Nascente 1192

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EDITORIAL

Demissão por causa justa

A Petrobras diz que a demissão é por justa causa. Na verdade, a demissão é por causa justa. É por ver em uma incômoda dedicação do diretor sindical Alessandro Trindade a uma causa justa e urgente, a de matar a fome de famílias atingidas pela miséria bolsonarista, que a gestão negacionista da Petrobrás — que nega o risco elevado de contaminação por Covid-19 em suas instalações e vê-se, agora, negando por meio da indiferença a realidade social dramática da população — decidiu demiti-lo. Ele cometeu o ato acintoso de levar alimentos a famílias que haviam promovido uma ocupação em área doada à companhia. Nada mais subversivo.

De justa causa o inferno gerencial está cheio. Não há mês que um diretor sindical não ouve algum relato de gerente de plataforma ou de base de terra aprontando, assediando, coagindo, infringindo pencas de artigos do Código de Ética da empresa. Mas, para estes apaniguados a gestão não tem olhos de punição. Tem olhos de admiração.

A abertura do processo de demissão de Alessandro só confirma que a luta não pode parar. Ela chega quando a categoria acaba de aprovar uma suspensão em um movimento grevista que durou um mês, justamente contra os desmandos da gestão bolsonarista da Petrobrás. A suspensão, aprovada em assembleias na semana passada, não revoga a necessidade de permanente estado de mobilização.

Desde o início, como registrado aqui mesmo em editorial do Nascente, sabia-se que a Greve pela Vida teria resultados difíceis de serem materializados a curto prazo, diferentemente de uma greve durante campanha reivindicatória, por exemplo. Mas também sabe-se, desde sempre, que a luta dos trabalhadores é uma correlação de forças contínua. Nesta greve, a vitória é ter desmascarado a empresa em seus protocolos ineficazes, ter mostrado vitalidade de uma categoria que mantém um sindicato forte e atuante e ter caracterizado a responsabilidade da Petrobras em vários dos adoecimentos e mortes que ocorrem na categoria.

Sigamos firmes em várias frentes, pelas escalas e jornadas humanas, pela prevenção à Covid, pela manutenção de Alessandro na empresa. Todo dia é dia de luta por causas justas.

 

ESPAÇO ABERTO

A desestatização da Eletrobras*

William Nozaki**

As privatizações no setor elétrico tiveram início em 1995. Desde então, no segmento de geração, cuja capacidade total é de 145 GW, apenas 29% ficaram com o Estado, representado pela Eletrobras, com as subsidiárias Furnas, Chesf, Eletronorte e pela metade de Itaipu. No segmento de transmissão, o grupo Eletrobras controla 57 mil quilômetros de linhas, enquanto 584 mil quilômetros estão sob controle privado. No segmento de distribuição, as principais empresas também foram privatizadas.

O resultado desse processo, no que se refere a qualidade dos serviços, os consumidores têm enfrentado brutais aumentos na frequência e na duração dos cortes de energia. A energia elétrica é um monopólio natural no caso brasileiro dada a infraestrutura hidrelétrica e as grandes companhias geradoras, portanto, tarifas elétricas não devem ser formadas apenas no espaço privado, pois influenciam todos os custos da economia e constituem um privilegiado instrumento de arrecadação de parte da renda dos demais setores. A experiência mostra que investidores privados fazem despesas estritamente relacionadas com seus interesses, e relutam em realizar as demais atividades não lucrativas, como preservação ambiental, controle de enchentes etc. Na MP 1.031, o modelo envolverá a perda de controle da empresa pela União, que atualmente é de 68%. A negociação também irá abranger grandes hidrelétricas controladas por subsidiárias da estatal.

A lógica do “novo modelo” para a Eletrobras é perversa – para atrair investimentos privados, é necessário tornar a empresa “atrativa” para o capital privado, principalmente para os investidores internacionais.

Com essa medida, vai haver o aumento imediato das tarifas, principalmente para os pequenos empresários e o consumidor residencial. Além disso, a alienação de ativos já amortizados, mas remunerados por preço de mercado (descotização), será um desestímulo à construção de novas usinas.

* Trecho de artigo publicado no Le Monde Diplomatique Brasil sob o título “A desestatização do sistema Eletrobras”, em is.gd/eanascente1192. ** Economista, sociólogo, professor da Fespsp e da Flacso-FPA).

