste momento em que este editorial é escrito, na tarde de ontem, a diretoria da entidade mantinha-se em alerta em relação ao desembarque de mais de uma dezena de trabalhadores da P-26, que teve um caso confirmado de coronavírus. Enquanto a empresa omite, os únicos dados gerais vêm da ANP, que até a noite do último domingo registrava 237 infectados no Brasil que atuam no setor petróleo (105 deles haviam acessado unidades marítimas).
Mas vamos seguir na resistência, no lado certo, na luta pela vida e pela dignidade. A história reserva o lixo para gente como Castello Branco e seu mentor Bolsonaro.
ESPAÇO ABERTO
Vírus, petróleo e geopolítica*
José Luís Fiori**
O epicentro da epidemia já se deslocou para a Europa, e agora para os Estados Unidos, e não se sabe quanto durará, mas de fato a grande incógnita e o grande medo é com o que possa acontecer quando ela se expanda para os países mais pobres da África, do Oriente Médio e da América Latina. Até porque, como sempre acontece nas grandes crises, serão as grandes potências que se recuperarão na frente, começando pela China e pelos Estados Unidos. Por isso, o mais provável é que esta epidemia aumente a desigualdade e a polarização do mundo, que já vinham crescendo de forma acelerada desde a crise financeira de 2008. E deve acentuar a nova virada nacionalista do sistema interestatal que já vinha se manifestando desde o início do século XXI, e assumiu alta velocidade depois da eleição de Donald Trump. A Rússia deverá sofrer um novo baque econômico com a epidemia e com a crise da indústria do petróleo, mas isto não deverá afetar a nova posição que ela readquiriu como grande potência militar dentro do sistema mundial.
No caso da União Europeia, entretanto, a pandemia deve acelerar o seu processo de desintegração que entrou em alta velocidade depois do Brexit. A China, por sua vez. não deve alterar o curso do seu projeto expansivo programado para a metade do século XXI; pelo contrário, deve acelerá-lo aproveitando as oportunidades e brechas abertas pela decomposição europeia, e pelo distanciamento norte-americano de seus antigos aliados europeus. Por fim, depois da pandemia, a competição e os conflitos entre a China e os Estados Unidos devem aumentar em escala exponencial, sobretudo se Donald Trump for reeleito no mês de novembro de 2020, e se seguir em frente com sua decisão de estrangular a economia e a sociedade venezuelanas, através de sanções comerciais e financeiras, e agora através de um bloqueio naval que pode se transformar, em breve, no pé de apoio de uma invasão militar, ou de um bombardeio aéreo feito a partir de seus próprios navios que já estão mobilizados no Caribe. Seria a primeira guerra na América do Sul envolvendo as grandes potências militares do mundo.
* Trecho de artigo publicado no Le Monde Diplomatique, em http://is.gd/eanascente1136, sob o título “O vírus, o petróleo e a geopolítica mundial”. ** Pesquisador da UFRJ e do Ineep.
GERAL
Na Justiça por salários e 14×21
O Sindipetro-NF entrou nesta semana com ações jurídicas para garantir os direitos dos petroleiros e petroleiras contra as chamadas “medidas de resiliência” da gestão bolsonarista da Petrobrás. Uma ação do sindicato busca suspender a redução de salários, em 25%, anunciada pela empresa. Outra quer manter a escala do pessoal offshore em 14×21. Nenhuma dessas mudanças foi negociada com a FUP e seus sindicatos. Nos dois casos o Jurídico do NF pede à Justiça do Trabalho tutela de urgência para impedir os ataques da empresa.
Na ação dos salários, a entidade denuncia que a medida da empresa, comunicada aos trabalhadores no início de abril, é unilateral e ilícita. “Em 1° de abril a Ré comunicou a seus empregados administrativos – a maioria dos quais já então em teletrabalho, em face da pandemia de CoViD-19 – que reduziria remuneração e jornada, proporcionalmente, em 25%, durante os meses de Abril, Maio e Junho de 2020”, registra a inicial da ação, que lembra ainda a desproporcionalidade da medida: “os substituídos [representados pelo NF] terão a diferença de 25% da remuneração, no período de tempo apontado, suprimida em definitivo; os ocupantes de cargos em nomeação, contudo, terão a diferença na remuneração meramente postergada, com restituição integral em Setembro de 2020”.
