No Supremo, CUT aponta os prejuízos trilionários que pejotização trará ao país

Em audiência pública no STF, CUT apresenta dado de estudo da Unicamp de queda de até 30% do PIB com pejotização. Ministério do Trabalho, da Previdência e AGU criticam as perdas financeiras ao país

 

Um estudo recente do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT), da Unicamp, projetou impacto negativo da pejotização irrestrita sobre o crescimento econômico, de redução em até 0,5 ponto percentual a taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) a longo prazo. O PIB real ficaria até 30% mais baixo no cenário de pejotização irrestrita. O Produto Interno Bruto do Brasil no ano passado totalizou R$ 11,7 trilhõesLeia aqui a íntegra do estudo da Unicamp.

Dados apresentados pelo Ministério do Trabalho mostram que, de 5,5 milhões de desligamentos no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) 4,4 milhões se transformaram em Micro Empreendedores Individuais (MEIs) — e muitos desses trabalhadores continuaram prestando serviço para os mesmos empregadores, nas mesmas atividades.

Outro estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 2019, demonstrou que “os países com maior proteção sindical e legal são os que têm maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e maior produtividade.

Esses e outros dados econômicos sobre os impactos da pejotização irrestrita foram apresentados pelo advogado trabalhista José Eymard Loguercio, do escritório LBS Advogadas e Advogados, que representou a CUT, na audiência pública chamada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, encerrada nesta segunda-feira (6).  O debate integra o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1532603, em tramitação na Corte. Gilmar Mendes suspendeu as ações que tramitavam na Justiça sobre o reconhecimento de vínculo empregatício em contratos de pejotização. Mas a ainda não foi definida uma data para a decisão final do ministro.

Governo e entidades apontam os prejuízos com pejotização irrestrita

Na audiência, o ministro Jorge Messias da Advocacia-Geral da União disse que a ‘pejotização’ não impacta apenas o trabalhador contratado, mas todo o sistema de seguridade social. Messias informou que, entre 2022 e 2024, o fenômeno provocou um déficit estimado de R$ 60 bilhões na Previdência Social, além de perdas de R$ 24 bilhões ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

O ministro definiu a pejotização como uma “cupinização” dos direitos trabalhistas, que “corrói por dentro, silenciosamente, as estruturas que sustentam a proteção social”. Para ele, o país deve construir um modelo que “respeite a liberdade econômica, mas que também preserve o trabalho digno, a proteção previdenciária e a solidariedade entre as gerações”.

Adroaldo da Cunha Portal, secretário-executivo do Ministério da Previdência Social afirmou que a pejotização terá severas consequências para a Previdência Social. Por um lado, ela atribui exclusivamente ao trabalhador a responsabilidade pela filiação e pela contribuição, enquanto transfere para o Estado o custeio das despesas com proteção social. Segundo ele, o orçamento da Previdência Social é de R$ 1 trilhão, e um terço disso é bancado pelo Estado – o chamado déficit da Previdência. 

Afrânio Rodrigues Bezerra Filho, da Subsecretaria de Fiscalização da Receita Federal, afirmou que a pejotização pode resultar em concorrência desleal e representar um prejuízo bilionário anual à arrecadação tributária. Segundo ele, um estudo recente da Receita Federal avaliou o impacto da escolha entre a contratação formal via CLT e a contratação por meio do regime de microempreendedor individual. A estimativa aponta que, em 2025, a diferença na arrecadação pode alcançar R$ 26 bilhões. Afrânio destacou ainda que, embora legítimo e necessário, o estímulo ao empreendedorismo não pode se sobrepor ao cumprimento da legalidade tributária.

Fraudes trabalhistas

José Eymard Loguercio destacou também em sua fala que a pejotização não é um debate teórico ou ideológico, mas uma prática concreta de fraude à relação de trabalho. Segundo ele, o modelo do MEI, criado há 15 anos para formalizar trabalhadores, vem sendo utilizado de forma indevida por empresas que buscam reduzir custos e responsabilidades trabalhistas.

O advogado citou casos recentes de pejotização em setores simples, como a contratação de garis como pessoas jurídicas, e ressaltou que o fenômeno não se restringe a profissionais liberais.

“Temos uma sociedade de massas, e essa prática atinge trabalhadores de todos os níveis”, observou.