 

GERAL

Petrobrás quer demitir por justa causa quem se dedica a causa justa

Desde o anúncio pelo Sindipetro-NF e pela FUP, na semana passada, de que um de seus diretores, Alessandro Trindade, havia sido notificado pela gestão bolsonarista da Petrobrás de abertura de processo de demissão, não param de chegar mensagens de solidariedade ao petroleiro. São publicações em redes sociais de políticos e lideranças, além de notas oficiais de diversas entidades, que reforçam a denúncia da ação autoritária da empresa e a pressão política para que a companhia reveja a sua posição sobre o caso.

A empresa alegou que o petroleiro liderou uma “invasão” de um terreno doado à companhia, em Itaguaí, em 1º de Maio. Na verdade, como integrante do Movimento Petroleiro Solidário, Alessandro esteve em uma ocupação popular para levar alimentos às famílias em vulnerabilidade social, como tem feito em diversas comunidades — onde também atua em ações de venda de gás a preços subsidiados pelos sindicatos.

Em nota, a CUT-Rio afirmou que “é inadmissível que uma ação de solidariedade seja usada como justificativa para demitir um trabalhador e é vergonhoso tamanho ataque à liberdade de organização sindical perpetrado pela Petrobras. A luta continua sendo por vacina no braço e comida no prato. Enquanto os governantes não fazem o seu trabalho, a população civil se organiza para não morrer de fome”. Também houve nota de apoio publicada pelo presidente da CUT Nacional, Sérgio Nobre, assim como pela FUP (Federação Única dos Petroleiros) e pela FNP (Federação Nacional dos Petroleiros), além de diversos sindipetros ligados a ambas federações em todo o país.

O MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) publicou nota manifestando “total repúdio a ação de violência da Petrobrás contra seus trabalhadores”, defendendo que “o Sindipetro-NF, a FUP e o conjunto da categoria petroleira não pode se deixar intimidar, a campanha Petroleiro Solidário e outras ações de solidariedade devem continuar, e o emprego do companheiro Alessandro deve ser restituído.”

A presidenta do PT (Partido dos Trabalhadores), Gleisi Hoffmann, publicou em seu perfil no Facebook nota do partido em que “solidariza-se com o companheiro Alessandro Trindade, demitido pela direção da Petrobras por exercer um gesto profundamente humano, de arrecadar e distribuir alimentos para famílias com fome. A direção da Petrobras acusou falsamente o companheiro de participar da ocupação de um terreno da empresa, quando na verdade só estava distribuindo alimentos para famílias necessitadas, e aproveitou um gesto nobre do petroleiro para demiti-lo.”

O senador Jaques Wagner (PT-BA) manifestou “solidariedade ao companheiro Alessandro Trindade, diretor do Sindipetro-NF, demitido de forma injusta e absurda por representar a classe petroleira numa ação de distribuição de cestas básicas para famílias carentes em Itaguaí”, assim como o também senador Jean Paul Prates (PT-RN), que considerou a demissão “um péssimo sinal dado pela Petrobras. A empresa, que já se destacou por projetos de incentivo à cultura, defesa do meio ambiente e inclusão social parece virar as costas à dura realidade do povo brasileiro ao demitir um petroleiro que se mobilizou contra a miséria.”

A deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA), também manifestou solidariedade, afirmando ser “arbitrária e absurda a demissão de Alessandro Trindade, diretor do Sindipetro do Norte Fluminense. Ele foi desligado por ser solidário e doar alimentos a quem precisa.”
O Sindipetro-NF continua a tomar todas as medidas jurídicas e de mobilização política pela reversão dessa atitude truculenta da gestão da Petrobrás. Como tem noticiado em todas as suas mídias, a entidade não vai se intimidar.

Entrevista / Alessandro Trindade

Punido por doar alimentos

Vitor Menezes / Da Imprensa do NF

Prevendo que, em breve, a Petrobrás terá que reintegrá-lo aos seus quadros e pedir desculpas à categoria petroleira por este ato violento, o diretor do Sindipetro-NF, Alessandro Trindade, 44 anos, conta ao Nascente como recebeu a notificação da abertura de processo de demissão e como tem visto as mensagens de solidariedade que tem recebido. Concursado da companhia desde 2004, ele afirma que a gestão demonstrou intransigência e falta de sensibilidade em relação a um funcionário que estava levando alimentos a famílias em vulnerabilidade por meio da campanha Petroleiro Solidário.