A ação lembra ainda que, além de a Constituição da República tornar imprescindível a negociação coletiva para casos de redução da remuneração, a medida também contraria o Acordo Coletivo dos Trabalhadores da Petrobrás, que prevê que a companhia manterá a possibilidade de redução de jornada de trabalho, mas por opção do empregado.
Ação do 14×21
A Petrobrás tem imposto aos trabalhadores, neste período de pandemia do novo coronavírus, escalas que variam entre 21 dias de trabalho por 21 dias de folga; 28 dias de trabalho por 21 dias de folga; e até 35 dias de trabalho por 7 dias de folga.
Na ação pela manutenção da escala de 14×21, conquistada na luta sindical desde 1990 para o pessoal offshore, a inicial denuncia “a imposição unilateral e ilegal de regime de trabalho extremamente penoso e desumano, aos empregados da Petrobrás que trabalham confinados em plataformas de petróleo. O direito subjetivo lesado, portanto, é tanto individual homogêneo, no que toca ao trabalho em si, quanto coletivo, ao se considerar que a referida imposição violou acordo coletivo de trabalho assinado entre as partes em 4 de novembro de 2019”.
Número de casos cresce nas plataformas da região
A Petrobrás continua em silêncio, omitindo informações sob pretexto da privacidade, mas os relatos dos trabalhadores chegam ao sindicato e mostram que número de casos de suspeitas e confirmações de covid-19 nas plataformas estão aumentando a cada dia. Os únicos números oficiais vêm da ANP, que registrava 237 infectados no Brasil até a noite do último domingo. Deste total, 105 trabalhadores haviam embarcado em plataformas de petróleo e outras unidades marítimas. Os números devem ser muito maiores, em razão da falta de testagem.
Na Bacia de Campos, até a tarde de ontem, o sindicato recebeu relatos dos trabalhadores sobre contaminações em sete plataformas: P-18, P-20, P-26, P-33, P-35, P-50 e P-62. Dessas, a P-26 é a unidade com a situação mais complicada. Também ontem, 13 petroleiros desembarcaram desta plataforma com sintomas da doença.
O sindicato tem a informação de que diariamente desembarcam trabalhadores com quadro de covid-19 e todos são testados. Já os trabalhadores que desembarcam normalmente, sem quadro da doença, que podem ser assintomáticos, não estão sendo testados. Existe a denúncia de trabalhadores que ficaram uma semana ao lado de um trabalhador com covid-19 em P-26 e não foram testados.
Essa situação é gravíssima porque as pessoas estiveram a bordo juntas e estão indo para suas casas sem serem testadas. O Sindipetro-NF solicitou desde o mês passado que a Petrobrás testasse todos os trabalhadores, mas a empresa alega não ter testes para isso.
A gestão bolsonarista, através do seu setor de SMS, já foi cobrada, mas ainda não respondeu ao sindicato. O presidente da empresa, Castello Branco, trata com total indiferença a vida das pessoas e coloca o lucro da empresa acima de tudo e de todos.
O Sindipetro-NF tem acompanhado incansavelmente esses casos de covid-19, apesar de não possuir o número de casos oficiais, porque a empresa não está repassando para o sindicato. “A diretoria pediu no dia 18 de março uma série de cuidados no embarque e desembarque do pessoal e no dia 25 enviou um novo ofício cobrando a testagem. Os casos que aparecem agora são frutos da forma irresponsável pela qual a empresa trata a saúde dos seus trabalhadores”, denuncia o coordenador do Sindipetro-NF, Tezeu Bezerra.
Greve 2020: Vitória com mais uma reintegração
A Justiça determinou ontem, em ação movida pelo Sindipetro-NF, a imediata reintegração de mais um petroleiro da Bacia de Campos que foi demitido em razão da sua participação na greve de fevereiro de 2020.