Ele enfatizou que a ciência do Direito do Trabalho, consolidada há quase um século, parte do reconhecimento de que o trabalho é realizado por pessoa humana — e não por uma entidade abstrata.

“O grave risco dessa tese é tratar pessoas humanas como pessoas jurídicas, retirando-as da esfera de proteção do trabalho”, alertou.

Loguercio lembrou que organismos internacionais compartilham essa preocupação. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) possui recomendações explícitas sobre o tema — as de número 198, 189 e 204.

De acordo com a recomendação 198 da OIT, “as políticas nacionais devem incluir medidas para combater relações de trabalho disfarçadas, inclusive o uso de acordos contratuais que escondam o verdadeiro status legal”. Já a recomendação 189 estabelece a necessidade de assegurar aplicação não discriminatória da legislação laboral, de modo a ampliar a qualidade do emprego nas pequenas e médias empresas.

Loguercio ressaltou ainda que a União Europeia reconhece o “abuso do estatuto de trabalhador independente” como uma forma de “trabalho falsamente declarado”, quando uma pessoa é classificada como autônoma mesmo preenchendo todas as condições típicas de uma relação de emprego.

Em suas diretrizes, a UE também aprovou diretivas que afirmam: “trabalho humano não é contrato comercial nem civil, ainda que assim se estabeleça por legislação específica.”

Encerrando sua fala, ele destacou que o risco central da pejotização é duplo: o desmonte histórico da proteção ao trabalho e o enfraquecimento da representação sindical.

“O que está aqui em risco, de fato, como já dito, não é apenas a destruição de um longo percurso de construção histórica dos direitos do trabalho, mas também da qualidade da proteção sindical.”

Luiz Marinho, Ministro do Trabalho, ressaltou que o regime do Microempreendedor Individual (MEI), criado para facilitar a formalização do microempreendedor brasileiro, tem sido desvirtuado para “mascarar contratos de trabalho” com características típicas de vínculo empregatício, como subordinação e jornada fixa. “Nossa responsabilidade é decidir se queremos avançar para a modernidade ou oficializar a fraude como normalidade”.

Sobre a audiência pública

A sessão, contou com 48 participantes — representantes de entidades, especialistas, magistrados e juristas — que apresentaram diferentes visões sobre o tema.

Ao encerrar os trabalhos, Gilmar Mendes agradeceu aos expositores pelo engajamento e pela qualidade das contribuições apresentadas. “Saímos deste encontro devidamente informados, mais sensíveis aos desafios apresentados e ainda mais comprometidos com a busca por soluções justas, inovadoras e viáveis”, afirmou o ministro.

Entenda o debate

Em 14 de abril deste ano, o ministro do Supremo, Gilmar Mendes, decidiu suspender todas as ações sobre pejotização até que a Corte, formada por 11 ministros, deem seu parecer final.

A decisão de Gilmar Mendes foi tomada depois que a Corte reconheceu a repercussão geral do assunto, ou seja, a necessidade de se tomar uma decisão que sirva de modelo para todos os casos semelhantes, unificando o entendimento da Justiça brasileira sobre o tema.

Essa uniformização se tornou necessária porque o TST já havia se posicionado contra a pejotização, o que impulsionou a justiça trabalhista a reconhecer o vínculo de prestadores pejotizados.

Em 2018, o STF julgou esse entendimento inconstitucional e decidiu liberar empresas privadas ou públicas a fazer a chamada terceirização, isto é, contratar outras empresas para realizar qualquer atividade, em vez de contratar pessoas físicas por meio de contrato assinado na carteira de trabalho. A partir daí, a decisão do STF passou a ser usada para derrubar milhares de vínculos empregatícios reconhecidos pela justiça trabalhista.

Para o ministro Gilmar da Mendes, a Justiça do Trabalho tem ignorado decisões da Corte sobre terceirização, o que tem gerado insegurança jurídica e lotado o tribunal com recursos repetidos.

Agora, o STF decidirá se a Justiça do Trabalho é a única que pode julgar casos de fraude no contrato de prestação de serviços, se é legal contratar pessoa jurídica em vez de assinar carteira de trabalho e quem deve provar se houve fraude: o patrão ou o trabalhador.