Nascente – Um sindicalista experiente como você deve ter imaginado que algo assim não deveria, mas pode acontecer, dado o perfil autoritário das empresas. Mas como tem sido viver isso de modo tão concreto, não apenas no plano da possibilidade?
Alessandro Trindade – Entrei na Petrobrás em 2004, sou um concursado do governo do PT, num projeto implementado onde eu e outros meninos de comunidade tiveram acesso à estatal, e receber o telegrama no dia 2 do meu pedido de justa causa foi uma situação muito constrangedora. Vou te dizer que por mais que eu esperasse, eu chorei o dia todo. Isso mostra a intransigência e a falta de sensibilidade dessa atual gestão e desse atual bolsonarista genocida, porque enquanto sindicalista a minha única preocupação é levar comida a quem mais precisa. E eu estou sendo punido por colocar comida dentro de um terreno com famílias em vulnerabilidade. Essa é a realidade. Estou sendo mandado embora por colaborar e colocar comida para quem tem fome.

Nascente – Como tem visto as inúmeras manifestações de solidariedade que têm surgido? Esperava essa repercussão?
Alessandro – Eu chorei muito. Acho que eu não tinha noção do que o Alessandro funcionário, o Alessandro técnico de instrumentação e o Alessandro sindicalista alcançaria tanta gente. Mas não é o Alessandro, é o tamanho do coração da categoria petroleira. As ações solidárias só acontecem porque do outro lado tem alguém que está enxergando que tem pessoas com fome, sentindo frio, e a gente só está levando um pouco de solidariedade. Eu recebi vídeos, mensagens, todas elas muito carinhosas. Para algumas eu chorei, para outras eu não sabia o que responder, mas eu estou muito espantado com as várias mensagens de solidariedade que eu tenho recebido de políticos, da categoria petroleira, de parentes, e de pessoas que eu nem conheço, dizendo que a luta tem que continuar. A gente tem que continuar colocando comida na mesa de quem mais precisa.

Nascente – Qual sua expectativa para o desenrolar jurídico do caso? Acredita que essa suspensão pode ser retirada?
Alessandro – A minha demissão é uma demissão arbitrária, é uma punição política, que eu tenho certeza que o escritório do Normando Rodrigues vai reverter. Acabei de ter noção aqui agora de que o Judiciário mandou excluir a punição de 29 dias do Deyvid [Bacelar, coordenador geral da FUP] , e em breve eu estarei sendo reintegrado aos quadros da Petrobrás e ela terá que se desculpar perante a categoria me reintegrando. Mas uma coisa é certa: eu vou continuar a colocar comida na mesa de quem mais precisa.

 

Greve suspensa e categoria na luta

Em assembleias realizadas para filiados e não filiados ao sindicato, nos dias 3 e 4 da semana passada, a categoria petroleira na região aprovou o indicativo do sindicato de suspensão da Greve pela Vida, que durou 30 dias. Os petroleiros e petroleiras também aprovaram um manifesto contra a escala de 21 dias, adotada de forma unilateral pela Petrobrás durante a pandemia.

O sindicato mantém a orientação, no entanto, para que escalas, turnos e jornadas sejam cumpridos rigorosamente, como previsto pelo Acordo Coletivo de Trabalho. Não há qualquer acordo para adoção de escalas diferentes. A entidade também anunciou que vai intensificar as atividades de testagem nas bases e outras formas de mobilização. A categoria petroleira está em luta pela adoção de protocolos eficazes de prevenção à Covid-19 nas instalações da Petrobrás.

Percentuais

O indicativo de suspensão da greve foi aprovado por 82% de votos favoráveis, 16% de votos contrários e 2% de abstenções. O manifestou contou com aprovação de 82%, com 8% contrários e 10% em abstenções. Um terceiro indicativo previsto em edital, de manutenção de Assembleia Permanente, acabou não sendo submetido por falha no sistema de votação.