A desembargadora federal do Trabalho, Raquel de Oliveira Maciel, considerou que a demissão, além de uma represália da empresa pela participação do trabalhador na greve, foi uma reação ao anúncio, pela FUP, de que a categoria poderia fazer uma greve sanitária caso a empresa não adotasse medidas de prevenção ao coronavírus.
“Em 18 de março a Federação Única dos Petroleiros e seus sindicatos, dentre estes o que representa o Autor, apresentaram à Petrobrás, em carta aberta à população, uma Pauta de Reivindicações denunciando a negligência das medidas adotadas pela empresa no combate à pandemia de CoViD-19 até então, sobretudo quanto aos trabalhadores em convívio confinado”, lembra a desembargadora.
A decisão destaca ainda que “a “carta aberta” apontava uma eventual Greve Sanitária, em exercício coletivo do Direito de Recusa ao trabalho em condições inseguras, e foi o bastante para reação figadal da Ré – a qual até hoje recusa-se à negociação coletiva a respeito – em dois planos: Por via de virulenta resposta à FUP; Mediante perversa despedida por justa causa de 12 trabalhadores, dentre os quais o Autor, e punições disciplinares menores a outras dezenas, em todos os casos por supostas faltas vinculadas à greve de 1° a 20 de fevereiro.
A desembargadora comparou ainda a gestão da Petrobrás a um “malfeitor que explicita suas torpes razões para evidenciar o sentido “didático” de seus atos”. Deste modo, “a Ré sincronizou as medidas acima: tanto a resposta à FUP quanto as sanções disciplinares, foram tomadas a 20 de março”.
Outras reintegrações
A FUP e seus sindicatos têm vencido batalhas na reintegração de diversos trabalhadores demitidos como retaliação pela participação na greve. Na região, esta é a segunda decisão de reintegração conquistada pelo NF. Uma terceira ação ainda aguarda decisão judicial.
Covid-19: Solidariedade em parceria
O conselho mais importante dos especialistas da área da saúde para prevenir a covid-19 é lavar as mãos com água e sabão. Infelizmente muita gente no país não tem condições de ter água em suas casas, muito menos sabão.
Por reconhecer esse problema social e o papel desempenhado na sociedade do Norte Fluminense, a diretoria do Sindipetro-NF fechou uma parceria com o IFF (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense) para produção de sabonete líquido para populações carentes de Campos dos Goytacazes.
O Sindipetro-NF entrará com os insumos e o IFF com a produção dos sabonetes em seus laboratórios. Serão produzidos 3 mim frascos de 500ml e caberá ao Instituto também a distribuição.
Essa parceria foi maneira mais rápida encontrada pelo IFF e Sindipetro-NF para produção dos sabonetes e para ajudar a quem mais precisa nesse momento de pandemia.
Cestas básicas
O sindicato também tem desenvolvido ações solidárias por meio da doação de cestas básicas de alimentos. As primeiras distribuições foram feitas na semana passada. Foram 700 cestas básicas entregues em comunidades carentes de Campos e Macaé, além de 100 cestas em parceria com o MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores) no Rio de Janeiro. As doações foram mediadas por igrejas, entidades filantrópicas e movimentos sociais que conhecem as comunidades e suas necessidades. Novas doações serão programadas.
Em todo o país ações semelhantes dos demais sindipetros representam a solidariedade da categoria petroleira neste momento de pandemia mundial. Experientes na luta sindical e por transformações definitivas e estruturais na sociedade, especialmente por meio de políticas públicas universais, os petroleiros e petroleiras também sabem que é preciso que, em paralelo, agir pontualmente no socorro às populações mais vulneráveis. Como ensinou o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, “quem tem fome, tem pressa”.
CURTAS
Saúde mental
A mistura explosiva de redução de salários, desembarques, pressão para adesão a um programa de desligamento da empresa e o risco de contaminação por coronavírus está atingindo a saúde psicológica dos petroleiros. O número de denúncias recebidas pelo NF sobre problemas de ambiência e estresse tem aumentado. Era uma média de uma denúncia por mês nesta área, agora a média é uma a cada dois dias. Caso recente na P-50 acendeu o alerta máximo. Saiba mais em https://is.gd/estresse.