 

CURTAS

MPT recomenda

Uma nova recomendação do Ministério Público do Trabalho (MPT) às empresas do setor petróleo está em vigor desde a semana passada. O documento incorpora as diversas cobranças que os sindicatos petroleiros, entre eles o Sindipetro-NF, têm feito desde o início da pandemia. Entre elas está a de encaminhar os trabalhadores para realização de teste RT-PCR após o ingresso no território nacional, inclusive os que estão retornando de uma jornada de trabalho no exterior.

Oiltanking

Petroleiros e petroleiras da Oil Tanking têm assembleia hoje, às 15h, pelo aplicativo Zoom. Em pauta para debate a proposta de Acordo Coletivo de Trabalho de 2021 apresentada pela empresa. Para participar é necessário inscrição no link is.gd/assoil. Após a inscrição, o trabalhador ou trabalhadora receberá um e-mail de confirmação contendo informações sobre como entrar na reunião.

Desconto da greve

O Jurídico do NF orienta trabalhadores e trabalhadoras que sofreram descontos indevidos, referentes à greve de fevereiro de 2020, a enviarem a documentação necessária para que seja possível tomar as medidas cabíveis. Os contracheques e controle de frequência de fevereiro de 2020 a março de 2021 e a Ficha de Registro de Empregado devem ser enviados para jurí[email protected]. As ações serão individuais em razão das especificidades de cada caso.

Administrativo

CONFINAMENTO NA AGLOMERAÇÃO Nesta segunda, 07, o NF recebeu denúncia que voltou a mostrar a ineficácia do confinamento em hotéis promovido pela Petrobrás no pré-embarque. Em um deles, em Cabo Frio, foi realizada no último domingo uma formatura. Os relatos dos trabalhadores são de que pelo menos 60 formandos e familiares estavam aglomerados em locais por onde os demais hóspedes precisavam passar, por exemplo, para ter acesso aos elevadores. Muitos estavam sem máscaras para tirar fotos. O sindicato cobra explicações da Petrobrás sobre mais este caso de flagrante de falha de um hotel conveniado nos cuidados de prevenção à Covid-19.

 

NORMANDO

Genocida condenado

Normando Rodrigues*

Ainda não foi a vez do Mito, mas sim a de Ratko Mladic, antigo comandante bósnio-sérvio responsável pelo extermínio de cerca de 8 mil muçulmanos no massacre de Srebrenica, em 1995.

O general recorria da pena de prisão perpétua aplicada em 2017 pelo tribunal de guerra da ONU para a Bósnia, mesma corte que a 8/06/21 confirmou a sentença.

Oficial de carreira com 31 anos de serviços à antiga Iugoslávia, e depois à Sérvia, Mladic foi levado ao genocídio pelo preconceito e pelo ódio, o que demanda uma reflexão sobre o ensino militar, em geral, e a doutrinação ideológica, em particular.

Reacionários e conservadores

A parte reacionária dos nossos soldados concebe o mundo extracaserna como um caos decadente e cheio de inimigos. O Brasil ideal é o de um passado não vivido, do qual “ouviram falar”, sem críticas ou análises.

Já os conservadores acreditam que a abissal desigualdade social brasileira deva ser mantida a qualquer preço. É o sistema de valores do “manda quem pode”, e do “sabe com quem está falando?”

Uns e outros se irmanam com o fascismo no ódio à esquerda e a quem mais ousar desafiar nossa escravagista hierarquia de classes. E são “adestrados” neste ódio.

Ao contrário desses credos, nossa Constituição é o programa ideológico de um estado democrático…

“….destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.”

Mas isso pouco importa, porque em lugar de jurar “apoiar e defender a Constituição”, como fazem seus equivalentes dos EUA, nossos milicos juram “morrer pela pátria e viver sem razão”, do mesmo modo que há meio século Geraldo Vandré cantou.

Hitler

O juramento profissional descompromissado da constituição é só um pequeno traço de um mundo próprio, que oferta à história uma série de atos muito mais graves.

Corrupção, remuneração acima do teto constitucional, torturas e assassinatos, são os grandes feitos dos militares brasileiros, que agora acrescentaram à lista o genocídio.

Genocídio pelo qual os camuflados não querem que Pazuello seja responsabilizado. E, impune pelo mais, impune pelo menos, seria de todo contraditório que punissem o general por subir no palanque de nosso Hitler.

Até porque, o Exército já embarcou nesse “carro de som” há muito tempo!

* Assessor jurídico do Sindipetro-NF e da FUP.
[email protected]

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