Quando precisa
O Sindipetro-NF tem recebido denúncias de trabalhadores de empresas privadas do setor petróleo que estão abandonados por elas, principalmente em relação à logística. A continuidade da produção e o lucro acima da vida tem sido prioridade. No momento do embarque, quando a empresa precisa, envia carro para buscar o trabalhador em casa, mas na hora do desembarque deixa o trabalhador por sua conta.
Depois abandona
Um exemplo deste descaso foi o que aconteceu recentemente com um trabalhador da Elfe, que desembarcou de uma situação tensa a bordo, onde as pessoas estão todas preocupadas com seus empregos e com medo de contaminação por covid-19, e quando chegou foi deixado na Rodoviária Shopping Estrada em Campos dos Goytacazes vazia, sem ônibus para voltar para sua cidade natal, localizada em outro Estado. Denúncias devem ser enviadas para [email protected].
Luto
A categoria petroleira na região amanheceu ontem em luto pela perda, durante a madrugada, da pensionista Sônia Maria Oliveira Borges. A companheira passava por tratamento em razão de problemas renais, no Hospital do Prontocárdio, em Campos dos Goytacazes, mas não resistiu. O Sindipetro-NF manifesta as condolências aos familiares e amigos de Sônia Maria.
NORMANDO
Precisamos falar sobre o STF!
Normando Rodrigues*
Em 17 de abril o Supremo suspendeu a garantia constitucional da negociação coletiva de trabalho, enquanto caminho único para a redução de salário.““Isso foi feito sob o pretexto do Estado de Calamidade Pública, decretado pelo Congresso Nacional a 20 de março.
O fato é gravíssimo, e interessa a todos. Acompanhe o raciocínio.
A sociedade depende de um certo consenso para um convívio minimamente civilizado. A partir deste consenso se construiu todo o Direito contemporâneo, sobre três pilares principais, que sustentam todo o resto:
– os Direitos Civis, que protegem a pessoa contra os abusos do Estado;
– os Direitos Políticos, que possibilitam ao indivíduo definir o Estado, e determinar sua conduta;
– e os Direitos Sociais, que dependem do Estado para existir.
São pilares interdependentes. Se um cair, o conjunto todo da edificação desmorona. E o que você tem a ver com isso?
Seu direito
… de sair de casa e voltar, sem ser morto pela polícia, só existe por causa dessa construção.
Seu direito de escolher quem fará as leis que determinarão se você vai comer ou passar fome, morrer de Covid-19 ou sobreviver, também só existe por conta dessa edificação.
E seu direito de ter saúde e educação pública, trabalho e casa, também ele, só existe por causa desse prédio.
A contradição
Esses direitos existem no Brasil? ““Aqui, como em qualquer outro país, vivemos a contradição do Direito. Há 4 mil anos o Direito é escrito afirmando ser para todos. E há 4 mil anos o Direito é praticado pelos governantes e juízes, para os ricos.
Nunca bastou, em nenhum país, escrever os direitos na Constituição. A verdadeira evolução da Civilização está na luta contínua para que esses direitos, cada vez mais, se estendam em favor do maior número de pessoas. Saiam do papel para a vida real.
Tá! Mas o que isso tem a ver com o STF?
A “exceção”
Uma coisa é o seu Direito existir no papel, e você lutar para o tornar realidade. Outra, bem diferente, é o Supremo dizer que esse mesmo direito seu, escrito na Constituição, “não existe”.
Exceções aos direitos e garantias fundamentais devem ser lidas e aplicadas do modo o mais restrito possível. Essa é uma lição básica de interpretação do Direito, já sistematizada no clássico de Carlos de Maximiliano, em 1924.
Mas pior do que isto: o STF não tem competência para escolher quais direitos fundamentais suspenderá, ou não, nem por quais motivos.“
Porque a Constituição já o faz!“
Explicaremos semana que vem.
* Assessor jurídico do Sindipetro-NF e da FUP.
[email protected]